“O lugar de fala é o lugar da resistência”

Marcos Alexandre e Cidinha da Silva refletem sobre o protagonismo na construção das narrativas sobre o negro

Logo após o lançamento do livro “Sobre-viventes!”, de Cidinha da Silva, amanhã, às 19h, no Tambor Mineiro, o público da Mostra Benjamin de Oliveira é chamado a participar de uma conversa com a autora e o convidado Marcos Antônio Alexandre, professor da Faculdade de Letras da UFMG. “Fico feliz que estamos em junho discutindo essas questões relativas ao negro. Precisamos ocupar todos os meses e não apenas maio e novembro”, comenta o professor.

Além das especificidades da escrita de Cidinha, a representatividade será um dos assuntos da discussão. “O lugar de fala é o lugar da resistência. É mostrar trabalhos que possibilitem falar do lugar dessas identidades, desses sujeitos negros, de forma que eles estejam no centro, como a força motriz. Eu acabo me repetindo quando falo disso, mas esse discurso ainda é necessário”, observa o pesquisador.

A busca de Marcos é também compartilhada e reforçada pelos trabalhos inscritos para a Mostra Benjamin de Oliveira. “A mostra traz trabalhos de dança, circo, teatro, literatura, o que revela que há muita produção e um leque amplo de trabalhos e pessoas negras se dedicando à arte. Como negar que há trabalho de qualidade sendo desenvolvido?”, afirma. “Ao observar os textos que recebemos, encontrei muita coisa potente que perguntava onde está o negro, as vozes do negro, os discursos, os corpos. Essas questões demonstram que esses sujeitos buscam o lugar de fala, e precisam ser representadas”, completa.

É a partir do lugar que ocupa que Cidinha explica certa confusão que existe sobre a participação e o apoio em lutas que não dizem respeito, diretamente, a um determinado sujeito. Quem pode falar?
“Gosto de pensar as coisas a partir da literatura e encontro duas questões distintas. Uma é a legitimidade que eu tenho, como mulher negra, pra falar de uma série de temas, mas há uma distância entre essa legitimidade e sua realização na forma literária. Eu preciso ter vivência na literatura para transformar isso em bom texto literário”, explica.

Já do ponto de vista da cidadania, ela compartilha o compromisso com toda a sociedade. “É bom que a questão da superação do racismo não seja uma responsabilidade exclusiva das pessoas negras. O que o racismo engendra enquanto privilégio precisa ser desconstruído e enfrentado por quem pertence ao grupo hegemônico”. Mas ela ressalta: “O que não é possível e aceitável é que as pessoas falem pelos discriminados”.

Para exemplificar o pensamento, ela cita Amílcar Cabral, um dos líderes do processo de independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, que afirmava: “quem quiser vir, venha conosco ao nosso lado, porque à nossa frente estaremos nós mesmos”. “Essa dimensão da luta racial se estende à emancipação das mulheres, dos sujeitos LGBTIs. As lideranças emergem desses grupos e há de haver por parte das outras pessoas o entendimento de que elas precisam servir a essas lideranças”, explica.

Mitos. Além de curador da mostra, Marcos Alexandre também participa do evento com o projeto Contos de Mitologia: Histórias para Encantar. Com o objetivo de dar visibilidade às culturas tradicionais, o projeto ressignifica histórias que são levadas para escolas públicas e busca valorizar, por meio da mitologia, narrativas que irão abordar o universo africano, afro-brasileiro e indígena.

“Esse é um projeto de formação que realizamos dentro das escolas. Levamos as histórias, abordamos questões como a religiosidade, a cultura e tentamos conversar com alunos e professores a partir dos mitos que são apresentados”, explica.

Durante a mostra, a logística se inverte e os estudantes da rede pública vão ao Tambor Mineiro para ouvir as narrativas que dizem do lugar de vivência de sujeitos discriminados.

 

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