Por Mônica Lima e Souza
A resposta a essa questão nos coloca, primeiramente, diante da importância de constituir outro olhar sobre a história da humanidade e a história do Brasil. Esse novo olhar sobre a trajetória das sociedades humanas deve buscar uma perspectiva menos eurocêntrica e a inclusão de novos espaços e sujeitos no mapa da história. Reconhecer a presença africana amplia a nossa concepção de mundo e permite perceber aspectos das relações entre povos e regiões do planeta ao longo do tempo por nós ainda pouco conhecidos e compreendidos. Tal aprendizado ilumina nosso entendimento sobre processos históricos e dinâmicas sociais que a negação secular da história africana nos currículos escolares e universitários no Brasil nos levou a não perceber e, por consequência, interpretar de forma equivocada.
Em diversos momentos da história, povos da África, em suas relações internas ou com outros povos, estiveram diretamente envolvidos em transformações que alteraram profundamente a vida no nosso planeta. Desde o surgimento da humanidade, com as migrações que povoaram o mundo e as novas relações com o ambiente delas surgidas, à criação de instrumentos que mudaram as formas de sobrevivência e a constituição das primeiras instituições gregárias das sociedades humanas, os povos africanos foram protagonistas de grandes transformações na história.
Na Antiguidade, a força e o fausto do Egito africano e sua relação com o interior do continente, sobretudo com os reinos da Núbia, e, mais tarde, toda a importância da cidade de Cartago, que disputou com Roma o espaço do mar Mediterrâneo. Na costa oriental africana, as caravelas que cruzavam o Índico ligavam esse litoral ao golfo Pérsico, à Índia e à China, além das ilhas da Indonésia, a partir do século V, aproximadamente. Um ativo comércio conectava os africanos com povos de diferentes regiões, nesse movimentado mar oriental, muito antes de ali aportarem os portugueses.
Aliança e resistência na América
Na chamada Época Moderna, os africanos foram envolvidos o mais longo e intenso processo e migração forçada da história do mundo, cruzando, nos chamados navios negreiros, as novas rotas atlânticas que os europeus criaram. E, se as Américas se constituíram a partir das relações estabelecidas entre europeus, povos indígenas e africanos escravizados, da mesma forma, o mundo atlântico, como espaço de intercâmbios de mercadorias, tecnologias e ideias, teve na sua formação a participação fundamental dos nativos da África. Nas alianças e resistências, africanos e africanas estiveram nessa história de forma ativa, para além do sofrimento nos porões dos tumbeiros. Na criação de quilombos e rebeliões escravas que iam do Caribe ao sul dos Estados Unidos até a Bahia, passando por muitos espaços nas Américas Negras, africanos contribuiriam para o fim do tráfico escravista e da escravidão.
Na primeira metade do século XX, ainda no espaço do mundo ocidental, a África se tornou espaço de importantes conflitos de abrangência internacional e de um novo tipo de dominação colonial. Nesse processo seus habitantes participaram, por meio de iniciativas e ações, resistindo, questionando e criando, através das relações de poder e seus desdobramentos internos, um novo mapa político para o continente. E, na segunda metade do século, a partir de transformações internas, mas conectados a uma conjuntura externa, conduziram lutas pela independência que trouxeram novos atores ao cenário internacional no conjunto de países, alterando de forma significativa as relações internacionais.
Mônica Lima e Souza é professora de história da África e coordenadora do Laboratório de Estudos Africa
Fonte: UOL