O reconhecimento do caráter laico do Estado, que já é secular, foi uma importante conquista democrática que alargou o âmbito da liberdade pessoal ao deixar de reconhecer o tradicional poder das religiões sobre crenças pessoais que são objeto de foro íntimo.
Outro passo importante no sentido da ampliação da liberdade pessoal vem sendo dado em nosso tempo, e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem um papel importante nessa decisão: o reconhecimento do caráter assexuado do Estado. Este novo passo libertário poderá ser confirmado com uma sentença favorável da mais alta corte de justiça do país em relação à união civil entre pessoas do mesmo sexo, o chamado casamento gay.
O STF está julgando duas ações – uma da Procuradoria Geral da República e outra do governo do Estado do Rio de Janeiro – favoráveis a esse reconhecimento. Há uma compreensão generalizada entre os órgãos públicos envolvidos (a PGR, o governo do Estado do Rio de Janeiro e mesmo ministros do STF que já manifestaram sua opinião) de que o não reconhecimento da união homoerótica fere as garantias constitucionais à dignidade humana, à igualdade, liberdade e proteção à segurança jurídica, e que proíbem discriminações odiosas.
O reconhecimento das uniõess homoeróticas enfrenta a oposição de organizações religiosas e conservadoras que, no julgamento em curso no STF, são representadas principalmente pela CNBB, a mais alta organização católica do Brasil, e por uma Associação Eduardo Banks, entidade de extrema direita que se notabilizou, em 2010, pela tentativa de apresentar um projeto de lei na Câmara dos Deputados garantindo a indenização aos descendentes de antigos proprietários de escravos que, segundo esta organização anacrônica, teriam sido prejudicados pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, que determinou o fim da escravidão sem indenizar os senhores pela perda da “propriedade”. Nesta linha, o advogado carioca Eduardo Banks, patrono daquela entidade, também é contra o aborto, quer que as prostitutas sejam fichadas na polícia como criminosas, defende criminosos nazistas e, é claro, é contra o casamento gay.
Contra estas opiniões medievalistas, o reconhecimento do casamento gay significa a ampliação da liberdade individual sob vários aspectos. Um deles é a eliminação do resquício da criminalização da homossexualidade representado pela clandestinidade jurídica a que estas uniões ficam relegadas na situação atual.
Outro aspecto é a defesa da família. Os conservadores alegam que uma decisão favorável a estas uniões pode pôr a família em risco, mas não dizem que tipo de família defendem: a família baseada no afeto, na livre escolha e na igualdade entre os cônjuges, ou a tradicional família patriarcal baseada na opressão e submissão da mulher e na desigualdade entre s cônjuges.
Pode parecer paradoxal, mas a ampliação da liberdade decorrente do reconhecimento das uniões homoeróticas é também um passo importante para consolidar o modelo de família baseado no afeto e na liberdade, independente da orientação sexual dos pares que as constituem.
Uma mudança legal desta natureza favorece também a luta contra o preconceito e contra a violência homofóbica que, só em 2008, matou 190 pessoas no Brasil que, aliás, é campeão mundial nessa categoria, seguido pelo México e pelos EUA.
A luta contra todas as formas de opressão e de violência, que caminha ao lado da ampliação e fortalecimento dos direitos individuais, faz parte de uma agenda civilizatória avançada. Uma decisão do STF favorável à união civil entre pessoas do mesmo sexo indica que, pelo menos na esfera institucional, o Brasil pode dar passos importantes nesse sentido.
Fonte: Vermelho