Abro a Rede Social e me pergunto por que insisto em ler aquela caixa de comentários, onde o bom senso só surge como terra arrasada.
Pela enésima vez, me deparo com um discurso que encerra de imediato qualquer discussão sobre a Copa do Mundo.
Trata-se da ideia de que futebol é mera futilidade, uma distração inaceitável num momento em que todo e qualquer cidadão deveria militar por reformas nos serviços públicos do País. Algo como o “O ópio do povo”. Falou de futebol, é um alienado, responsável pelo “atual estado de coisas” observado no Brasil.
Embora pareça antenado, esse é um discurso falsamente politizado, que pretende se apresentar como exercício de espírito crítico, mas esbarra na falta de consistência. Espírito crítico exige análise, informação, ponderação, proposição. O discurso radical disseminado em tantas caixas de comentários, pelo contrário, rejeita “tudo que aí está”, inclusive os caminhos políticos e institucionais e seus atores. É antes uma forma de se abster do que de se envolver.
O que me surpreende, no entanto, não é o radicalismo, mas o desembaraço para negar o futebol como elemento cultural.
É o tipo de abstração sem sentido que pode reduzir qualquer atividade a uma distração supérflua, porque o valor das coisas, quase sempre, não é intrínseco, mas oriundo do significado que atribuímos a elas.
Cultura, afinal, não são apenas as artes, mas tudo aquilo que é produzido pela inteligência humana. São os costumes e valores de uma comunidade.
Por consequência, não há como dissociar o futebol da cultura e da identidade brasileira (assim como acontece com tantos outros países). Faz parte da nossa memória afetiva, dos nossos hábitos, da nossa economia, das nossas artes, de como nos divertimos.
Sem paixão pelo futebol não haveria os contos de Nelson Rodrigues, os acordes de “Fio Maravilha”, os balés de Garrincha, os quadros de José Roberto Aguilar, ou a arte de rua típica das Copas do Mundo.
Não haveria o Jesus do Futebol.
Eu não encontraria os melhores amigos dessa vida na próxima quinta-feira e não teríamos na memória os grandes momentos, bons e ruins, que vivemos juntos nas Copas de 2002, 2006 e 2010.
E os problemas seculares que existem no País provavelmente seriam todos iguais.
O futebol, não nos define, mas faz parte do nosso repertório e ajuda a construir nossa identidade como povo. Suprimi-lo da agenda do brasileiro até que a Saúde, a Educação e outras prioridades atendam a padrões de primeiro mundo soa mais como castigo do que como solução
Fonte:Carta Capital