Pedro Amaral, um jovem negro que se passar pelo Taquaral será tratado como “suspeito”

Qual a cor de Carlinhos Cachoeira?

Após ler estarrecida a ORDEM DE SERVIÇO abaixo, assinada por um capitão da PM da cidade de Campinas quero saber como formalizar um pedido de vigilância do mesmo teor para a PM de Campinas. Quero também formalizar um pedido para que os moradores do Taquaral passem por um curso de reeducação, pedido este baseado na violência histórica que a população negra sofreu numa cidade que é o que é porque foi um centro escravagista.

Quero uma ordem de serviço que faça a polícia entender que ela existe PARA GARANTIR A SEGURANÇA DE TODOS e não para ser tratada como capitão do mato a serviço de uma elite de mentalidade escravagista.

Nesta ordem de serviço, o capitão do mato, ops! da PM Paulista em Campinas, com seu sobrenome italiano, demonstra a longa duração de práticas e discurso do domínio senhorial dos coronéis e barões de café que habitaram aquela cidade no século XIX: Ubiratan continua a reproduzir a lógica escravocrata que tornou Campinas (com seu rico Taquaral) uma cidade rica: negro é a cor da suspeição, os negros formam a ‘classe perigosa’ quando desejam experimentar a liberdade, quando não podem mais ser mantidos como seres escravizados.

É tão inacreditável ler um documento oficial redigido por aqueles que deveriam cuidar de nossa segurança pública e constatar que eles não fazem a menor cerimônia de lombrosianamente classificar pretos e pardos como ‘suspeitos’ que li e reli pra ver se não se tratava de uma montagem.

Pensando que 70% dos jovens de 15 a 24 anos assassinados são negros ( a grande maioria sem ficha criminal); pensando que a cor dos filhos chorados pelas mães de maio em sua maioria são negros; pensando que a cor dos chacinados nos Jardins Ângela e nos Capões Redondos das periferias de SP são negros, esta polícia deve considerar que  ’só’ tratar como ‘suspeitos’ pretos e pardos já estarão saindo no lucro.

Trinta anos de neoliberalismo em nosso estado reduzindo políticas públicas, vilipendiando salários, reduzindo segurança pública a policiamento ostensivo de gente mal preparada talvez consiga explicar tamanho absurdo racista.

 

Não é ascensão social negra que aumenta o racismo, ela só desnuda o discurso falacioso de que não somos racistas

Pequena nota sobre a lógica da suspeição

Por Pedro Henrique Amaral, em seu blog

Um documento oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo causou furor na internet hoje, 23 de janeiro de 2013. Trata-se de uma ordem de serviço expedida pelo Cap. da PM de Campinas, Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, o qual ordena que transeuntes negros e pardos no bairro Taquaral devem ser abordados prioritariamente.

Acessei esta notícia no UOL e fiquei intrigado com a justificativa dada por um advogado criminalista sobre o conteúdo da mensagem. Em resumo, o advogado diz que a ordem policial se baseia em dados objetivos fornecidos pelos moradores do bairro Taquaral, que informaram o perfil dos assaltantes: homens negros, entre 18 e 25 anos. A polícia, então, expediu a ordem baseada em dados objetivos, visando deter as pessoas que, enquadradas no perfil dos criminosos, estejam circulando pelo bairro Taquaral.

O que chama minha atenção é a superficialidade com que se atribui a qualidade de suspeito a alguém. A característica principal dos criminosos é a cor da pele: negra ou parda. É baseado nessas características que os policiais vão classificar as pessoas entre suspeitos e não suspeitos: negros e pardos – suspeitos – de um lado; brancos – não suspeitos – de outro.

A polícia utilizou a seguinte lógica: homens negros estão assaltando o bairro. Logo, todos os homens negros e pardos que circulem pelo bairro são suspeitos, portanto devem ser abordados prioritariamente. 

Fiquei pensando se as populações negra e índigena também podem fazer uso da mesma lógica policial. Todos nós sabemos que a expansão intercontinental foi praticada maciçamente por europeus. Italianos, portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, franceses etc. Todos eles elegeram a violência como instrumento de conquista, sendo desnecessário contabilizar quantos índigenas, africanos e asiáticos foram dizimados e escravizados durante o período mercantilista. Uma característica peculiar é comum a todos esses povos: a cor branca da pele daqueles homens. 

Sim, você está entendendo onde quero chegar. Por isso, pergunto: nós, negros ou índios, temos o direito de nos sentirmos ameaçados toda vez que um branco direcionar o olhar em nossa direção? “Vai que eles voltem a querer dizimar os negros e índios novamente…” – poderia eu pensar.

A minha suspeita é coerente. Homens brancos mataram milhões de negros e índios no Brasil. Logo, todo homem branco que se aproximar de mim é suspeito de querer me matar. Devo acionar o capitão da polícia militar da minha cidade e pedir que ele ordene aos seus homens que protejam a mim e todos os outros negros de homens brancos que circulam pelo meu bairro, todos suspeitos de querer a nossa morte coletiva? 

Baseei minhas alegações em fatos verídicos, largamente documentados e de conhecimento público. Tenho, acho, sérios motivos para crer que todo homem branco que se aproxime da minha casa tenha o desejo de me matar.

Portanto, sinto-me no direito de fazer uma simples pergunta a todos: se você fosse o capitão da Polícia Militar responsável legalmente por proteger o meu bairro, você emitiria uma ordem oficial para que seus homens abordassem todo e qualquer homem branco que estivesse circulando no lugar que eu resido? 

 

Se você não emitiria essa ordem é porque você vê nela um conteúdo explicitamente racista e superficial. É assim que eu vejo a ordem oficial emitida pela polícia de Campinas. Ela é racista. E você tem o dever de observar isso.

 

 

Fonte: Maria Frô

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