Pai de aluno com epilepsia vai à Justiça contra recusa de matrícula na rede particular em SP

Após contato da reportagem, escolas e governo dizem que buscam solução com a família

O motorista Ricardo Neimar, 54, enfrenta desde o mês passado uma série de recusas ao tentar matricular o filho no primeiro ano do ensino fundamental em São Paulo. Enzo, 5, foi diagnosticado com epilepsia refratária e faz uso de canabidiol para controlar as convulsões.

A peregrinação da família pelas zonas norte e leste da capital acontece porque nenhuma das escolas particulares contatadas por Neimar —sete, até o momento— diz ter condições de atendê-lo.

Hoje no segmento infantil, o estudante convive e brinca com outras crianças, não fala e precisa de apoio com alimentação e higiene. Segundo o pai, escolas têm indicado que a família deve custear profissionais especializados que vão acompanhar o estudante na rotina escolar.

Um dos casos citados por Neimar envolve o Instituto Educacional Candelária, na Vila Maria, zona norte de São Paulo.

“Minha esposa visitou a escola, levou a documentação e ficou acertado de fazer a matrícula dele e assinar o contrato em 27 de outubro. No mesmo dia em que ela levou a documentação, eles ligaram dizendo que não tinham mais vaga”, relata.

Segundo ele, a escola foi informada desde o início sobre a necessidade de acompanhamento do estudante e sobre os horários. Enzo precisaria cursar a parte pedagógica pela manhã e a recreativa à tarde, quando o pai poderia retirá-lo mais cedo para terapias.

“Ninguém resolve nada, a gente está desesperado atrás de escola para ele”, afirma o pai de Enzo.

A diretora da Candelária, Marisa Darezzo, disse que trabalha com alunos com diagnósticos de autismo, déficit de atenção e que não houve negação da vaga. Ela afirma que “a escola não tinha para oferecer o que o pai queria”.

“Ele está equivocado. Eu disse ‘o senhor vem e faz a matrícula, tem esse direito, estamos abrindo para o senhor o período da tarde, porque não consigo abrir turma de manhã”, disse a diretora. Ela afirma que a escola tem mantido contatos com Neimar para resolver a questão.

O pai de Enzo registrou um boletim de ocorrência contra duas outras escolas, Núcleo Educacional Cidadania e Vida e Externato São Judas.

Por email, o Externato disse que soube do caso pelo contato da reportagem e que tem experiência no atendimento a alunos com diagnósticos diversos de transtornos e doenças.

“Não foi a intenção da escola causar esse impacto quanto à matrícula da criança”, diz a nota, “mas sim, com cautela, proceder para ajustarmos nossas condições às necessidades da criança em questão. Assim, afirmamos que estamos abertos a continuidade do diálogo com a família para o prosseguimento da matrícula na referida série solicitada”.

Procurado por email e telefone, o Núcleo Educacional não respondeu até a publicação desta reportagem.

Para Rodrigo Hübner Mendes, fundador e superintendente do Instituto Rodrigo Mendes, voltado para inclusão educacional, Neimar está certo na reivindicação. “As escolas privadas precisam seguir os mesmos padrões das públicas. Qualquer criança com deficiência tem direito de frequentar escola comum, em convívio com demais crianças e a comunidade escolar”, afirma.

Segundo Mendes, já existe um movimento das escolas para se tornarem mais inclusivas, mas é preciso continuar pressionando.

O pai de Enzo também relatou o caso ao Ministério Público de São Paulo e à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Em nota, a pasta diz que o supervisor responsável por acompanhar a Candelária solicitou informações à escola, que afirmou ter disponibilidade para fazer a matrícula caso ainda haja interesse.

Também afirmou que a rede estadual tem vagas para todos os alunos, com estrutura e pessoal especializados conforme a necessidade do estudante.

Já a Promotoria encaminhou o caso ao grupo especial de educação do órgão, que deverá solicitar informações à escola sobre as medidas tomadas, e deu 20 dias para que a Diretoria Regional de Ensino responsável pela área intensifique a fiscalização das escolas privadas. Além disso, a diretoria deve comprovar que Enzo foi matriculado.

Para Ariel de Castro Alves, advogado e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nenhuma escola pode recusar a matrícula alegando que não pode incluir o estudante em turmas já existentes.

“Não podem desrespeitar a Constituição Federal, o ECA, a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] e a Lei Brasileira de Inclusão, que garantem o direito à educação, incluindo as crianças com deficiência e garantindo atendimento especializado, conforme as necessidades”, diz Ariel.

Previsto na Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, o serviço do profissional de apoio escolar deve ser oferecido pela escola. Se a instituição alegar que as necessidades excedem as funções ou que não tem condições de custear os profissionais, o caso pode chegar à Justiça.

Segundo o advogado Marcelo Válio, especialista em direito constitucional e público, a escola não pode delegar custos adicionais à família e deve inserir Enzo em turmas regulares.

“A regra legal é da inclusão, e não da exclusão escolar. O aluno deve ser matriculado em turma regular, pois se houver turma só para pessoas com deficiência, [a escola] estará praticando exclusão ilegal”, explica.

“Qualquer discriminação ou exclusão ou não acesso a matrícula escolar ou universitária são atos discriminatórios, caracterizados como crime de capacitismo, conforme o artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão”, diz Válio.

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