Os 18 mortos na manifestação da esquerda

Movimentos sociais homenageiam as vítimas da chacina de Osasco e Barueri e chamam a atenção para a violência nas periferias, onde a vida parece valer nada

Por Maria Carolina Trevisan, especial para Jornalistas Livres

Corpo inerte no chão duro e frio. O rosto colado no asfalto. Sangue. Sangue espirrado, pelo impacto do tiro. A pele, quase sempre negra, exibia a palidez típica daquele momento silencioso e solitário que precede o fim da vida. No meio do Largo da Batata, zona oeste da capital paulista, 18 artistas encenavam o espetáculo da violência diária a que está submetida a periferia de São Paulo, bem no meio da manifestação que pedia o fortalecimento da Democracia, que aconteceu nesta quinta-feira, 20/8.

Foto: Márcia Zoet
Foto: Márcia Zoet

 

Foto: Rodrigo Zaim/R.U.A fotocoletivo
Foto: Rodrigo Zaim/R.U.A fotocoletivo

Centenas de manifestantes assistiram ao ato em memória dos 18 mortos na maior chacina do ano em SP, que ocorreu em Osasco e Barueri, no dia 13/8. Eram pintores, eletricistas, metalúrgicos, assistentes sociais, professores. E, principalmente, muitas mães, irmãs, tias, filhas, avós. Muitas. Mulheres que velam seus jovens permanentemente nas periferias. Cada rosto que passou pela ação, franziu a testa, apertou os olhos, respirou fundo ao se identificar com aquele retrato repetido. “Estou aqui pela luta do trabalhador sem terra e para protestar contra a chacina”, diz o estudante Douglas Rogério Silva, 19 anos, negro, morador de Recanto, zona leste de São Paulo. Ele atravessou a cidade para estar no ato. Com a voz rouca de pesar, sentenciou: “foi uma covardia”.

Em contraste com o cheiro de asfalto molhado da lúdica “terra da garoa”, a intervenção lembrou a aridez que acompanha o que é mais cruel. A garganta trava. Vendo os artistas inertes no chão, é possível entender que quando 18 pessoas morrem de uma só vez é tanta gente, que é preciso cuidar para não pisar no morto. “A recorrente sensação de ter metade do rosto gelado, grudado no asfalto, esmagado num enquadro, é o medo diário de quem mora na periferia”, conta Fernando Sato, idealizador da ação e participante da casadalapa e dos Jornalistas Livres.

O Brasil, que acaba de aprovar a redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados, é o segundo país do mundo com o maior número de homicídios de jovens*.

“É um país racista e preconceituoso com favelados, com nordestinos”, disse o baiano Rogério Bonfim Fraga, 43 anos, morador de Osasco. “Os ricos não se importam com os meninos pobres. A periferia está abandonada.”

Foto: Matheus José Maria
Foto: Matheus José Maria

De fato, a reação dos manifestantes do domingo (16/8) para uma intervenção sobre a mesma série de agressões foi quase inversa. Mostrou que os “indignados” verde-amarelo não se importam com a matança na periferia, com a letalidade policial que nem enxergam. Ao contrário, fazem fila para tirar foto com a PM.

A existência efêmera

Ao contrário do protesto da direita, cujas pautas iam da volta à monarquia até o clamor por um golpe militar, havia alinhamento no que reivindicava o ato desta quinta-feira. Além de exigir o respeito aos votos que elegeram a presidente Dilma Rousseff, o que se viu nas ruas foram demandas coletivas. Pediam mais democracia, mais direitos.

“Estou aqui porque quero que o Brasil continue dando atenção aos mais pobres, às mulheres, aos negros, à população LGBT. Eu quero que isso continue”, afirmou o professor Gil Porto, 39 anos. Para a assistente social Adair de Almeida, 68 anos, há uma indignação seletiva na elite brasileira, que “vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal”, como na música de Caetano. “Se fosse um jovem da elite, a repercussão, a indignação seria outra. É uma vergonha essa postura”, afirmou Adair.

Na frente da manifestação, 18 pessoas seguraram cartazes com os nomes das vitimas da chacina de Osasco e Barueri — Foto: Mídia NINJA
Na frente da manifestação, 18 pessoas seguraram cartazes com os nomes das vitimas da chacina de Osasco e Barueri — Foto: Mídia NINJA

Foi a expressão das mulheres negras que mais comoveu, pela tristeza que carrega e pela bravura de seguir vivendo, como ensina a socióloga Vilma Reis, atualmente ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia, em sua tese de doutorado:

“Mulheres negras lutam pela restauração de suas vozes, legitimando seus discursos, diante do poder onipresente das empresas de comunicação, com suas mídias, e do Estado, uma vez que elas têm sido acusadas de serem reprodutoras da marginalidade, que se materializa com a existência efêmera dos seus filhos, cujas vidas têm sido cada vez mais curtas.”**

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