A defesa da ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, já protocolou embargos de declaração (pedido de esclarecimentos com caráter recursal) à decisão da juíza Juliana Nobre Correia. A titular da 2ª Vara do Juizado Especial Cível proferiu no último dia 19 sentença condenando Eleonora ao pagamento do valor correspondente a R$ 10 mil corrigidos monetariamente e com acréscimo dos juros desde a arbitragem da decisão até a efetiva quitação, a título de danos morais em favor do ex-ator pornô Alexandre Frota.
Por Luciana Araújo, do Agência Patrícia Galvão
Frota processou Eleonora após ela ter criticado o fato de o ministro da Educação, Mendonça Filho, ter recebido o ator em maio do ano passado para discutir o projeto “Escola Sem Partido”. Na época, Alexandre Frota respondia a procedimento investigativo no âmbito da Promotoria Criminal por ter tripudiado de uma ialorixá em um programa de TV e afirmado que “botei a mãe de santo de quatro, levantei a saia dela, agarrei ela pela nuca, botei o boneco para fora e comecei a sapecar” e que “fiz tanta pressão na nuca da mulher que ela dormiu”. Posteriormente o processo foi arquivado por um promotor depois de Frota ter dito que tudo se tratava de “uma brincadeira”.
No entanto, o arquivamento do procedimento só atesta que, na opinião do promotor responsável, não estavam presentes os requisitos mínimos para o ajuizamento da ação penal. Não significa que Frota foi absolvido porque sequer houve uma ação penal e julgamento de seus atos. O portal Consultor Jurídico destacou à época do arquivamento que o promotor do caso ressaltou a necessidade de preservar a liberdade de expressão do investigado. E que o despacho de arquivamento atesta que “no caso dos autos, Alexandre não teve o ânimo de exaltar a sua conduta (reprovável), mas apenas narrar um episódio de sua vida”.
No entanto, a sentença condenatória a Eleonora Menicucci pelo fato de a ex-ministra ter afirmado que Frota “não só assumiu ter estuprado, mas também faz apologia ao estupro” ressalta “que o direito de crítica somente é válido quando alicerçado em alguma idéia [sic] construtiva para o leitor ou para quem presencia a crítica.” A juíza afirma ainda que “no momento em que se constata que houve ataque à pessoa do requerente, com referência a situação de estupro envolvendo o autor em contexto que envolvia simples audiência aceita pelo Ministro da Educação para tratar de projeto relacionado à educação apresentado pelo autor, verifica-se a viabilidade do pleito a título de danos morais, como forma de restaurar a ordem jurídica, pois restou caracterizada situação de efetiva desvinculação da narrativa da autora em relação ao tema da visita do autor ao Ministro da Educação, de modo que nasce a possibilidade de reparação a título de danos morais”.
Em sua página em uma rede social, Eleonora publicou que “tal sentença assinada por uma mulher, me condenando a pagar 10 mil reais com correção, revolta a todas as mulheres, pois o estupro é crime hediondo e inafiançável. Lamentavelmente a condenação não atinge só a mim, mas as mulheres que lutam há séculos contra o estupro, contra as violências de gênero e hoje em nosso país contra as perdas de direitos que o governo golpista tem imposto, sobretudo a nós mulheres. Não será esta sentença, proferida por esta juíza que me calará, nem tampouco as mulheres brasileiras. Tolerância zero com a violência contra as mulheres!!! Tolerância zero com o estupro!!!!”.
Em entrevista à Rede TVT, Eleonora se disse “revoltada” e afirmou que a decisão é um ataque às mulheres e à liberdade de expressão”.
Feministas criticam decisão
A sentença vem sendo criticada também por feministas e parlamentares. As deputadas Maria do Rosário (PT/RS), Benedita da Silva (PT/RJ) e Jô Moraes (PCdoB/MG), a também ex-ministra Emília Fernandes e a ex-presidenta Dilma Rousseff se manifestaram publicamente, entre outras personalidades políticas.
“Minha solidariedade à ex-ministra Eleonora Menicucci, condenada judicialmente por denunciar a cultura do estupro. Num País onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, é fundamental que tenhamos coragem e não nos calemos. Não podemos compactuar com o machismo, nem tampouco com qualquer tipo de violência. Tolerância zero à violência contra a mulher”, publicou a ex-presidenta.
Para Jô Moraes, que se manifestou no plenário da Câmara dos Deputados, “a ministra Eleonora estava cumprindo o papel de todas as mulheres deste país, que não podem ter qualquer anuência à expansão da cultura do estupro”.
Em workshop realizado por organizações de mulheres nesta semana em Brasília, foi aprovado um manifesto em solidariedade à ex-ministra. O texto afirma que a decisão é “discriminatória” e que o caso “deve ser levado ao conhecimento em esferas internacionais do sistema das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, expondo as decisões judiciais brasileiras que não se comprometem com a defesa dos direitos humanos das mulheres”.
Confira abaixo a íntegra do texto:
DIREITO FORA DE CONTEXTO
Condenação de Eleonora Menicucci não pode e não vai calar a sociedade civil
Eleonora Menicucci, ativista e acadêmica feminista, ministra da Secretaria de Políticas para Mulher do governo federal até 2016, foi condenada, em um ato de direito fora de contexto, em ação de danos morais movida pelo ator Alexandre Frota.
Alexandre Frota declarou, em programa de televisão, que havia estuprado uma mulher, e o fez como se esse fosse ato corriqueiro e aceitável. A Ministra Eleonora Menicucci expressou sua indignação compartilhada por milhares de mulheres brasileiras, afirmando que contar ato de violência sexual, que permanece impune, em programa de televisão aberto, representava uma “apologia ao estupro”.
Reagindo a essa manifestação de Eleonora Menicucci, Alexandre Frota entrou com ação de indenização por danos morais contra ela, alegando que o havia difamado, mesmo que, em tal programa de televisão, ele tenha declarado explicitamente ter cometido estupro, crime sexual previsto no Código Penal, como pode ser verificado neste link.
Surpreendentemente, em 19 de abril de 2017 (fato que só veio a público no último dia 3/5), a juíza de direito Juliana Nobre Correia do Tribunal de Justiça de São Paulo deu ganho de causa a Alexandre Frota, condenando Eleonora ao pagamento de R$10.000,00 como dano à imagem de um homem que foi – publicamente – se gabar de ter estuprado uma mulher. Entendemos que esta decisão fere todos os princípios de direito da igualdade e não discriminação, ao não considerar que a violência sexual, como instrumento de dominação contra mulheres, não pode ser divulgada e valorizada, como o foi neste episódio.
Também consideramos que fere o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ao não reconhecer os direitos humanos das mulheres, vítimas de violência sexual no país, que sofrem dano irreparável à sua integridade física, moral e psíquica por atos como o relatado por Alexandre Frota.
Principalmente, afirmamos que essa decisão fere o bom senso e a justiça, ao não reconhecer a responsabilidade de Eleonora Menicucci, como ex Secretária Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, de expressar uma opinião pública contrária ao elogio do machismo violento, que não se constrange em violar o corpo alheio. Além disso, fere qualquer sentido de generosidade humana, pois operadores de justiça devem ser capazes de pensar naquela mulher violada por um homem que hoje recebe um prêmio judicial com a condenação a Eleonora Menicucci.
Além de manifestar nossa indignação com a decisão judicial de primeira instância, temos a dizer que:
- há graus de recursos judiciais nacionais que Eleonora Menicucci deve buscar como porta-voz de todas as mulheres brasileiras que já foram, ou podem ser, agredidas sexualmente.
- como decisão discriminatória emblemática, este caso deve ser levado ao conhecimento em esferas internacionais dos sistema das Nações Unidas e da OEA, expondo as decisões judiciais brasileiras que não se comprometem com a defesa dos direitos humanos das mulheres.
- o direito, como lugar da manutenção de privilégios, pode produzir decisões judiciais desta natureza, mas isto não pode e não vai calar a sociedade civil.
Ádila Fabiana de Moura e Silva Leite – Fórum de Mulheres do DF
Alberto Carvalho Amaral – mestre em Direito e defensor público do DF
Alessandra Ramos de Oliveira Harden – professora da Universidade de Brasilia
Amanda de Sales – advogada
Ana Liesi Thurler – socióloga e PartidA/Brasília
Ana Teresa Iamarino – advogada e mestranda em Direitos Humanos/UnB
Ana Paula Gonçalves – advogada
Branca Moreira Alves – advogada e escritora
Carmen Hein Campos – professora de Direito da UNIRITTER/RS
Cleide de Oliveira Lemos – consultora legislativa aposentada, integrante da partidA
Coletivo Mulheres Defensoras Públicas do Brasil
Debora Duprat – procuradora de Direitos Humanos/MPFU
Denise Dourado Dora – advogada, ex-ouvidora da Defensoria Pública do RS, e coordenadora da ONG THEMIS
Denise da Veiga Alves – advogada na RENAP/Marietta Baderna
Erika Lula de Medeiros – advogada na RENAP/ Marietta Baderna
Erina Gomes – advogada popular, mestranda em Direitos Humanos/UnB
Elisangela Karlinski – socióloga
Fabiana Severi – professora na FDRP/USP
Fabiane Simioni – professora na FURG/RS e integrante da ONG THEMIS
Fátima Pacheco Jordão – socióloga e conselheira do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos
Fernanda Pereira Nunes – estudante de Direito na UnB
Giselle Mathias Flügel Barreto – advogada
Jacqueline Pitanguy – socióloga e diretora da CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
Jacira Melo – comunicóloga e diretora do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos
Laina Crisostomo – advogada e integrante da Tamo Junta
Leila Linhares Barsted – advogada e diretora executiva da CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
Lourdes Bandeira – docente da UnB e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher – NEPEM/UnB
Luana Basilio e Silva – advogada e integrante da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras –AMNB
Lucia Xavier – assistente social e coordenadora da ONG Criola/RJ
Iáris Cortês – advogada e integrante do CFEMEA/Brasília
Isadora Dourado Rocha – estudante de Direito na UnB
Jacira Vieira de Melo – comunicóloga e diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão/SP
Maiara Auck Peres de Lima – advogada e mestranda em Direito pela UnB
Marcela Dias Barbosa- advogada e mestranda em Direito pela Unesp/Franca
Maria Amélia de Almeida Teles – advogada e coordenadora da União de Mulheres de São Paulo
Maria Betânia Ávila – socióloga e coordenadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
Mariana Barros R. da Cruz – assistente social e advogada, servidora no Centro Judiciário da Mulher do TJDFT
Maria Terezinha Nunes – advogada e integrante da Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero e Raça- AAIGRE
Myllena Calazans – advogada, colaboradora do CLADEM-Brasil
Nathalia Ferreira Monteiro – advogada e membro do IBDFAM
Nilza Iraci – comunicóloga e coordenadora do Geledés-Instituto da Mulher Negra
Olga Maria Parente Macedo de Andrade – assistente social na Casa da Mulher Brasileira/DF
Rachel Moreno – psicóloga e integrante da Rede Mulher e Mídia
Rafaela de Miranda Ochoa Peña – advogada
Regina Soares Jurkewicz – doutora em Ciências da Religião e integrante da ONG Católicas pelo Direito de Decidir
Renata Jardim – advogada e integrante do Coletivo Feminino Plural
Rita de Castro Hermes Meira Lima – defensora pública no DF e integrante do Coletivo de Mulheres Defensores Públicas do Brasil
Rosane Reis Lavigne – defensora pública na DPE/RJ
Rubia Abs da Cruz – advogada e integrante do CLADEM
Schuma Schumaher – pedagoga e coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano/Redeh – RJ
Silvia Pimentel – advogada, professora PUC/SP e integrante do CEDAW-ONU
Sonia Maria Alves da Costa – advogada, doutoranda em Direito na UnB
Sueli Carneiro – Geledés-Instituto da Mulher Negra
Wania Pasinatto – consultora da ONU Mulheres
Yaris Cortês – advogada e integrante do CFEMEA