Desde que George Floyd foi morto, sufocado pelo joelho do policial branco Derek Chauvin, há um ano, nos Estados Unidos, o movimento antirracista não só se consolidou como também se ampliou. De imediato, tomou as ruas e se tornou uma grande mobilização social em diversos estados americanos, mesmo durante a grave pandemia de coronavírus que acometia o país. Os protestos foram uma das forças mais importantes para a troca de liderança na presidência dos Estados Unidos. O então presidente Donald Trump, que negava a existência do racismo e sua influência como motor da violência policial, foi derrubado.
Em maio de 2021, outro fato histórico: o ex-policial Derek Chauvin foi considerado culpado pelo júri, por unanimidade, em três categorias de homicídio. Pela primeira vez, o estado de Minnesota responsabilizou um policial pela morte de uma pessoa negra. O reconhecimento da culpa do ex-agente abriu também a possibilidade de revisão de outros casos de violência policial no país e mostra como o racismo é um componente que atua sobre as atitudes e decisões das forças policiais.
Nos dias que se seguiram, outros casos de violência policial letal contra homens e mulheres negros aconteceram nos Estados Unidos, mostrando que ainda há muito o que evoluir. Mas esses marcos são os primeiros passos de mudanças profundas que precisam ser feitas no sistema de segurança pública e de Justiça.
Antirracismo no Brasil
A repercussão mundial do assassinato de George Floyd e a onda de protestos que tomou os Estados Unidos também se refletiram no Brasil. Um dos aspectos mais importantes foi comprometer a sociedade como um todo na agenda antirracista, solidificando a concepção de que o enfrentamento ao racismo precisa ser prioritário também entre brancos e nas diversas esferas que compõem a sociedade, como governos, empresas e instituições.
Políticas de diversidade racial passaram a figurar nas corporações, se amplificaram nos eventos públicos, nas mesas de debates e nas pesquisas acadêmicas, nas redações dos veículos de imprensa e também na publicidade e se tornaram medidas fundamentais para gestores que buscam um país mais justo. O movimento antirracista que se viu nos Estados Unidos ganhou espaço também em escolas particulares, visando maior diversidade racial nas disciplinas, no quadro de alunos e professores. Ainda falta muito.
É inegável que o racismo estrutura a sociedade brasileira. Somos o país onde a escravidão durou mais tempo (388 anos) e foi mais numerosa (4,8 milhões de pessoas foram trazidas da África ao Brasil), além de extremamente violenta. Depois, ao conceder uma abolição que não deu nenhuma garantia de sobrevivência aos ex-escravos, submetemos milhões de pessoas a condições vulneráveis, como uma perpetuação da escravidão. O Brasil promoveu políticas de embranquecimento em vez de garantir vida digna à população negra.
Com isso, o país viveu por anos acreditando no mito da democracia racial, como se o cotidiano fosse harmônico e igualitário entre negros e brancos. Grandes lideranças do movimento negro como Abdias Nascimento, Lelia Gonzales, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Vilma Reis, entre muitas outras, atuaram e seguem influenciando na compreensão de que existe racismo no Brasil, ele é grave, muitas vezes é letal e nos impede de avançar enquanto nação.
É o racismo que opera quando policiais usam violência contra quem consideram suspeitos. Cerca de 75% das pessoas que foram mortas em intervenções policiais eram negras, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2017 e 2018. Pesquisas acadêmicas conduzidas pela professora e socióloga Jacqueline Sinhoretto, do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) acerca do comportamento da polícia em abordagens, mostra que há uma enorme diferença de tratamento e uso da força contra negros em relação a não-negros na prática cotidiana do policiamento e que a filtragem dos “suspeitos” feita pela polícia tem como base a cor da pele.
Operações policiais como a que aconteceu no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que deixou 27 moradores mortos, ou os tiros que levaram a vida de João Pedro e Ágatha durante ação policial em favelas, escancaram o racismo, que naturaliza a perda de vidas negras.
Para enfrentar o racismo é preciso reconhecer a sua existência, compreender como opera, saber que é estrutural e vive em nós como sociedade, e ter uma postura antirracista, ou seja, um posicionamento ativo diante de situações que ampliem a desigualdade racial, em todos os âmbitos da vida.
*Maria Carolina Trevisan é jornalista e membro do Núcleo Afro do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)