Pastor manda tirar boneca africana de creche e dispara: “É macumba”

A arte em questão foi feita em uma creche de Jardim da Penha e foram confeccionadas bonecas Abayomi, de origem africana

no Gazeta

O pastor João Brito, da Igreja Evangélica Batista de Vitória, pediu que um painel feito por crianças que contém bonecas negras fosse retirado de uma creche de Jardim da Penha. Segundo o religioso, a boneca é “símbolo de macumba por se originar de uma religião africana”.

A arte em questão foi feita no Centro Municipal de Ensino Infantil (Cmei) Professora Cida Barreto. O painel foi confeccionado por uma professora que dá aulas sobre a cultura do povo africano e também sobre a cultura afro-brasileira. O projeto chama Abayomi e faz parte do programa da institucional da escola: “Diversidade”, que trata da questão étnica-racial.

Abayomi era uma boneca criada por mães africanas que rasgavam retalhos de suas saias e confeccionavam através de tranças ou nós. As bonecas são símbolo de resistência e serviam para acalentar os filhos durante as viagens em navios de pequeno porte que realizavam o transporte de escravos entre África e Brasil.

O prédio em que a escola funciona pertence à igreja, mas é alugado pela Prefeitura Municipal de Vitória. O espaço onde são expostos os trabalhos dos alunos é de uso compartilhado entre o Cmei e a igreja. “Aquilo era um quadro com entidade de macumba. Se colocar qualquer símbolo religioso que confronte a Bíblia eu tiro, eu tirarei e, se repetir, eu tiro de novo”, enfatiza o pastor.

E continuou: “Quando foi feito o convênio com a prefeitura, ficou acordado que não iríamos intervir em nada. A escola é laica. Em contrapartida a escola também não deveria fazer nada que contrariasse os princípios evangélicos. Pra quê essa boneca? Tanta coisa para ensinar. Por que ensinar isso?”, questionou Brito.

O religioso disse que este foi um caso isolado. Mas, segundo uma pessoa que não quis se identificar, essa seria a segunda vez que um projeto de origem africana é retirado. O primeiro caso foi em maio.

A Secretaria de Educação de Vitória informou o projeto está em conformidade com as diretrizes curriculares nacionais da Educação Infantil. A secretária da pasta, Adriana Sperandio, afirmou que será marcada uma reunião com o pastor Brito. “Estamos agendando um diálogo junto ao pastor Brito na próxima semana para conversarmos sobre o ocorrido. A gente entende que, promovendo o diálogo, há perspectiva de avançarmos nesse sentido, sempre reconhecendo que a escola tem um projeto pedagógico cuja ação é voltada para a formação para a cidadania e isso, sem dúvida, deve ser assegurado”.

Adriana Sperandio acredita que o diálogo é o melhor caminho para resolver a situação e garantir o cumprimento da proposta pedagógica da escola. “Acreditamos que, dialogando, podemos superar esse desafio registrado, respeitando a instituição, mas sabendo que a unidade escolar terá de cumprir seu papel na formação dos estudantes”.

A professora responsável não quis falar sobre o assunto.

ORGANIZAÇÕES CRITICAM POSTURA

O Conselho Municipal do Negro (Conegro) afirma que já foi ao local e irá tomar providências, e acrescenta que as escolas públicas e privadas são, por lei, obrigadas a ensinar a história e a cultura afro-brasileiras. O conselheiro e integrante da Comissão Executiva do Conegro, Moacir Alves Rodrigues, afirma que não é a primeira vez que isso acontece. “Dessa forma, a igreja perpetua o racismo e a discriminação”. comenta.

INTOLERÂNCIA

Para a zeladora de umbanda e conselheira estadual de Igualdade Racial Yara Marina é perceptível a intolerância religiosa no caso. Ela afirma que é preciso conhecer para julgar. “Se outros segmentos religiosos se permitissem estudar e conhecer nosso povo, não cometeriam esse crime voltado contra nossas comunidades tradicionais de matriz africana. Mantemos nossa tradição e queremos ser respeitados. Para que isso aconteça estamos com a porta dos terreiros abertas”, afirma.

Ela acrescenta que o poder público tem uma parcela de culpa em relação ao desconhecimento de religiões de origem africana, pois o tema é pouco discutido. “O governo não capacita os professores para discutir essa temática e quando há boa vontade do professor de aplicar o tema, ele é obrigado a sofrer esse tipo de desrespeito dentro da própria escola”, finaliza.

ANÁLISE

“A questão da religião não está desvinculada de todo o processo que a humanidade criou dentro de um processo de supremacia rica, hétero, branca e cristã. O cristianismo é criado como um padrão dentro dessa supremacia. Tudo que for diferente será banido e, nesse caso, o diferente vem da África. A ‘macumba’ vem da cultura africana e foi associada a algo ruim para manter uma supremacia. Faz parte da discriminação racial não aceitar a religião africana. O racismo é tão forte que a religião dos negros também é associada a algo ruim. Ensinar a cultura negra é importante para saber sobre os antepassados e compreender uma outra cultura. Não respeitar a outra religião é intolerância”. [ Nilda Pereira, filósofa e pós-doutoranda da UVV ]

ENTREVISTA COM O PASTOR BRITO

 

O que aconteceu?

Eu mandei retirar a boneca. Ela era feita em navios negreiros e passou a ser objeto de adoração e macumba. Qual é a origem da macumba? Vem do sincretismo religioso. Se colocar qualquer símbolo religioso eu tiro e tirarei e, se repetir, eu tiro de novo.

É uma forma de racismo?

A gente retirou por ser símbolo de uma religião de cunho afro-brasileira. Não é pela cor da boneca. Nós não temos preconceito com cor, na igreja, inclusive, há muitas pessoas negras.

É intolerância religiosa?

Com certeza. Eu não posso tolerar que dentro da igreja se implante símbolo de outra religião. Eu tolero a convivência, mas cada um no seu lugar. Eu não vou no centro de macumba e nem na igreja católica quebrar imagens, mas não aceito aqui. Em nenhuma hipótese vou tolerar símbolo religioso que confronte com os ensinamentos da Bíblia. É um desrespeito.

A escola não é livre?

Nós não dependemos do colégio aqui, nós abrimos as portas a pedido da comunidade e da secretaria e temos prazer de servir. Não vamos nos dobrar diante de uma professora que por onde passa tem criado problema.

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