‘Os assassinos não deram chance para o meu filho’, diz mãe de um dos rapazes mortos após abordagem de PMs

Comoção e indignação de parentes e amigos marcaram o enterro do camelô Edson Arguinez Júnior, de 20 anos, na tarde desta segunda-feira, dia 14, no Cemitério Municipal de Belford Roxo, no bairro da Solidão. O pai do rapaz, Edson Arguinez, estava desolado. A todo tempo ele dizia que o filho era “amigo e trabalhador” e questionou a abordagem da PM. A dona de casa Renata Santos de Oliveira, de 40 anos, diz que “é uma revolta, indignação, tristeza, um conjunto de sentimentos” ter que passar por essa situação. O rapaz foi morto junto com o amigo Jhordan Luiz Natividade, estudante de 17 anos, após uma abordagem por policiais militares na madrugada de sábado, em Belford Roxo.

— Eu estou fazendo (hoje) uma coisa que eu não desejo para ninguém, que é enterrar o meu filho. Os assassinos não deram chance para o meu filho. Não deram chance de um filho meu estar comigo hoje. Por quê? A troco de que ele fez isso com o meu filho? — desabafou a dona de casa, que é mãe de outros três filhos.

Os responsáveis pela abordagem foram o cabo Júlio Cesar Ferreira dos Santos e o soldado Jorge Luiz Custódio da Costa. Vídeos levados por parentes das vítimas ao 39º BPM (Belford Roxo) registram o momento em que Edson e Jhordan são abordados. Eles seguiam de moto quando aparece um clarão na imagem, semelhante ao de um disparo de arma de fogo. Os dois caem e, em seguida, são revistados, algemados e conduzidos para a viatura. Um dos PMs deixa o local dirigindo o carro oficial, enquanto o outro sai pilotando a moto.

— Ele e o amigo foram covardemente assasinados. Aquelas imagens foram cruciais para mostrar a barbárie que fizeram com eles. Eu quero dizer que a justiça tem que ser feita. Eles têm que ser condenados e expulsos da corporação. Dois rapazes pretos não podem andar numa moto? Alguém viu o meu filho fazendo algo errado? Eles foram covardemente assasinados. Coloco a minha cara para que outros filhos não sejam os próximos amanhã. Temos que denunciar e a justiça tem que prevalecer.

Cerca de 60 pessoas acompanharam o sepultamento de Edson, carinhosamente conhecido como Dinho. A cachorra do rapaz, uma vira-lata, também foi levada para o sepultamento. O animal — chamado Mel — estava com o rapaz desde o nascimento.

De acordo com a família, Edson era um rapaz sorridente, como mostram as fotos estampadas nas blusas usadas por amigos e parentes.

Muito abalada, a mãe voltou a cobrar uma punição para os PMs.

— É uma indignação porque você não espera que a polícia vai matar. E o que mais é revoltante é que eles fizeram e foram para casa dormir. Eles mataram dois jovens a troco de nada. Eles poderiam ter prendido e levado para a delegacia. Eles estavam próximos à delegacia. Eles torturaram, assassinaram e ainda colocaram os corpos em outro lugar. Eles devem ter achado que o caso iria ficam impune. Mas não. Não porque eles têm família. Espero que eles apodreceram na cadeia — finalizou.

“Eu estou com ódio da vida. Ele só fazia o bem. Mataram o meu garoto. Ele era meu filho e meu amigo. Dinho era trabalhador. A polícia matou o meu filho”, disse o pai do rapaz a uma tia que o consolava. Ele não quis falar com os jornalistas.

A Polícia Civil espera o exame nos corpos dos rapazes para saber a quantidade de tiros que atingiu cada um e qual foi o calibre utilizado. As armas dos PMs estão apreendidas e nos próximos dias passarão por um exame de balística para comprar as perfurações encontradas nos corpos. Os policiais que participaram da abordagem estão presos.

Itamar Paiva, de 48 anos, é pedreiro e viu os amigos nascerem. Muito emocionado, o homem criticou a atuação dos militares.

— O PM estava abordando um carro. Eles largaram o veículo e atiraram nos meninos. Eles estavam baleados e agonizando. Eles levaram os meninos para o abate. Eu conhecia os meninos desde o começo. Por que isso?

Jhordan sonhava servir no Exército
Com camisas com os rostos de Edson Arguinez Júnior, de 20 anos, e de Jhordan Luiz Natividade, 17 anos, amigos de infância mortos na madrugada de sábado, as 15h acompanharam o enterro do estudante do ensino médio, que tinha o sonho de ser militar do Exército. A mãe de Jhordan, a segurança Alexandra Santana, 39, passou mal e precisou receber atendimento. Durante todo o tempo ela pedia para o filho “levantar do caixão” e que “não teve o direito de tocar no rosto do filho”.

“Ele não me deu o direito de tocar no rosto do meu filho. Ele não era para estar aqui. Perdoa a mamãe por não ter sentido a sua dor. Me perdoa por eu não estar lá e te ajudar. Você não deveria estar aqui”, clamava a mulher no momento que o caixão descia a sepultura. Ela não teve condições de falar com os jornalistas.

Mais de sessenta pessoas participaram do sepultamento. A blusa que o rapaz mais gostava e um bola de futebol, autografada pelos amigos, foi colocada dentro da cova.

Tia de Jhordan, a vendedora Vanessa Santana, 29, lembrou que sobrinho fez 17 anos no dia 2 de outubro.

— Ele era um menino muito bom. Ele só tinha 17 anos. Eles estavam jogando bola. Não entendo porque eles mataram o meu sobrinho.

A costureira Fabiana Nunes, 42, lembrou que viu o nascimento do rapaz, que tinha o senhor de se alistar no Exército. Isso iria acontecer em 2022.

— A polícia não está preparada para abordar, perguntar, revistar as pessoas. Isso tudo é um processo de educação e conscientização. Ele não era um bicho. Ele era ser humano. Ele me dava benção. É porque é pobre, negro, favelado que pode bater e matar? E se fosse o filho deles? Espero que eles se arrependam e peça perdão a Deus. Eles tiraram a escolha dele. Da mãe. Até quando isso? Eles tiraram a vontade dele de se alistar para o Exército.

O delegado titular da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, Uriel Alcântara Machado Nunes, disse que a especializada está atrás de possíveis testemunhas.

— Tentaremos identificar testemunhas, entre eles o motorista do carro.

Para a Polícia Civil não há dúvidas que os PMs foram os responsáveis pelas mortes dos amigos.

A Subsecretaria estadual de Vitimados informou que ofereceu auxílio psicológico e social para as famílias dos rapazes. Um equipe da pasta acompanhou os dois velórios e enterros.

Moto segue desaparecida
A moto em que os jovens estava pertence a um mototáxi morador do bairro e vizinho dos rapazes. Após ambos serem baleados, algemados e colocados na viatura, um policial subiu no veículo e sai pilotando. Segundo os familiares dos jovens, a moto não foi encontrada.

Os corpos dos jovens foram encontrados num terreno no bairro Babi, em Belford Roxo, na tarde de sábado, horas depois de eles terem sido abordados pelos dois PMs numa rua do bairro São Bernardo, na mesma cidade da Baixada.

Segundo os investigadores, o bairro Babi é dominado por um grupo paramilitar.

 

Fonte: Por Rafael Nascimento de Souza, do Jornal Extra

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