Por Tim Adams
Em 2005, o diretor Kevin Mcdonald estava trabalhando em Uganda em seu filme O Último Rei da Escócia. Nas favelas de Kampala, ele ficou intrigado por um fato curioso: parecia haver imagens de Bob Marley, slogans “Get up, stand up” [Levante-se, erga-se] e dreadlocks [tranças finas e longas nos cabelos] em todos os lugares aonde ele ia.
Marley já estava na mente de Mcdonald, de qualquer modo: ele havia sido indagado por Chris Blackwell, fundador da Island Records, se estaria interessado em participar de um projeto de filme sobre o duradouro legado do músico jamaicano.
O plano original era acompanhar um grupo de rastafáris em sua jornada de Kingston até sua pátria espiritual na Etiópia, para participar de uma comemoração do 60º aniversário do nascimento de Marley. Afinal esse filme nunca foi feito, mas quando surgiu a oportunidade de Mcdonald fazer um documentário mais ambicioso sobre Marley ele a agarrou.
Crucialmente, o filme tinha a bênção e o apoio da família Marley e de figuras chaves em sua evolução musical, incluindo o há muito afastado Wailer original, Neville “Bunny” Livingstone. “Parecia muito importante fazer esse filme agora, enquanto algumas pessoas que conheceram melhor Bob, especialmente nos primeiros anos, ainda estão aqui para contar”, diz Macdonald.
Ele passou a reunir entrevistas e a pesquisar alguns dos aspectos mais misteriosos de uma vida muito mitificada, que terminou de modo trágico e prematuro em 1981, quando Marley tinha apenas 36 anos.
Houve frustrações para Mcdonald, como a quase total ausência de gravações ou fotos dos anos de formação de Bob Marley and the Wailers. Mas com persistência e as ricas memórias sobre o período narradas por Livingstone, a viúva de Marley, Rita, e outros ele montou o filme biográfico.
Durante sua vida Bob Marley relutou em dar entrevistas. “Tendo pouca educação formal”, sugere Macdonald, “ele se sentia desconfortável ao ser interrogado por jornalistas.” De qualquer modo, havia aspectos de seu passado em que ele não queria tocar, especialmente seus sentimentos sobre seu pai branco e ausente, Norval Marley, um homem que afirmava ter sido um capitão do exército colonial do Caribe, mas que não foi.
De certa maneira, no filme o “capitão” Norval torna-se chave para compreender Marley. Como diz Macdonald, “muitas pessoas supõem que Bob era negro e ficam surpresas ao descobrir que seu pai era branco”. O preconceito associado a esse fato na remota aldeia natal de Marley, Nine Miles, nas montanhas da Jamaica, ajudou a formar a poderosa busca de identidade que ele descobriu no rastafarismo [seita originária da Jamaica cujos membros veneram Hailé Selassié como o salvador e consideram a África, especialmente a Etiópia, como Terra Prometida; o nome deriva de “Ras Tafari”, antigo nome de Hailé Selassié].
As contradições de sua biografia foram traduzidas em uma metáfora global extremamente sedutora de luta e união: “Let’s get together and feel all right” [Vamos ficar juntos e estaremos bem].
“Eu estava dando entrevistas com Ziggy Marley outro dia”, diz Macdonald, “e ele falou sobre seu pai: ‘Eu acho que Bob sempre lamentou o fato de não ser negro’.”
“Eu não colocaria isso em termos tão decisivos, mas acho que é uma chave para sua psicologia e sua música. Ele sempre foi o forasteiro, e descobriu em sua vida e sua música uma maneira de redimir esse fato.”
Essa redenção também forneceu a Macdonald parte da resposta de por que Marley tinha um enorme significado não apenas nas favelas de Uganda, mas entre os despossuídos do mundo inteiro. Seu filme termina com uma sequência de referências contemporâneas ao cantor entre movimentos políticos populares. “Na Tunísia no início da Primavera Árabe as pessoas cantavam ‘Get up, stand up'”, diz Macdonald. “Imediatamente depois que o vendedor de frutas se incendiou, dando início à revolução, esse era o slogan escrito no muro perto de onde ele morreu.”
Essa influência pode ser medida de muitas maneiras: três décadas depois de sua morte, Marley tem 30 milhões de seguidores no Facebook.
Fonte: Carta Capital