Elas têm 45% mais risco de morrer de câncer de mama do que as brancas, por isso iniciativas de conscientização e de ampliação de acesso à saúde precisam cada vez mais se dirigir a negras
Por Pragya Agarwal, do Independent, no O Globo
Peitos cor-de-rosa. Grandes e inflláveis peitos cor-de-rosa. Esta é a imagem que pulou no meu feed do Twitter há alguns dias. O “ônibus dos peitos” é uma campanha lançada pela Lorraine Kelly para que o movimento de conscientização sobre o câncer de mama batizado de Change and Check coincida com o Outubro Rosa.
Meus peitos não são assim, foi a primeira coisa que veio à minha cabeça. Parecer ser muita informação, mas essa foi realmente a primeira coisa que saltou na minha cabeça.
Eu não conseguia levar a mensagem da campanha a sério enquanto eu me deparava com esta inegável versão branca das glândulas mamárias humanas. Elas também não parecem anatomicamente precisas, mas talvez os designers possam ser perdoados por isso. Até porque, elas não são completamente realistas e há questões práticas a serem levadas em consideração.
This #BreastCancerAwarenessMonth, we’re spreading our lifesaving #ChangeAndCheck message across the UK. Take five minutes to check for the symptoms below the next time you get changed.
Learn how to check your boobs here 👉 https://t.co/DPwMOoGoxU pic.twitter.com/i1SAsX32tU
— Lorraine (@lorraine) 1 de outubro de 2019
Mortalidade por câncer de mama é maior entre não-brancas
No entando, a cor base desses “peitos modelos” e a imagem que está sendo usada na campanha está longe de ser inclusiva. Já existe um grande viés nos exames de câncer de mama. Mulheres não-brancas têm menos chances de serem diagnosticadas no estágio inicial. Uma pesquisa mostrou que mulheres negras têm 45% mais risco de morrer de câncer de mama do que mulheres brancas, ainda que o indíce de ocorrência seja semelhante.
De acordo com a Sociedade Americana de Câncer, a incidência de câncer de mama em mulheres afro-americanas é um pouco menor do que em mulheres brancas, mas suas taxas de mortalidade são mais altas. Entre 2009 ne 2012, a incidência de câncer em mulheres negras estava em torno de 124 para cada 100 mil mulheres, comparada a 128 para mulheres americanas com descendência europeia.
Porém, a taxa de sobrevida em cinco anos entre 2008 e 2011 era de 80% para mulheres negras, enquanto chegava a 91% para mulheres brancas. Em um estudo realizado em 2012 na Faculdade de Medicina Mount Sinai, em Nova York, foi descoberto que mulheres latinas e indianas têm menos chances de receber terapia hormonal — capaz de reduzir o risco de reincidência do câncer de mama — do que mulheres brancas.
Desigualdades raciais no sistema de saúde
A disparidade nas taxas de sobrevivência é amplamente atribuída à descoberta tardia entre mulheres de uma minoria étnica, devido à falta de uma orientação e de suporte adequados durante e depois do diagnóstico. Também há disparidades nas taxas de rastreamento mamográfico para mulheres de diferentes origens culturais e religiosas. Esse poderia ser um indicativo não só das desigualdades no sistema de saúde, mas também de desigualdades raciais sistêmicas.
Mulheres de uma minoria étnica não se sentem confiantes em buscar cuidados médicos — possivelmente porque temem ser estereotipadas e discriminadas mais uma vez — ou não focam em si mesmas porque acreditam que não valham a pena, o que é uma materialização da marginizalização racial impregnada. As disparidades no acesso à saúde, devido à localidade dos serviços de saúde e do para seguir com as consultas, são parte de uma desigualdade racial estrutural mais ampla.
Os dados do National Cancer Diagnosis and Analysis, no Reino Unido, mostram que a idade de triagem compulsória de 50 anos às vezes pode ser tarde demais para mulheres de comunidades negras e do sul da Ásia. Para mulheres não-brancas, a média de idade de diagnóstico é muito menor do que 50 anos — entre mulheres brancas, a média é de 62.
Mulheres negras também são mais propensas a ter tumores de alto grau quando diagnosticadas pela primeira vez. Na análise, 62% dessas pacientes tinham tumores de nível 3, em comparação com 50% no caso de mulheres brancas, mostrando que a triagem e o diagnóstico precoces são um problema para essas pacientes de minorias étnicas.
Um estudo composto por 748 mil mulheres com idades entre 40 e 75 anos, procurando por causas de câncer de mama nos Estados Unidos entre 1973 e 2010, encontrou grandes diferenças em relação à idade no momento do diagnóstico entre as raças: 59 anos para mulheres brancas, 56 para mulheres negras e asiáticas e 55 para mulheres hispânicas. Essas podem parecer diferenças relativamente pequenas, mas somam muito quando as consideramos em toda a população.
O câncer deve ser diagnosticado mais cedo se quisermos aumentar as chances de sucesso no tratamento. Temos que reconhecer a realidade de que algumas mulheres são menos propensas a fazer check-ups médicos ou procurar atendimento porque não se sentem tão confiantes e não compreendem os riscos do câncer de mama. Algumas ainda temem ser mal-tratadas ou enfrentarem preconceito. Também existem diferenças culturais, religiosas e linguísticas, além de diferentes percepções de dor, o que torna o diagnóstico mais difícil.
Iniciativas para encorajar mulheres a levar o câncer de mama a sério são louváveis e urgentes. Mas elas ainda precisam ser interseccionais e reconherem os desafios e experiências exclusivos das mulheres não-brancas.
Exames de mamografia são importantes para todas as mulheres, independentemente da etnia ou cor da pele. O câncer de mama é assassino. Mas é reconhecível o fato de que a representatividade importa. Por isso, campanhas que parecem ser direcionadas a mulheres brancas têm menos chances de motivar todas as mulheres a fazer checagem dos seus seios. Campanhas têm a responsabilidade de serem inclusivas. O câncer de mama não vê cor da pele. Mas as pessoas, sim, e isso importa para elas.