O racismo é difícil de medir e de extirpar

Por Isabelle Eichenberger

A Suíça não tem dados globais sobre o racismo por causa de sua estrutura federalista.

Mas, para a presidente da Comissão Federal contra o Racismo, Martine Brunschwig Graf, “o mais urgente não é fazer estatísticas e sim agir concretamente.”

“Nenhuma lei pode forçar a pensar ou impedir de pensar. É ótimo mas também torna a tarefa mais complexa”. Martine Brunschwig Graf, nova presidente da Comissão Federal contra o Racismo (CFR), acrescenta que “as sondagens e as enquetes não podem sondar as consciências.”

De qualquer maneira, a Suíça carece de instrumentos de medida. As 26 polícias cantonais (estaduais) recolhem dados sobre a violência em geral – como também é o caso da CFR – mas só repertoriam as violações ao Código Penal em matéria de discriminação racial (art. 261 bis).

De acordo com as estatísticas federais, as violações desse artigo diminuíram de 204 (2010) para 182 em 2011. Mas a lei é “um pouco vaga e engloba cenários muito diferentes”, reconhece Olivier Guéniat, criminologista e comandante da política cantonal do Jura (oeste).

De sua parte, a Fundação Contra o Racismo e o Antissemitismo (GRA) publica há 25 anos uma cronologia anual do Racismo na Suíça.

A mesma GRA divulga dados específicos sobre o antissemitismo juntamente com a Federação Suíça das Comunidades Israelitas (FSCI), para a Suíça de língua alemã. Para a região francófona, os dados anuais são da Coordenação Intercomunitária Contra o Antissemitismo e a Difamação (CICAD).

Fácil de explicar mas difícil de mudar

Ora, esses dados variam e é difícil, portanto, de se ter uma ideia precisa. Ronni Bernheim, presidente da GRA diz que “cada organização criou seu método de cálculo, sua definição do racismo e até do grau de gravidade dos atos.”

Por exemplo, um folheto é distribuído em uma cidade e, um mês depois, em outra cidade; então, contamos um ou dois atos? E se o tal folheto é publicado em cinco cidades ao mesmo tempo? E se, seis meses depois, um pessoa que leu o folheto comete um ataque violento?

“Se mudamos nossos parâmetros, não poderemos mais fazer comparações com o passado”, acrescenta Ronnie Bernheim à swissinfo.ch. Por outro lado, as novas mídias mudaram a situação. “Quando mais controlamos os blogs na internet, mais casos encontramos.”

Martine Brunschwig Graf confirma que a grande dificuldade é uniformizar os métodos. “Os cantões instalam progressivamente espaços de consulta. Mas será preciso tempo para ter uma visão consolidada porque os suíços não gostam muito de estatísticas centralizadas!”, explica à swissinfo.ch.

Violência aumenta?

Em seu relatório 2011, a CICAD exprimiu recentemente sua inquietação acerca do “aumento da gravidade dos casos”, desde o início de seu recenseamento, especialmente um agressão em Lausanne (oeste) e uma esfaqueamento em Genebra.

Olivier Guéniat estima que a situação é calma nos movimento de extrema- direita. “A atualidade na Síria e nos países árabes provoca uma certa radicalização em certos meios contra Israel; poderia também haver um certo mimetismo em Genebra em relação às recentes violências na França, mas em termos de porcentagem de população, os números da violência continuam derrisórios na Suíça.”

É a diferença que provoca medo

A Suíça tem 20% de residentes estrangeiros. Por outro lado, Genebra (oeste), Ticino (sul) e Basileia (noroeste) recebem todo dia dezenas de milhares de trabalhadores fronteiriços. A direita populista faz campanhas abertamente discriminatórias e expõe sua hostilidade crescente ao acordo de livre circulação de pessoas que a Suíça assinou com a União Europeia.

Para Martine Brunschwig Graf, ligar a taxa de estrangeiros à rejeição seria simples demais. “Tomemos o exemplo de Genebra, que tem mais de 40% de estrangeiros. Se vemos as votações de temas sensíveis, esse cantão não é mais xenófobo, mas ao contrário manifesta uma capacidade de integração e de tolerância relativamente alto. Foi o caso da iniciativa sobre os minaretes. Em contrapartida, pode haver reações de rejeição em comunas com poucos estrangeiros.”

Para a presidente da CFR, é a diferença que provoca medo. “Boa parte do trabalho deve consistir a ajudar a evoluir as mentalidades. É um trabalho de longo prazo, ainda mais importante na Suíça porque vivemos em uma sociedade profundamente multicultural e isso implica um esforço particular.”

Depois de cem dias na nova função, Martine Brunschwig Graf fixou como prioridade ações focadas de prevenção trabalhando com os cantões e as organizações presentes no terreno. Principalmente no mundo do trabalho, da escola e do esporte.

“Essas três áreas têm grandes possibilidades de integração mas, ao mesmo tempo, um grande perigo de discriminação devido à diferença. Sabemos que o local de trabalho pode ser discriminante, especialmente nas contratações, direta ou indiretamente. Sabemos também que nas escolas pode-se habituar as crianças à viver com a diferença, apresentar-lhes a diversidade como uma vantagem. Com o esporte acontece o mesmo”, explica com pragmatismo.

Problema de imagem

Ronnie Bernheim constata que, mesmo que fosse possível obter dados comparáveis, a Suíça não seria provavelmente mais racista dos que seus vizinhos. Mas ela tem certamente um problema de imagem.

“A agressividade dos cartazes eleitorais do Partido do Povo Suíço (SVP na sigla em alemão) chocou toda a Europa”, afirma o presidente do GRA. “Além disso, depois dos Estados Unidos e do Canadá, o país é o mais liberal em matéria de direito de expressão e de reunião, então muitas organizações supranacionais ex ou neonazistas domiciliam seus sites web na Suíça.”

Enfim, a CFR como o GRA continuam não compreendendo como o governo federal suíço renunciou, dois anos atrás, a interditar os símbolos racistas como a cruz suástica e a saudação hitleriana em razão de “dificuldades de aplicação.”

Isabelle Eichenberger, swissinfo.ch

Adaptação: Claudinê Gonçalves

 

 

Fonte: swissinfo.ch

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