LUCÍA ABELLÁN, MIGUEL MORA
Judeus confessam que voltam a sentir medo; alguns ciganos frequentam colégios segregados.Partido cigano surge na Hungria.
OSTRAVA e BUDAPESTE – Todos os líderes europeus, sem exceção, elogiaram Nelson Mandela. Mas na União Europeia, onde o desemprego afeta 25 milhões de pessoas e há 80 milhões de pobres, a xenofobia e o racismo só fazem aumentar.
A viagem começa em Ostrava, na República Tcheca. Aqui, as crianças ciganas são enviadas a escolas especiais. Algumas compartilham salas de aula com alunos com deficiência; outras escolas são apenas para ciganos. Muitos vivem em bairros ou cidades separados do restante da população sem acesso aos mesmos direitos. Um regime de apartheid. Situações semelhantes ocorrem na Hungria, onde 90% dos ciganos estão desempregados. Na Polônia, onde muitos restaurantes não os deixam entrar. Ou em Romênia, Eslováquia, Eslovênia e Bulgária.
Miroslav Turek, pedagogo social na Escola Premysla Pittra, em Ostrava, apresenta poucas semelhanças com outros professores europeus. Após dez anos de trabalho em uma prisão e uma fase em um lar para crianças, ele é agora responsável pelo grupo mais problemático de uma escola em que todos os alunos são ciganos, embora o bairro também abrigue outras comunidades. O professor precisa se envolver em outras atividades além do programa educacional.
– Durante três meses, eu me dediquei a mostrar a importância de trazer lápis para a aula – explica.
Premysla Pittra é uma escola segregada: só recebe crianças ciganas, em grande parte de áreas desfavorecidas. Há ainda uma opção pior para essas famílias: deixar os filhos em escolas para pessoas com deficiência mental leve. Devido a um perverso círculo vicioso, a maioria das crianças ciganas que falhou no teste de aptidão aos 6 anos acaba nessas escolas.
A segregação nas escolas é um problema que afeta toda a Europa Oriental. E emerge como o símbolo de um mal maior que percorre todo o continente: o ódio às minorias: ciganos, árabes, judeus e negros são as comunidades mais perseguidas.
Apartheid econômico e social
Do outro lado da Europa, em Holanda, Áustria, França, Bélgica e Reino Unido, o poder político tenta há alguns anos transformar as minorias ciganas em um bode expiatório para a crise econômica. Silvio Berlusconi abriu fogo em 2008 ao tentar expulsar os ciganos com um censo em massa na Itália. Nicolas Sarkozy levantou o assunto em 2010 na França, e hoje esse vírus infectou os (supostamente) progressistas.
O apartheid econômico e racial, assim como o ódio ao diferente, começam a ser uma característica marcante em muitos dos 28 países da União Europeia. O fenômeno desperta a preocupação em alguns observadores. De acordo com o filósofo francês Christian Salmon, “a política está sendo devorada pela xenofobia inerente ao sistema econômico neoliberal”.
Na França e no Reino Unido, os impulsos xenófobos vão desde a direita até a cúpula do Estado. O sociólogo francês Eric Fassin explica que os ataques do ministro do Interior, Manuel Valls, contra os ciganos “legitimam o discurso da Frente Nacional racista e tenta fazer com que os eleitores se esqueçam de que o governo socialista leva adiante a mesma política econômica que Sarkozy”. O governo passou meses derrubando favelas habitadas por cidadãos europeus (ciganos), sem realocar seus 17 mil ocupantes – a metade crianças -, violando a promessa de campanha de François Hollande, as normas internacionais e uma circular do Ministério do Interior de agosto de 2012. A ideia era tratar de forma humana e com firmeza a população carente. Somente a firmeza permaneceu.
Paralelamente, os racistas ocuparam as ruas, redes sociais e meios de comunicação. A ministra da Justiça, Christiane Taubira, foi comparada a um macaco por um ex-candidato da Frente Nacional. Os ataques da direita populista contra a comunidade muçulmana agora são tão comuns que não são mais notícia. A novidade é que, de acordo com uma pesquisa recente realizada pela Agência dos Direitos Fundamentais, 85% dos judeus franceses acreditam que o antissemitismo é um problema em seu país, em comparação com 66% da média europeia.
No Reino Unido, as coisas pareciam ir melhor. Mas há poucos dias o primeiro-ministro David Cameron aderiu à onda contrária aos ciganos com um artigo no “Financial Times” anunciando que exigirá da Europa medidas para regular a imigração, e referiu-se aos “nômades romenos e búlgaros” dizendo que seu governo negaria os direitos concedidos a outros imigrantes, como a assistência social para habitação e desemprego.
Os negros vivem situação semelhante à de ciganos e judeus: rejeição à primeira vista e identificação com clichês.
– O negro é acusado de ser preguiçoso ou irracional. E o estereótipo não desaparece quando eles são ricos – diz Ba Omar, chefe da Plataforma Africana em Antuérpia, na Bélgica, uma cidade próspera que mantém uma suspeita em particular em relação às minorias.
Neste caso, a base é tanto a identidade econômica quanto nacional: o nacionalismo flamengo aperta os critérios de acesso a alguns recursos, tais como o conhecimento da língua, o holandês.
Um judeu à frente de um partido cigano
No bloco do “capitalismo tardio” reside a maior parte dos oito ou dez milhões de ciganos da Europa. E a palavra cigano é associada a outras três: pobreza, desemprego e perseguição. Manifestar publicamente o ódio aos ciganos – e aos judeus – é cada vez mais rentável.
Na Eslováquia, por exemplo, um neofascista venceu as eleições regionais com um programa político: colocar os ciganos para fazer trabalhos forçados. As eleições de Banska Bystrica converteram em presidente desta região, que em 1944 se levantou contra os nazistas, Marian Kotleba, que fizera campanha com dois elementos: expor a corrupção e acabar com o “parasitismo cigano”, suprimindo as ajudas sociais e colocando essa população para reconstruir as estradas. Cerca de 40% dos ciganos do país vivem em guetos, bem acima dos 20% de uma década atrás.
– Eu gostaria de ter dado aos meus filhos a liberdade de serem médicos, por exemplo, mas já na escola lhes é dito que não podem. Assim, eu mesma recomendo a um deles que seja cozinheiro. Ao menos posso ensiná-lo – reclama Iveta Kroscenova, mãe de nove filhos, cinco deles matriculados em escolas segregadas.
O vice-prefeito Stepanek se defende:
– Eles vão a escolas onde só estudam ciganos por critérios de proximidade. E quanto a serem escolarizados em centros especiais, são os psicólogos que decidem.
Na Hungria, os ciganos estão habituados e ouvir essas e outras desculpas. Segundo um grupo de ONGs, a taxa de desemprego entre os ciganos supera os 90%, enquanto entre os não ciganos é de 11%. A voz dessa minoria é praticamente inaudível. Mas alguns começam a se organizar.
Em Budapeste – a capital do país onde há 70 anos meio milhão de judeus e 100 mil ciganos foram assassinados pelos nazistas com a colaboração do regime fascista do almirante Miklós Horthy – acaba de nascer o Partido Cigano da Hungria, que planeja se candidatar às eleições legislativas e europeias de 2014. Curiosamente, o ideólogo e vice-presidente do partido não é cigano, mas judeu: o militante antifascista Sandor Szoke, que diz ter começado a ajudar os ciganos porque “deveria haver um branco entre eles para defendê-los”.
Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a situação dos ciganos se deteriorou na Hungria.
– Eles são os únicos que viviam melhor sob o comunismo do que hoje. Eles eram a maior força de trabalho da indústria estatal. Naquele momento, a indigência estava proibida e o desemprego era ilegal – diz Szoke.
A inquietude também é perceptível entre os judeus húngaros, a elite social e econômica que reside majoritariamente na capital. Todos os entrevistados em Budapeste contam que têm amigos e famílias judias que emigraram. Os episódios antissemitas, dizem, acontecem com cada vez mais assiduidade.
Antes do verão, um dirigente destacado de Jobbik, Márton Gyöngyösi, pediu no Parlamento que listas de judeus fossem feitas, “sobretudo os que estão no governo e no Parlamento porque representam um risco para a segurança do país”. O governo de Orbán condenou suas palavras e assegurou que toma “as mais estritas medidas contra toda forma de racismo e de comportamento antissemita.”
De Barcelona, David Stoleru, diretor do The Beit Project, que narra o Holocausto em colégios de toda a Europa, afirma que a “Hungria está emitindo una luz roxa muito intensa.”
Fonte: O Globo
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