O feminismo como produtor de conhecimento

Desde a segunda metade do século XX as ciências humanas têm contado com inúmeras pesquisas que visam analisar a participação das mulheres na sociedade e a relação entre os gêneros. Na historiografia isso significou maior abertura dos objetos e temas de pesquisa, visando resgatar a memória de grupos marginalizados, entre eles a história das mulheres, que por muito tempo estiveram excluídas das narrativas tradicionais, em que a “história oficial” privilegiava, sobretudo, o “sujeito universal” masculino, branco, heterossexual e cisgênero.

Por Vitória Fox Do Imprensa Feminista

Para compreender melhor essa abertura é necessário mencionar o impacto da história cultural e dos próprios movimentos feministas na produção intelectual. No decorrer do século XX as antigas formas de fazer história começaram a ser questionadas. Segundo o historiador Jacques Revel, os grandes modelos teóricos e suas propostas de fomentar uma inteligência global do mundo sócio-histórico[1]passaram a não corresponder aos anseios dxs historiadorxs. É necessário lembrar que vários desses modelos também carregavam em seu bojo a promessa deprogresso e melhorias na vida humana.  Tais características geraram desconfiança em várixs pesquisadorxs, que não só notaram os espaços ainda vazios no conhecimento acumulado, como também passaram a ter um olhar mais crítico à produção desse conhecimento. A nova história cultural abriu um leque de possibilidades, pois se antes o que era considerado “cultura” era a produção artística, literária e musical de certas elites, agora a cultura popular passou a ter lugar na historiografia, resgatando a memória de indivíduos excluídos e marginalizados. Entretanto, essa ampliação de horizontes não se ateve, apenas, à história cultural, chegando a influenciar inúmeros trabalhos em história social, política e econômica.

Na inclusão de grupos humanos que não correspondiam ao “sujeito universal”, os marxistas certamente foram os pioneiros em incluí-los nas narrativas históricas. Podemos citar os trabalhos de Walter Benjamin e Theodor Adorno – assim como outros nomes da Escola de Frankfurt -, e E. P. Thompson, que colocaram a classe operária no centro de sua produção. Contudo, essas narrativas privilegiavam, sobretudo, o recorte de classe, excluindo outras categorias como raça, gênero e orientação sexual. O marxismo também passou a ser visto com desconfiança, já que também era um modelo teórico cheio de promessas que nem sempre correspondiam aos horizontes de expectativas de seus críticxs – contrariando o senso comum que diz que nas ciências humanas o marxismo é dominante.

Apesar das grandes contribuições que os teóricos marxistas do século XX fizeram aos movimentos sociais, as feministas nem sempre se sentiram contempladas por eles. Além das tensões no interior dos movimentos de esquerda – que como bem sabemos também reproduzem machismo, homofobia, transfobia e racismo -, havia também um problema de ordem prática e ideológica: acreditando que o patriarcado era fruto do capitalismo, era recorrente a ideia de que quando o proletariado derrubasse a burguesia, todas as discriminações de gênero deixariam de existir. Um pressuposto difícil de acreditar.

Com isso, as mulheres reconheceram a necessidade de produzir seu próprio conhecimento. Com a Segunda Onda nos anos 1960-70, o feminismo não pleiteou um lugar para si apenas nas ruas, mas também nas universidades, conquistando um espaço nas ciências humanas.

Desde então muita coisa aconteceu. Se antes a área era chamada de “estudos da mulher”, a categoria gênero passou a ser adotada pelo seu aspecto relacional[2] e, mais recentemente, os termos “mulheres” e “estudos feministas” são utilizados para dar visibilidade política ao gênero feminino. O feminismo intersecional também fez importantes colaborações, incluindo as mulheres lésbicas, bissexuais, negras, indígenas e trans* nessa produção. Conscientizando que existem diferenças dentro da diferença e que as mulheres não fazem parte de uma categoria monolítica.

Atualmente no Brasil existem diversos núcleos, grupos de estudos e revistas acadêmicas dedicadas aos estudos feministas e de gênero. Também testemunhamos a realização de simpósios, congressos e encontros de pesquisadorxs da área, como o Fazendo Gênero, realizado em 2013 em Florianópolis, e o Colóquio de estudos feministas e de gênero, realizado em Brasília em 2014.

Com isso, proponho axs leitorxs de nossa página que conheçam algumas revistas dedicadas ao tema. Além de apresentar os resultados de diversas pesquisas, também contribuem para o debate e formação intelectual nesse campo de estudos.

Cadernos Pagu – UNICAMP: “Criado em 1993, Cadernos Pagu, um dos principais periódicos brasileiros centrados na problemática de gênero, divulga reflexões teórico-metodológicas, resultados de pesquisa, documentos e resenhas, abordados a partir de diferentes perspectivas teóricas. A produção sobre os principais temas contemplados pela publicação – trabalho, educação, violência, sexualidade, raça, família, literatura, teorias feministas e teorias de gênero – tem oferecido significativa contribuição para as discussões no âmbito acadêmico e fundamentais subsídios para a atuação de organizações não governamentais e governamentais, incluindo a formulação de políticas públicas.” Acesse: http://www.pagu.unicamp.br/node/8

Revista Estudos Feministas – UFSC: “A Revista Estudos Feministas é um periódico indexado, interdisciplinar, de circulação nacional e internacional, cuja missão é publicar artigos, ensaios e resenhas que apresentem reflexões teóricas consistentes e inovadoras, com bibliografia atualizada, ampliando as fronteiras dos debates acadêmicos no campo dos estudos feministas e de gênero e instrumentando as práticas dos movimentos de mulheres. O exemplar número 0 da Revista Estudos Feministas foi publicado em 1992. Desde então a REF tornou-se uma referência obrigatória para todas(os) que trabalham no campo dos estudos de gênero e no feminismo.” Acesse: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref

Revista Ártemis – UFPB: “Esse periódico tem como missão a divulgação da produção científica no campo dos estudos de gênero, feminismos e sexualidades, dentro de uma perspectiva interdisciplinar, aborda fenômenos socioculturais a partir de análises históricas, literárias, culturais, psicológicas, etc. Os objetivos são: contribuir para a construção de novas abordagens teóricas e metodológicas de investigação e reflexão; e, difundir artigos nacionais e internacionais, pesquisas originais, resenhas e traduções. A Revista Ártemis é um periódico semestral, interdisciplinar, vinculada aos Programas de Pós Graduação em Sociologia e Programa de Pós Graduação em Letras da UFPB, dos quais recebe financiamento para editoração. Em 2011, a revista foi contemplada pelo edital do IPEA, PROESP Nº 001/2011 APOIO À PUBLICAÇÃO DE PERIÓDICOS BRASILEIROS EM CIÊNCIAS HUMANAS, um recurso extra que possibilitou a produção da versão impressa do periódico. A revista é qualificada em 12 áreas do conhecimento (Qualis B2 – SERVIÇO SOCIAL e B2- Antropologia e B3-na Interdisciplinar).” Acesse:http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis

Revista Labrys – Brasil, França: “Labrys, études féministes/estudos feministas é uma revista multdisciplinar, internacional, multilingue, gratuita, on line desde 2002. Nosso objetivo é ainda o mesmo: o de engendrar o debate, de divulgar o conhecimento produzido pelas mulheres, de expor a condição feita às mulheres no mundo por um patriarcado sempre ativo, de ajudar a transformação da realidade, em um feminismo sempre alerta. Atualmente a Labrys é indexada por sistemas como a Capes e a Biblioteca Nacional da França e é considerada uma revista científica de renome.” Acesse: http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/

Revista Gênero – UFF: “A revista Gênero é um periódico de circulação nacional. Surge em 2000 como uma iniciativa do Núcleo Transdisciplinar de Estudos de Gênero vinculado, inicialmente, à PROEX,/UFF e, a partir de 2004, ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Politica Sociail. da UFF. Publica ensaios, relatos de pesquisa, resenhas e entrevistas destinados a divulgar contribuições teóricas de interesse dos estudos feministas e de gênero nas diferentes tradições disciplinares, num arco de questões que dizem respeito às feminilidades, às homossexualidades e às masculinidades dentre outros temas correlatos.” Acesse: http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero

Revista Gênero na Amazônia – UFPA: “A Revista Gênero na Amazônia, busca romper com as dificuldades regionais em torno da área editorial, procurando divulgar estudos interdisciplinares sobre mulheres e gênero, com o compromisso de manter a interlocução com as autoras e autores das demais regiões que tratam do tema, socializando os saberes e práticas das mulheres desses espaços, fomentando mais esta estratégia de disseminação de estudos em suas diferentes manifestações e enfoques teórico-metodológicos, numa perspectiva inter e multidisciplinar.” Acesse: http://www.generonaamazonia.ufpa.br/

Caderno Espaço Feminino – UFU: “O Caderno Espaço Feminino é uma publicação do Núcleo de Estudos de Gênero e Pesquisa sobre a Mulher, do Centro de Documentação e Pesquisa em História (CDHIS), da Universidade Federal de Uberlândia. Revista Indexada no Data Índice de Ciências Sociais – IMPERJ, Qualificada pela CAPES.” Acesse: http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem

ps: Hoje recebi por correio eletrônico o livro do II Colóquio de estudos feministas e de gênero. Ele está disponível na internet e pode ser acessado pelo seguinte link: http://media.wix.com/ugd/2ee9da_e10f81157da84b8f881635643ba9400d.pdf

[1] REVEL, Jacques. Proposições: ensaios e história e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2009, p. 97.

[2] SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. In: Educação e realidade, São Paulo, v. 2, n. 20, jul/dez, 1995.

Postado originalmente em: http://imprensafeminista.tumblr.com/post/95867020483/o-feminismo-como-produtor-de-conhecimento

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