Novo caso de racismo em Uber levanta debate sobre canais de denúncia e políticas antirracistas

Um casal de jovens negros denunciou um caso de racismo que sofreram em uma corrida feita pelo aplicativo Uber. João Batista e Mateus Barcelos, dois produtores de conteúdo, voltavam do Youtube Space, no Rio de Janeiro, e foram abordados por policiais graças a uma denúncia do motorista que fazia o trajeto.

Do  Hypeness

Negros enfrentam sucessivos casos de racismo em transporte por app (Imagem retirada do site Hypeness)

João e Mateus abriram um Boletim de Ocorrência no DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) no Rio. Segundo os jovens, eles pediram um Uber da Praça Mauá até São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Após cinco minutos, um carro da Polícia Militar do Rio de Janeiro abordou o veículo e pediu que os dois saíssem para averiguação.

“[O motorista] foi muito educado no início. Então, quando ele fez uma parada meio brusca, não desconfiei de nada, mas aí a PM veio e a gente teve que sair de mãos para cima”, afirmaram os jovens em suas redes sociais.

“Somos dois jovens negros e, dado ao histórico das mortes policiais, nós ficamos com medo. Não sabíamos o que fazer, porque qualquer movimento nosso poderia ter sido crucial”, adicionaram.

Depois, questionaram o motorista, que respondeu que “quem não deve, não teme”. Vale lembrar que 1 a cada 3 mortes violentas no Rio são causadas por policiais.

Confira a postagem de João e Mateus no Instagram:

Este não é o primeiro caso de racismo em apps de transporte. Em abril desse ano, o youtuber Spartakus Santiago denunciou um evento de racismo e homofobia em uma viagem da 99, com um vídeo da agressão, em que o motorista o chamava de ‘viado‘. A empresa se retratou: “A empresa sente muito pelo que ele vivenciou com motoristas da plataforma. Essa não é a experiência que o aplicativo quer proporcionar aos passageiros. A 99 repudia qualquer forma de preconceito e tem uma política de tolerância zero em relação a isso. As equipes internas de atendimento da empresa foram mobilizadas para dar todo o suporte. Além disso, os motoristas foram imediatamente banidos do app.”

O humorista Yuri Marçal contou um triste relato, em maio desse ano, após sofrer com o preconceito dentro de um carro numa viagem da Uber.

“Meu produtor entrou na frente e eu entrei atrás. Aí, o racista falou para que eu não ficasse atrás dele, senão ele teria que me dar um tiro”, contou o humorista sobre o episódio ocorrido em Porto Alegre. A Uber baniu o motorista de seus serviços.

Yuri pediu uma abordagem mais incisiva contra o racismo dentro na companhia: “Banir o motorista é obrigação, quero políticas ações/antirracistas”.

Para além das notas de repúdio
Os relatos acima são suficientes para concluir que pedir um transporte por aplicativo é um risco para pessoas negras. Além dos episódios de racismo explícito, existem os velados, como a recusa de motoristas em parar para usuários negros.

Heraldo de Deus, ator baiano de 32 anos, disse à Folha de São Paulo que ao vê-lo, o motorista do Uber travou a porta e só abriu quando o cliente mostrou o celular. “Ficou parado como se eu fosse assaltá-lo.”

Rene Silva, jornalista fundador do Vozes da Comunidade, contou nas redes sociais o constrangimento gerado pelo racismo de um motorista. Aconteceu em novembro de 2018, na zona sul de São Paulo. Acompanhado do ativista Raull Santiago, Rene viu o condutor dar marcha ré no carro ao avistá-los. “Deve ter achado que eu ia para alguma periferia”, ironizou.

Mas afinal, que medidas foram adotadas pelas gigantes do ramo? Notas e textões condenando atitudes preconceituosas de prestadores de serviço estão longe de resolver a questão.

 

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“Eu sou a volta por cima, uma explosão em expansão igual o Big Bang”

Uma publicação compartilhada por Yuri Marçal (@oyurimarcal) em

Para esclarecer os acontecimentos, o Hypeness entreou em contato com a Uber, 99 e Cabify. Em nota, as empresas deram detalhes de suas medidas internas contra o racismo. A 99 disse repudiar atos de racismo e proibir motoristas de discriminação. Além disso, a empresa garante que tem tomado medidas para coibir esse tipo de atitude.

“Realizamos periodicamente, nos 33 centros presenciais de atendimento (Casas99) distribuídas pelo país, rodas de conversas para orientar motoristas a terem uma postura de gentileza, boa fé e profissionalismo com todos”, se manifestou em nota enviada ao Hypeness.

“Além disso, estamos implementando cursos online e presenciais abertos a 100% dos motoristas com foco em diversidade e cidadania. O conteúdo foi feito por uma plataforma especializada em educação digital com a curadoria de especialistas no assunto. Já estão disponíveis os módulos sobre combate à LGBTQ fobia e ao assédio. Em novembro, lançaremos o curso sobre racismo”, complementou.

Já a Cabify afirmou que “repudia qualquer tipo de ato discriminatório, tanto em relação aos passageiros quanto aos seus motoristas parceiros”.

A empresa reforçou “que orienta que os usuários reportem qualquer situação que considerarem desconfortável para a central de atendimento da plataforma, disponível 24 horas por dia e 7 dias por semana. Em casos como este, a empresa pode banir os envolvidos, seja passageiro ou motorista, bloqueando-os no aplicativo”.

Em nota, a Uber disse lamentar a “experiência de discriminação pela qual os usuários passaram em nossa plataforma. Assim que tomamos conhecimento da denúncia do usuário, entramos em contato para prestar o apoio necessário e bloqueamos o motorista da plataforma”.

A companhia afirma que o preconceito permeia a sociedade e que cabe a todos combatê-lo. “A empresa também está à disposição para colaborar com as autoridades responsáveis para investigação do caso”.

A Uber destaca o Código de Conduta da Comunidade, que pode “causar a exclusão permanente, tanto de usuários quanto de motoristas parceiros. Temos uma equipe disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, especialmente treinada para responder a qualquer dúvida ou problema relacionado a incidentes na plataforma”

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