Nath finanças e o escárnio dos privilegiados: Por que uma jovem mulher negra falando sobre finanças incomoda tanto?

Crise internacional, Brasil em clima de ansiedade pelos passos do governo federal e lógico, o racismo não dando descanso para ninguém. Nath Rodrigues do Rio de Janeiro, está no sétimo período da Faculdade de Administração e utiliza suas redes sociais como espaço para compartilhar informações sobre finanças e meios de sobrevivência nessa sociedade capitalista para pessoas de baixa renda.  No seu canal no Youtube, Nath Finanças, ela compartilha informações sobre educação financeira, dicas sobre bancos e como não se endividar. Algo de grande importância dentro de um contexto que as crianças, adolescentes e jovens pobres, na sua grande maioria negros, não possuem nenhum acesso à educação financeira. 

Em meio a tantos incômodos de uma política de Coachs, propagandas sobre “como ganhar o primeiro milhão” –  vale lembrar da “Betina” – algumas pessoas se incomodaram com o fato de Nath publicar dicas sobre finanças e divulgar para as pessoas de baixa renda. Críticas, ironias, tweets soltos sobre o que Nath publica, ataques gratuitos, que não visava o compartilhamento de informações ou a discussão sobre veracidade daquilo que ela produzia, mas sim, ataques à própria youtuber. Ao analisar os perfis dos julgadores do twitter é possível observar: Os ataques não eram às informações que Nath prestava, mas sim, ao que a jovem é e representa. Uma jovem mulher negra falando sobre finanças.

A autora Lélia Gonzales aponta alguma das questões no texto “Racismo e sexismo na cultura brasileira” no trecho “Para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira”, enxergando essa articulação com o sexismo brasileiro como mola propulsora de uma violência profunda nas mulheres negras. A youtuber no momento de elucidação sobre seu papel na sociedade enquanto alguém que compartilha informações importantes para um público constantemente negligenciado pelas empresas relacionadas a finanças estaria se colocando, devido a estrutura racial e de gênero num espaço de alvo para àqueles que entendem as mulheres negras como domesticáveis e insuficientemente capazes de produzir conhecimento. Ao mesmo modo, nas relações apresentadas, a forma como as pessoas que a julgaram se colocaram nas redes demonstraram uma forma de escárnio, piada, fruto do racismo recreativo que independente do local onde esteja e do contexto da discussão, encaminha as elucidações sobre o racismo para um campo do riso.

Um ponto que chama a atenção é que as pessoas que atacaram a Nath Rodrigues se auto intitulavam como pessoas de esquerda, com consciência de classe e entendimento sobre as relações de capital-trabalho estudadas por Marx e sobre a estrutura social brasileira. Mas isso não se desloca contra o fato, quando não há o entendimento de que a questão racial e de gênero também é uma questão que estrutura as relações de trabalho – ponto apresentado pela marxista Angela Davis – entende-se raça e gênero como setores identitários de uma escala econômica e social de sobrevivência. Segundo bell hooks, no livro “Não sou eu uma mulher” dentro de um contexto social, racista e sexista, a mulher negra é sempre colocada no espaço de força e resistência, mas nunca como potencial transformadora da história, a autora aponta “Elas ignoram a realidade de que ser forte perante opressão não é o mesmo que superar a opressão, que a sobrevivência não é para ser confundida com transformação”. E dessa forma, o racismo e o sexismo se engatinha de forma profunda mesmo naqueles(as) que enxerga as relações de classe, colocando à periferia as questões de raça e gênero.

Estratégias para o compartilhamento de conhecimentos são construídas diariamente por pessoas que se encontram em territórios e locais de fala silenciados. Mulheres negras e homens negros se localizam nos locais, de muita das vezes, compartilhar conhecimento para àqueles que parecidos com eles, não estiveram próximo de enxergar as questões apontadas, isso é fruto da cultura dos quilombos, igualmente, a Angela Davis, no livro Mulheres, raça e classe aponta sobre a forma que as mulheres negras criaram estratégia para compartilhar ensinamentos com os seus nos quilombos. Já Marielle Franco, no livro A redução da favela a três letras: Uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro aponta que “Instrumentalizar os moradores, fortalecer a consciência de que a favela deve ser respeitada pelo poder público e pelos agentes de segurança é ampliar o acesso à cidadania.”. As duas evidenciam que informação é poder, e não há problema em ser compartilhadas, pelo contrário, é uma forma de transformação para fortalecer àqueles(as) que, por falta de oportunidades, não tiveram acesso a determinadas discussões ao longo de sua educação.

Para concluir, é importante afirmar que a atuação da youtuber ao se colocar como agente de transformação para fortalecer àquelas que não possuem conhecimento sobre finanças é necessária dentro de um contexto social e econômico do qual as mulheres e homens de baixa renda, grande maioria negros, não possuíram sequer acesso à educação econômica. (In) felizmente – se tivéssemos em outra conjuntura talvez não fossem necessárias – são a partir dessas intervenções de compartilhamento de informações que muita das pessoas que não tiveram acessos à certos tipos de conhecimento, aprendem e utilizam no seu dia-a-dia como forma de uma sobrevivência mais harmônica e tranquila. No mais, a relação de embate à atuação de Nath Rodrigues nada mais é do que a expressão da lógica do racismo e do sexismo imperando nas relações sociais, pois na avaliação daqueles que foram construídos a partir dos seus privilégios de raça e de gênero, uma jovem, mulher e negra não pode falar de finanças e economia. 

Ícaro Jorge,  Bacharel Interdisciplinar em Humanidades na UFBA e estudante de Direito na UFBA (Twitter: @icarojorgee e Insta: @icarojorgesilva)

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 


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