Para líderes religiosos, crimes de intolerância estão associados à discriminação racial

Lideranças de matrizes africanas consideram que o preconceito racial influencia atitudes radicais

Do Capital Teresina

Embora a Constituição Federal estabeleça que a liberdade de crença é inviolável e assegure o livre exercício dos cultos religiosos, o Brasil ainda testemunha casos preocupantes de preconceito contra religiosos de matriz africana.

De acordo com a Ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, em 2015 houve um aumento no número total de denúncias de discriminação religiosa em relação a 2014, quando a Ouvidoria recebeu 149 denúncias. Já em 2015, houve um aumento de 69,13%, com 252 denúncias recebidas.

Um dos últimos e mais emblemáticos ocorreu no início do ano passado, no Rio de Janeiro. Na época, uma menina de onze anos, que havia iniciado no Candomblé há quatro meses, foi atingida na cabeça por uma pedra que teria sido atirada por um grupo de evangélicos. A criança seguia com parentes e irmãos para um centro espiritualista na capital fluminense quando começaram a ser xingados pelos agressores. O caso foi registrado na delegacia como preconceito de raça, cor, etnia ou religião e também como lesão corporal.

Para quem convive com ofensas e discriminações com frequência, crimes como o ocorrido no Rio vão além da intolerância religiosa. Makota Valdina (73), uma das líderes do Candomblé na Bahia, considera que as atitudes radicais são influenciadas pelo preconceito de raça e cor.

“A intolerância religiosa ocorre por conta daqueles que dizem que atuam em nome de Deus, da religião, mas eles querem mesmo é dominar. Não é intolerância religiosa, é racismo mesmo. É dominação. Quem pratica esses crimes sabe que o candomblé é resistência, muito mais que questão de religião. É onde você resgata uma identidade que foi retirada, é onde você consegue afirmar sua identidade”, explica.

Makota acompanhou de perto outra história de intolerância que terminou de forma trágica. Em 1999, em Salvador, um jornal de linha evangélica estampou na capa o título “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”, com a foto da ialorixá Gildásia dos Santos, do terreiro Axé Abassá de Ogum, conhecida como Mãe Gilda. A exposição fez com a líder religiosa sofresse um infarto e outras complicações no estado de saúde.

Ela ainda sofreu ameaças e teve o terreiro onde realizava os cultos invadidos. Mãe Gilda decidiu processar os agressores, mas morreu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de infarto. Em homenagem à religiosa, a Presidência da República oficializou, em 2007, a data como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

“Tem que haver o respeito para todas as formas de religião que existem nesse país. Não é possível que uma corrente venha querer comandar e ser mais que os outros. A pessoa tem o direito de ter qualquer crença, ou não ter nenhuma. A Constituição nos assegura esse direito. Deus não criou religião nenhuma. Religião é criação humana”, diz Makota ao relembrar da amiga.

Obstáculos judiciais 

Outro problema relatado pelas vítimas de intolerância religiosa é a morosidade na Justiça e a falta de preparo dos agentes da lei para lidar com essas ocorrências. Pai Neto de Azile (45), que presenciou o ataque a uma criança durante uma procissão do Divino Espírito Santo, em 2011, realizada pelo Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So, conta que foi difícil registrar o crime como intolerância.

“Falta conhecimento dos direitos e expertise para conduzir casos assim. Queriam enquadrar o crime como de agressão, não queriam enquadrar como crime de intolerância religiosa. Além de não ter a segurança de um atendimento qualificado, há uma morosidade.”

Ele também afirma que essas atitudes estão baseadas em questões racistas. “Você não percebe uma demonização dos ritos católicos ou evangélicos, por exemplo, porque são tradições de origem europeia, já nossa tradição é uma tradição trazida por seres humanos escravizados. Além disso, atribuem as mazelas humanas às práticas afrodescendentes o que reforça esse preconceito”.

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