Precisamos Falar do PNE e dos Direitos Educativos da População Negra

Semana de Ação Mundial

 

Por: Suelaine Carneiro –  Socióloga, feminista, mestre em Educação, integrante de Geledés Instituto da Mulher Negra 

Tânia Portella –  Jornalista, pesquisadora, mestre e doutoranda em educação.

 

SAM/Divulgação

Introdução

O período de realização da Semana de Ação Mundial (SAM) é um bom cenário para refletirmos acerca das desigualdades e como os bloqueios de acessos a direitos são desfavoravelmente potencializados para a população negra no campo da educação. Mesmo que historicamente a atuação de negras e negros tenha sido no sentido de influenciar o campo das políticas educacionais em vários sentidos: no acesso à escolarização; pela qualificação de conteúdos disponibilizados ou pelo seu reconhecimento na construção de conhecimentos.

 

Semana de Ação Mundial

A Semana de Ação Mundial (SAM) é uma iniciativa realizada simultaneamente em mais de 100 países, desde 2003, com o objetivo de informar os desafios na educação e  engajar a população em ações de defesa do direito à uma educação de qualidade, isto é, que esteja disponível e acessível para todas as pessoas sem qualquer tipo de discriminação; com programas educacionais e métodos pedagógicos pertinentes e adequados culturalmente; e que seja flexível para se adaptar às necessidades das comunidades e da sociedade.

De 2003 a 2018, a SAM já mobilizou mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo e no Brasil ela é coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação –  uma rede que articula grupos e entidades de todo o país, incluindo comunidades escolares, movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários, além de cidadãos que atuam pela efetivação e ampliação das políticas educacionais, para que todas as pessoas tenham garantido o direito a uma educação pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade. Nos 16 anos de atuação da SAM no Brasil, cerca  de 1,5 milhão de pessoas se engajaram nos diversos temas abordados, como o fim da exclusão escolar, a valorização das diferenças, educação infantil de qualidade, valorização das e dos profissionais da educação, além de mais financiamento para a educação.

Em 2019, as atividades serão realizadas no período de 02 a 09 de junho, que estão mobilizadas sob o tema Educação: já tenho um plano! Precisamos falar do PNE, que visa destacar a necessidade de monitoramento da implementação do Plano Nacional de Educação – PNE, instituído por meio da Lei nº 13.005/2014 para o período 2014-2024, composto por 20 metas e suas estratégias, além de cronograma de prazos e tarefas distribuídas ao longo de sua vigência. O PNE institui compromissos entre os entes federativos (federal, municipal e estadual) para a elaboração de políticas públicas, tendo por diretrizes a superação das desigualdades educacionais; a promoção da qualidade educacional; a valorização das(os) profissionais da educação; a promoção da democracia e dos direitos humanos; e o financiamento da educação.

São orientações que expressam os consensos políticos e técnicos daquele momento em torno das prioridades da agenda educacional brasileira, mas principalmente o compromisso para que os sistemas educativos se constituam em espaços comprometidos com a aprendizagem de todas e todos, com conteúdos que contemplem os valores da cidadania, a diversidade e a democracia, e que estejam livres de discriminações e preconceitos. Com essa configuração de construção, a importância do PNE também deve ser considerada em seu caráter formativo, pois o processo de elaboração do plano com perfil participativo possibilitou dar visibilidade para pessoas cotidianamente e diretamente afetadas pelos indicadores de desigualdades a serem alterados e que por meio da participação ampliaram a percepção acerca da discussão relacionada sobre desigualdades, educação e políticas públicas (Portella, 2014).

Mas o texto do PNE aprovado em 2014, ao expressar os consensos daquele momento para as prioridades da educação brasileira, também demonstrou a articulação dos grupos conservadores em atuação na agenda educacional, que conseguiram suprimir a palavra gênero de todo o documento, em violação ao direito de ensinar e aprender sobre gênero que constam de diversas normativas nacionais e internacionais das quais o Brasil é signatário.

Com o veto à gênero no PNE, esta agenda sofreu vetos também nos planos de educação de estados e municípios, onde as violações se realizam também a partir de intimidações e fiscalizações realizadas nas escolas e faculdades por estudantes, funcionários/as e familiares, além de notificações extrajudiciais realizadas por representantes de grupos religiosos fundamentalistas e outros contrários à agenda de direitos humanos. São situações que ocorrem em diversas localidades do país, que além disso, incluem impedimentos à realização de práticas pedagógicas voltadas para o enfrentamento do racismo, homofobia e lesbofobia, visto que tais marcadores de desigualdades estão interligados em mais de uma meta do PNE.

Sendo o PNE um marco importante para a garantia do direito à educação, fruto de intensa e ampla mobilização da sociedade brasileira para a consecução do direito à educação de qualidade para crianças, jovens e adultos, é necessário o mesmo empenho para que sua realização também contemple os direitos de cidadania e igualdade de conteúdo, e para tanto demanda a articulação de diversas instâncias de participação e de controle social e do conjunto da sociedade para que sua implementação alcance suas diretrizes e metas que estão ameaçadas por concepções que ferem o direito à educação como um direito humano, bem como por uma nova gestão de governo cuja prioridade é a implementação de uma política de austeridade econômica que reduzirá drasticamente as obrigações do Estado de realização do bem estar social, que conforme destacado pela Campanha (2019), compromete a realização do PNE atual “e deve impactar negativamente também o próximo plano com vigência entre 2024 e 2034”, sendo que até o momento apenas 4 das 20 metas foram parcialmente atingidas pelos governos federal, estadual e municipais.

O Brasil é um país sob profunda crise política, econômico e social acirrada com a gestão federal que assumiu em 2019, e que se manifesta nos indicadores socioeconômicos que indicam a retração econômica no primeiro semestre de 2019; uma taxa de desemprego de 12,7% (cerca de 13,4 milhões de pessoas) no primeiro trimestre de 2019; o aumento generalizado do valor da cesta básica no país; crescimento de casos de feminicídio (1.173 em 2018 e 1.047 em 2017), além da permanência da presença de jovens negros como as principais vítimas de homicídio (jovens representam 53,7% das vítimas; 71,5% das pessoas assassinadas no Brasil são negras), dentre outras questões.

Neste contexto de um governo que tem na redução das obrigações sociais do Estado como princípio e na necessidade de ajuste fiscal uma justificativa para a não efetivação de direitos, a educação é uma das áreas atingidas pela política de descompromisso com o enfrentamento das desigualdades, onde a EC 95/2016, que instituiu o teto dos gastos federais com as despesas primárias por 20 anos, representa a impossibilidade de implementação do PNE, principalmente da meta relativa ao financiamento e aplicação de 10% do PIB em educação, além do comprometimento da implantação do Custo Aluno-Qualidade (CAQi e CAQ), que é um indicador de custo mínimo por aluno de cada etapa e modalidade da educação básica, que deve ser adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para reduzir as desigualdades educacionais, e que mensura os insumos e o financiamento necessários para a realização do padrão de qualidade na educação (CAMPANHA, 2018).

Apesar de previsto no PNE, o CAQ não está implementado e portanto, sob ameaça principalmente por seus princípios conflitarem com a atual concepção de política educacional e seu completo atrelamento aos interesses da área econômica, com a aplicação da agenda de ajuste fiscal neoliberal na política educacional, portanto descomprometida com as diretrizes e metas do PNE. O MEC, na figura de seu ministro (dois ministros já ocuparam a pasta nos 100 dias do atual governo), demonstra seu atrelamento à execução da EC 95/2016, explicitou o foco na educação básica, e o descompromisso com a reversão das desigualdades estruturais da educação no tocante à cor, gênero, deficiências, localidade, renda e identidades. Em contrapartida, o ministério demonstra uma concepção de educação autoritária através da militarização das escolas, restrições às liberdades e identidades, o controle ideológico por meio de demissões de funcionários e a desativação de mecanismos constituídos de participação popular e de controle social, como os Conselhos e as Conferências; o fechamento da Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão  – SECADI (em seu lugar, foram criadas duas novas secretarias: Secretaria de Alfabetização e a Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação significou o completo afastamento da nova gestão com ações de promoção e valorização das diversidades (Ação Educativa; Carta Capital; De Olho nos Planos, 2019). Neste sentido, ocupa um lugar especial a ‘cruzada’ contra ensinar e aprender sobre gênero e sexualidade na educação pública, uma ação articulada desencadeada por grupos fundamentalistas católicos e neopentecostais contrários à agenda da laicidade, igualdade racial, intolerância religiosa, identidade de gênero, orientação sexual, direitos sexuais e direitos reprodutivos, que conseguiram a supressão da palavra gênero do PNE, que repercutiu nos planos estaduais e municipais de educação, e tem constituído em violação do direito humano à educação, do princípio da igualdade de conteúdos na educação, além de práticas coercitivas contra a liberdade de cátedra, de ensino e de pensamento. GOMES (2019) sintetiza o momento desafiante da educação brasileira:

Estamos vivendo um momento de muitos retrocessos do ponto de vista político e cultural. Temos a Emeda Constitucional 95/2015, que congelou por 20 anos os recursos para saúde, educação e assistência. Claro que isso vai impactar a educação como um todo, desde a base até a universidade. Temos, também, uma criminalização dos docentes, acusação de que eles só sabem fazer ideologia, não ensinam os estudantes a pensarem de uma forma mais plural. Eu acho que isso é uma injustiça com o trabalho dos professores, é um discurso conservador que não ajuda em nada a democracia e não ajuda em nada a fazer o Brasil avançar.

À luz deste cenário de disputas na educação, devemos acrescentar outras mudanças que evidenciam uma nova política, menos democrática e mais militarizada: o teto dos gastos impactará nos serviços da área da saúde, no sucateamento da rede e no comprometimento do Sistema Único de Saúde (SUS); a proposta de reforma da previdência com o aumento dos anos de contribuições e da idade mínima para homens e mulheres agravará a desigualdade social e racial; o ‘pacote’ de mudanças na área da segurança pública, a flexibilização do porte e posse de armas de fogo, o “excludente de ilicitude” – conceito que amplia a concepção de legítima defesa e prevê a não condenação de policiais envolvidos em confrontos com mortes, são medidas que colaboram com o aumento da violência em um país que lidera o ranking de mortes por arma de fogo no mundo e que tem nos jovens negros o grupo mais atingido por este tipo de violência, além de poderem aumentar o número de assassinato e suicídio de mulheres em contextos de violência doméstica e familiar (entre 2006 e 2016, em 17 das 27 unidades federativas foi registrado aumento das taxas de homicídios de mulheres por armas de fogo).

Neste sentido, as discussões sobre a política educacional estão imbricadas com outras medidas em curso no país que tornam mais do que necessária a mobilização em torno da implementação PNE em consonância com suas diretrizes e metas, em razão de estarmos na metade do prazo de sua realização e apenas um dispositivo ter sido integralmente cumprido (segundo balanço realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, somente o art. 5º, §2º que prevê a publicação de estudos pelo INEP para aferir a evolução das metas) porém, com atraso. Tal descaso reafirma as preocupação de movimentos, redes, organizações, sindicatos, profissionais e especialista em educação, familiares e estudantes com os rumos da educação brasileira e o seu firme enfrentamento aos cortes orçamentários, retrocessos e violações aos direitos educativos, que foram evidenciados na mobilização de 15 de maio de 2019, que levou às ruas pessoas em vários municípios do país.

Dentre os diversos impactos da ‘nova política’ educacional em vigência, estão aqueles que atingem as crianças, jovens e adultos negras e negros, cujos dados sobre sua participação nos sistemas de ensino revelam a permanência das assimetrias raciais e a descontinuidade de ações de enfrentamento ao racismo. Os demais dados socioeconômicos posicionam a população negra nos estratos mais pobres e mais vulneráveis da sociedade, fruto de uma sociedade hierarquizada a partir da cor/raça, que resulta em ciclos de desvantagens que impossibilitam mudanças nas condições de vida das futuras gerações.

Mas o conflito racial não dá para nublar. Ele permanece aqui hoje, estruturando a sociedade brasileira, organizando a própria estrutura de classes sociais. Porque no topo da pirâmide temos uma hegemonia absolutamente branca e nas bases uma maioria absolutamente negra. Então, raça estrutura classe no Brasil. Este problema está aí desde a abolição. Há um déficit de percepção das contradições da sociedade brasileira desde sempre. Porque foi possível construir o pensamento social brasileiro, seja à direita, com o mito da democracia racial, seja à esquerda, via luta de classes, que em comum obscureceu o valor da raça na estrutura das mazelas sociais, das desigualdades, das contradições desse país. (CARNEIRO, 2017, p.15)

As transformações recentes na educação, com a melhor participação de negros e negras nos sistemas de ensino, em particular no Ensino Superior com a adoção de medidas para correção das desigualdades raciais, não implicaram no rompimento de práticas racistas nos espaços escolares, na participação no mercado de trabalho e nos rendimentos auferidos, no sistema de saúde, na participação política, ou na desconstrução da ideologia da democracia racial, que se remodela para permanecer ativa nas práticas e justificativas das disparidades raciais.

Neste sentido, faz-se necessário que nas diversas atividades pela SAM e em defesa do PNE, seja explicitado o compromisso de educadoras e educadores com o enfrentamento do racismo e do sexismo, pelo direito de ensinar e aprender sobre raça e gênero nas escolas, pois são pressupostos para a efetivação do direito humano à educação, para o exercício da cidadania e da igualdade entre todos os cidadãos, e para o rompimento de sentimentos de inferioridade e superioridade forjados em concepções a partir da cor, do sexo e da classe.

Além disso, concomitante à vigência do PNE, temos duas agendas globais assumidas por Estados-membros das Nações Unidas, voltadas para a igualdade e equidade das quais o Brasil é signatário:

→ Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, assentada nos princípios de reconhecimento, justiça e desenvolvimento das populações afrodescendentes ao redor do mundo, e para o fortalecimento dos compromissos dos governos com a promoção do respeito, a proteção e a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais dos afrodescendentes. Com relação à educação, invoca os países a realizarem ações e debates públicos sobre a luta contra o racismo e a discriminação, com a participação de toda a sociedade, além de ampliar o conhecimento, reconhecimento e respeito às culturas, histórias e tradições da população afrodescendente.  Recomenda que os Estados integrem uma perspectiva de gênero na criação e monitoramento das políticas públicas, levando em consideração as necessidades e realidades específicas de mulheres e meninas afrodescendentes no campo da assistência materna, da saúde sexual e dos direitos reprodutivos, com a adoção de ações para acabar com a discriminação contra mulheres e meninas afrodescendentes, com adoção de ações afirmativas em educação e trabalho, para superar as desigualdades persistentes.

→ Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estruturada a partir de 17 objetivos e 169 metas realizáveis no período 2015-2030, que implica na execução de esforços comprometidos com a concretização da igualdade e liberdade, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento econômico e social de todas as pessoas, além da proteção ambiental de forma a possibilitar um planeta saudável para as gerações presentes e futuras. O ODS 4 – Educação de Qualidade – visa assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, com a eliminação de disparidade de gênero e a igualdade entre homens e mulheres; que todos os estudantes adquiram os conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, a promoção de uma cultura de paz e não violência; a cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.

É possível integrar estas agendas com outras que buscam ampliar as oportunidades educacionais e de enfrentamento dos mecanismos que retroalimentam as desigualdades, como a SAM.  Elas representam compromissos que complementam e se relacionam com diretrizes nacionais já estabelecidas para a consecução do princípio de educação com qualidade, e que deve ser exigida a sua realização em obediência aos princípios constitucionais e do PNE.

Assimetrias Raciais na Educação

O sistema educacional brasileiro é regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-Lei 9. 394/1996) que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e apresenta diversos dispositivos de valorização da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar, da igualdade de condições e de qualidade como objetivos básicos da educação para a dignidade humana e a democracia.

Na Constituição Federal encontramos assegurado o direito a uma educação que vise o pleno desenvolvimento da pessoa, para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, com base em princípios da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamentos, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

No ano de 2003 a LDB foi alterada pela Lei nº 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, que devem contemplar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à história do Brasil.

Ao longo da história, nas estratégias de enfrentamento aos bloqueios sociais, às desigualdades e ao racismo, a educação ocupou lugar central nas preocupações e nas ações dos atores negros (Gonçalves e Gonçalves e Silva, 2000). A observação das várias interfaces entre educação, desigualdades e melhoria nas condições de vida teve como reflexo a atuação múltipla desses atores ao longo do tempo, ação fundamental para os avanços nos marcos legais nacionais e internacionais apresentados anteriormente e a seguir.

Se no início do século XX a demanda foi o acesso à educação formal e às escolas, na segunda metade do século XX e início do século XXI o destaque foi para o conteúdo, para a qualidade, para a forma de abordagem do conteúdo e ainda para a preocupação com a inserção e permanência dos negros no ensino superior (Portella, 2014).

No momento, uma das demandas é superar o retrocesso dos poucos avanços obtidos com a intensa atuação histórica de negras e negros e nesse sentido é imprescindível pontuar o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), que também orienta os currículos escolares para a implementação de conteúdos sobre a história e a cultura afro-brasileira e africana, além de ações de erradicação de todas as formas de discriminação.

Nas normativas internacionais, a educação como um direito humano é reconhecida nos tratados Internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC (1966); Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças (1989); Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (1960); Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Declaração e Plano de Ação de Durban contra o Racismo (2001); Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2006), entre outros.

São instrumentos legais que, ao garantirem a educação como um direito humano em interdependência com outros direitos (saúde, moradia, alimentação, meio ambiente, etc), auxiliam na mudança de atitudes e comportamentos preconceituosos e discriminatórios, quando realizados em uma perspectiva pedagógica pluricultural e comprometida com a promoção, disseminação e proteção dos direitos, da justiça e da igualdade.

Contudo, a desigualdade e a exclusão escolar são realidades não superadas na educação brasileira, um desafio permanente na educação básica, situação que pode ser apreendida a partir dos dados de distorção idade-série (aluno/a matriculado/a em uma série que não é a esperada para sua idade), apresentados no Censo Escolar 2018 (Inep/MEC) cujos números expressam as desigualdades na educação – evasão, dificuldades de aprendizagem, sociabilidade – fatores para  além da educação e que se relacionam com a cor, renda, localização e demais vulnerabilidades sociais nas quais os/as estudantes estão inseridos/as, demonstrando as dificuldades da educação em atender às diversas características, condições e necessidades dos/das estudantes e que se expressam nos seus diferentes percursos escolares.

Os dados de 2018 para classes comuns (não exclusivas de alunos com deficiência), demonstram que a distorção é maior entre estudantes do terceiro ano do ensino fundamental e acentuam-se no sexto ano e na primeira série do ensino médio, sendo maior entre os meninos (fundamental e médio), situação que se agrava na sexta série do ensino fundamental: 31,6% de homens em idade superior ao esperado contra 19,2% de mulheres. A rede pública apresentou taxa de distorção de 17,2% no ensino fundamental e 31,1% no ensino médio; rede privada 4,9% ensino fundamental e 7,4% ensino médio.

O Censo traz análise da desigualdade racial na trajetória escolar dos estudantes brasileiros, onde brancos são maioria na creche (54,7%) e na educação profissional concomitante ou subsequente (50,1%); negros são maioria nas demais etapas de ensino, em especial na educação de jovens e adultos (EJA), onde representam 72,3% dos estudantes, estando assim distribuídos: 75,7% do EJA fundamental e 67,2% do EJA médio; brancos representam 22,2% do EJA fundamental e 31,6% do EJA médio. Outro destaque é relativo à participação por cor na educação profissional, que apesar de apresentar relativo equilíbrio no número de matrículas, a diferença aparece nas modalidades cursadas, com predominância de brancos (55,8) na educação profissional concomitante, enquanto negros são maioria na EJA profissional de nível médio (84,2%) e nos cursos de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional (FIC) onde representam 62,5% das matrículas.

Os dados acima, ao apresentarem as desigualdades no panorama atual da educação brasileira, também revelam negligências dos sistemas de ensino bem como as lacunas históricas na produção e reprodução de desigualdades entre negros e não negros, que apesar de avanços realizados com a universalização do ensino, políticas focalizadas e de ação afirmativa, ainda não reverteram o problema.

Na educação superior, os dados possibilitam aprofundar os desafios para a equalização de oportunidades a partir da cor e como ela se constitui como elemento estrutural das desigualdades. No ano de 2016, a população com 25 anos ou mais de idade com o ensino superior completo entre brancos foi de 20,7% para homens e 23,5% para mulheres; negros responderam com 7,0% de homens e 10,4% mulheres (IBGE/Pnad 2016). A participação dos homens negros na educação denota outra faceta de sua vulnerabilidade social para além de seu exponencial risco de morte, pois o pior desempenho e os obstáculos para sua permanência na escola, constituem-se como um desafio de gênero na educação. Por outro lado, os dados evidenciam também as desigualdades persistentes entre as mulheres e as desvantagens das mulheres negras em decorrência dos impactos do racismo, cuja trajetória educacional – acesso, permanência e desempenho -, em todos os níveis da educação, é impactada pelo seu pertencimento racial, articulado com as discriminações e preconceitos que recaem sobre as mulheres nos sistemas de ensino e resultam em participações diferenciadas entre os sexos nos cursos e carreiras,

 

que colocam em xeque a possibilidade dos mecanismos de acesso vigentes até o presente momento de serem capazes de garantir, de forma mais equânime, o acesso às diversas áreas do conhecimento dos grupos historicamente discriminados. (CARNEIRO, p.138, 2016)

Entre tantos outros desafios, gênero e raça devem ser enfrentados pelo PNE, pois várias de suas diretrizes se articulam com os desafios para a igualdade na educação, em particular relativas à população negra, cujos processos de escolarização expressam um acúmulo de impedimentos, desigualdades, interdições e expulsões na maioria das vezes ignorados nas análises sobre distorção idade-série, desempenho, matrículas, evasão, infraestrutura das escolas. Cabe destaque a participação por sexo na perspectiva dos meninos e jovens negros, grupo que apresenta desvantagens em todo o percurso da educação básica e que tem na EJA quase um destino natural, pois é a modalidade em que se encontram em maior número, situação que pode ser compreendida como indicativa das violações  operacionalizadas pelo racismo na vida de estudantes negros e negras, com suas trajetórias educativas imperfeitas, irregulares e tardias. Contudo, suas presenças demonstram a compreensão da importância da educação para a ocupação de um outro lugar na estratificação social, um caminho para o enfrentamento da violência racial.

Portanto é imperativo que professoras(es) atuem para a ruptura de concepções hierárquicas forjadas em desigualdades raciais e sociais (Silva, 2007); por mudanças institucionais e individuais que demonstrem compromisso com o fortalecimento de identidades, direitos, respeito e valorização da diversidade – aqui compreendida como negros, indígenas, descendentes de europeus e asiáticos, pessoas procedentes de outras regiões brasileiras e de outros países; diversidade de condição física, identidade sexual, diversidade religiosa e de práticas culturais.

Educar implica em provocar “incômodos capazes de gerar transformações também no plano das crenças e dos valores” (LIMA, p.409, 2014), mas para que tais princípios se realizem precisamos de condições institucionais que possibilitem mudanças nas propostas e  práticas educativas, e é neste sentido que devemos destacar a importância do PNE, que mais do que um documento, representa a garantia plena do direito à educação e condições para atingirmos, de fato, a justiça social no país. (Campanha, 2019)

O PNE no Enfrentamento das Desigualdades Raciais

O PNE, enquanto diretrizes, metas e estratégias para a política educacional no período 2014-2024, tem a finalidade de consolidar um sistema educacional capaz de concretizar o direito à educação em sua integralidade (MEC/Inep, 2015). A consecução de suas 20 metas implica na colaboração federativa, a articulação entre os sistemas de ensino, além da cooperação entre os entes federados para o alcance de seus propósitos.

Algumas metas e estratégias do PNE estão voltadas para o enfrentamento das desigualdades sociais e raciais, estruturantes da sociedade brasileira do ponto de vista simbólico e material, questões que abordamos anteriormente. Sendo objetivo deste artigo destacar a SAM como estratégica para a reafirmação do compromisso de educadoras e educadores com o enfrentamento do racismo e sexismo, a partir de agora destacaremos as metas e estratégias que se relacionam com estes temas.

 

1 – Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

 

Meta não cumprida e fundamental para a garantia do direito de todas as crianças de 0 a 5 anos de idade, assim como de mães, pais e familiares, sua oferta expressa os  desafios de qualidade para esta etapa de ensino, as desigualdades a partir da cor e localização geográfica, sendo seu direito e oferta menor em localidades que concentram maior número de população com renda inferior a um salário mínimo, menor índice de escolaridade, sendo a população negra a que têm menor acesso à educação infantil. (Maudonnet, 2016)

Segundo dados da Pnad Contínua 2016,  a taxa de escolarização entre as crianças de 0 a 3 anos (faixa correspondente à creche) foi de 30,4%, o equivalente a 3,1 milhões de estudantes; segundo a cor ou raça, crianças brancas (34,1%) foi maior do que a de pretas ou pardas (27,1%); crianças de 4 e 5 anos (faixa correspondente à pré-escola) a taxa foi 90,2%, o equivalente a 4,8 milhões de estudantes; segundo a cor nesta faixa etária, a taxa de escolarização foi maior entre brancos (91,5%) do que entre pretos ou pardos (89,1%).

Para a igualdade a partir da cor na educação infantil, destacamos algumas estratégias que podem contemplar a população negra:

  • 1.2 – garantir que, ao final da vigência deste PNE, seja inferior a 10% (dez por cento) a diferença entre as taxas de frequência à educação infantil das crianças de até 3 (três) anos oriundas do quinto de renda familiar per capita mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo;
  • 1.3 – realizar, periodicamente, em regime de colaboração, levantamento da demanda por creche para a população de até 3 (três) anos, como forma de planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda manifesta;
  • 1.4 – estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE, normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de consulta pública da demanda das famílias por creches – são fundamentais para garantir o acesso dos grupos mais vulneráveis à educação infantil.
  • A estratégia 1.10 – fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas na educação infantil nas respectivas comunidades, por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e informada – possibilita que sua oferta se realize a partir das especificidades e necessidades das comunidades.

 

2 – Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

 

Como destacamos anteriormente, o ensino fundamental é a etapa onde as desigualdades se apresentam a partir da defasagem idade-série, sendo mais expressivos na população negra, portanto algumas estratégias podem atuar para a reversão desta situação, principalmente com a articulação entre as áreas sociais:

  • 2.3 – criar mecanismos para o acompanhamento individualizado dos (as) alunos (as) do ensino fundamental;
  • 2.4 – fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos beneficiários de programas de transferência de renda, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências na escola, visando ao estabelecimento de condições adequadas para o sucesso escolar dos (as) alunos (as), em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, adolescência e juventude;
  • 2.5 – promover a busca ativa de crianças e adolescentes fora da escola, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, adolescência e juventude;
  • 2.6 – desenvolver tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente comunitário, considerando as especificidades da educação especial, das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas;
  • 2.10 – estimular a oferta do ensino fundamental, em especial dos anos iniciais, para as populações do campo, indígenas e quilombolas, nas próprias comunidades.

 

3 – Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

 

Tendo como foco o ensino médio, que concentra outro grande desafio da educação básica, apresenta estratégias que buscam olhar o indivíduo, suas especificidades e vulnerabilidades, o enfrentamento de preconceitos e discriminações em suas diversas manifestações, além de sua articulação com as políticas de distribuição de renda:

 

  • 3.5 – manter e ampliar programas e ações de correção de fluxo do ensino fundamental, por meio do acompanhamento individualizado do(a) aluno(a) com rendimento escolar defasado e pela adoção de práticas como aulas de reforço no turno complementar, estudos de recuperação e progressão parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo escolar de maneira compatível com sua idade;
  • 3.7 – fomentar a expansão das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à educação profissional, observando-se as peculiaridades das populações do campo, das comunidades indígenas e quilombolas e das pessoas com deficiência;
  • 3.8 – estruturar e fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência dos e das jovens beneficiários(as) de programas de transferência de renda, no ensino médio, quanto à frequência, ao aproveitamento escolar e à interação com o coletivo, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências, práticas irregulares de exploração do trabalho, consumo de drogas, gravidez precoce, em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à adolescência e juventude;
  • 3.9 – promover a busca ativa da população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos fora da escola, em articulação com os serviços de assistência social, saúde e proteção à adolescência e à juventude;
  • 3.10 – fomentar programas de educação e de cultura para a população urbana e do campo de jovens, na faixa etária de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, e de adultos, com qualificação social e profissional para aqueles que estejam fora da escola e com defasagem no fluxo escolar;
  • 3.11 – redimensionar a oferta de ensino médio nos turnos diurno e noturno, bem como a distribuição territorial das escolas de ensino médio, de forma a atender a toda a demanda, de acordo com as necessidades específicas dos(as) alunos(as);
  • 3.13 – implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito ou quaisquer formas de discriminação, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão.

 

4 – Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

 

A meta 4 destaca a universalização para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, que segundo o Censo da Educação 2018 representam 1,2 milhão de matrículas na educação especial, sendo que o ensino fundamental concentra 70,9% destas. Contudo, não apresenta dados desagregados por cor ou sexo, havendo lacunas nas informações sobre a diversidade de pessoas com deficiência, isto é, dados relativos à cor/raça, sexo, renda, territórios que habitam, orientação sexual e identidade de gênero, entre outras questões que devem ser incorporadas para o aprimoramento das informações e alcance desta meta. Relativo ao enfrentamento das discriminações e desigualdades, destacamos as estratégias:

  • 4.3 – implantar, ao longo deste PNE, salas de recursos multifuncionais e fomentar a formação continuada de professores e professoras para o atendimento educacional especializado nas escolas urbanas, do campo, indígenas e de comunidades quilombolas;
  • 4.9 – fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso à escola e ao atendimento educacional especializado, bem como da permanência e do desenvolvimento escolar dos(as) alunos(as) com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação beneficiários(as) de programas de transferência de renda, juntamente com o combate às situações de discriminação, preconceito e violência, com vistas ao estabelecimento de condições adequadas para o sucesso educacional, em colaboração com as famílias e com os órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, à adolescência e à juventude;

 

  • 4.15 – promover, por iniciativa do Ministério da Educação, nos órgãos de pesquisa, demografia e estatística competentes, a obtenção de informação detalhada sobre o perfil das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos.

 

5 – Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental.

 

Aqui destacamos a estratégia 5.5 –  apoiar a alfabetização de crianças do campo, indígenas, quilombolas e de populações itinerantes, com a produção de materiais didáticos específicos, e desenvolver instrumentos de acompanhamento que considerem o uso da língua materna pelas comunidades indígenas e a identidade cultural das comunidades quilombolas – que enfrenta as desigualdades, valoriza a diversidade e busca garantir o direito à aprendizagem.

 

6 – Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.

Para além da ampliação do tempo na escola, a educação em tempo integral possibilita ações pedagógicas multidisciplinares, infraestrutura adequada nas áreas mais vulneráveis e o atendimento às especificidades da comunidade. Destacamos duas estratégias:

  • 6.2 – instituir, em regime de colaboração, programa de construção de escolas com padrão arquitetônico e de mobiliário adequado para atendimento em tempo integral, prioritariamente em comunidades pobres ou com crianças em situação de vulnerabilidade social;
  • 6.7 – atender às escolas do campo e de comunidades indígenas e quilombolas na oferta de educação em tempo integral, com base em consulta prévia e informada, considerando-se as peculiaridades locais.

 

7 – Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb.

Esta meta sintetiza o direito humano à educação de qualidade, com estratégias voltadas para a garantia do direito à aprendizagem, com equidade e igualdade, sendo seu alcance estratégico para a redução das desigualdades na educação. Dentre os desafios a que se propõe enfrentar, destacamos em particular a estratégia 7.23, que frente ao momento atual da educação de veto ao direito de ensinar e aprender sobre gênero e as diversas ações de cerceamento do direito de cátedra, exige que seja assumida integramente no PNE:

  • 7.23 – garantir políticas de combate à violência na escola, inclusive pelo desenvolvimento de ações destinadas à capacitação de educadores para detecção dos sinais de suas causas, como a violência doméstica e sexual, favorecendo a adoção das providências adequadas para promover a construção da cultura de paz e um ambiente escolar dotado de segurança para a comunidade – o enfrento da violência na escola exige a realização de propostas pedagógicas que abordem as questões de gênero, pois possibilita a desconstrução de concepções sobre o masculino e feminino, de hierarquias e opressões; o enfrentamento do sexismo, racismo, da lesbo/homo/bi/transfobia e discriminações correlatas.

Destacamos outras estratégias que reafirmam a necessidade do ensino sobre as relações étnico-raciais e as contribuições das populações negra e indígena para a formação da sociedade brasileira:

● 7.25 – garantir nos currículos escolares conteúdos sobre a história e as culturas afro-brasileira e indígena e implementar ações educacionais, nos termos das Leis nos 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e 11.645, de 10 de março de 2008, assegurando-se a implementação das respectivas diretrizes curriculares

nacionais, por meio de ações colaborativas com fóruns de educação para a diversidade étnico-racial, conselhos escolares, equipes pedagógicas e a sociedade civil;

  • 7.26 – consolidar a educação escolar no campo de populações tradicionais, de populações itinerantes e de comunidades indígenas e quilombolas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e comunitários e garantindo: o desenvolvimento sustentável e preservação da identidade cultural; a participação da comunidade na definição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do tempo; a oferta bilíngue na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, em língua materna das comunidades indígenas e em língua portuguesa; a reestruturação e a aquisição de equipamentos; a oferta de programa para a formação inicial e continuada de profissionais da educação; e o atendimento em educação especial;
  • 7.27 – desenvolver currículos e propostas pedagógicas específicas para educação escolar para as escolas do campo e para as comunidades indígenas e quilombolas, incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades e considerando o fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade indígena, produzindo e disponibilizando materiais didáticos específicos, inclusive para os(as) alunos(as) com deficiência.

 

8 – Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

 

Explicitando foco na escolaridade de jovens da população negra, esta meta de redução das desigualdades, em particular da defasagem idade-série, apresenta estratégias que auxiliam na reversão da situação de exclusão educacional deste grupo populacional, compreendendo a necessidade de busca ativa de jovens e a articulação com as questões de idade, território e renda,  fundamentais para atingir seu público alvo, que segundo SANTOS (2016) são  sujeitos marcados por formas de exclusão que articulam idade, raça, nível socioeconômico e local de residência, e que também exige um olhar matizado para as especificidades das juventudes:

 

As concepções de jovens, jovens e adultos e juventude, que aparecem na Meta 8, constituem recursos de classificação comumente mobilizados pela legislação, pelas políticas públicas e pelos movimentos sociais. Por isso, sob tais designações, incorrem diversos significados, que assumem sentidos plurais em função das culturas, dos contextos históricos e também em relação a outros grupos etários; daí a necessidade de se ter em conta que se configuram como “juventudes”, diante das quais as políticas devem se pautar por uma perspectiva de alteridade frente aos demais grupos sociais. Afinal, a juventude pobre experimenta condições sociais e de acesso educacional diversa daquela vivenciada pelos de maior renda; aqueles que residem no campo lidam com desafios e assumem identidades distintas daquelas dos jovens que vivem nas áreas urbanas, mais especificamente, nos grandes centros; os jovens negros apresentam, no geral, condições socioeconômicas distintas das experimentadas pelos que se declaram brancos.(Santos 2016, p.12)

 

Desta meta, destacamos todas as estratégias:

  • 8.1 – institucionalizar programas e desenvolver tecnologias para correção de fluxo, para acompanhamento pedagógico individualizado e para recuperação e progressão parcial, bem como priorizar estudantes com rendimento escolar defasado, considerando as especificidades dos segmentos populacionais considerados;
  • 8.2 – implementar programas de educação de jovens e adultos para os segmentos populacionais considerados, que estejam fora da escola e com defasagem idade-série, associados a outras estratégias que garantam a continuidade da escolarização, após a alfabetização inicial;
  • 8.3 – garantir acesso gratuito a exames de certificação da conclusão dos ensinos fundamental e médio;
  • 8.4 – expandir a oferta gratuita de educação profissional técnica por parte das entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de forma concomitante ao ensino ofertado na rede escolar pública, para os segmentos populacionais considerados;
  • 8.5 – promover, em parceria com as áreas de saúde e assistência social, o acompanhamento e o monitoramento do acesso à escola específicos para os segmentos populacionais considerados, identificar motivos de absenteísmo e colaborar com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a garantia de frequência e apoio à aprendizagem, de maneira a estimular a ampliação do atendimento desses (as) estudantes na rede pública regular de ensino;
  • 8.6 – promover busca ativa de jovens fora da escola pertencentes aos segmentos populacionais considerados, em parceria com as áreas de assistência social, saúde e proteção à juventude.

 

9 – Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.

No ano de 2017 a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais de idade no Brasil foi de 7,0% (IBGE/Pnad), sem alcançar a meta do PNE (6,5% índice para o ano de 2015), representando cerca de 11,5 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever; idosos na faixa de 60 anos ou mais de idade representam 19,3%; negros representam 9,3% e brancos 4,0%. As taxas são altas, sendo a concretização desta meta fundamental para o princípio da igualdade de direitos do PNE. Destacamos a estratégia 9.8, pois assegura os direitos educativos das pessoas privadas de liberdade, que no ano de 2016 correspondiam a 726.712 pessoas, sendo que 55% estão na faixa etária de 18 a 29 anos e 64% destes são pessoas negras. Com relação à escolaridade, apenas 24% desta população tinha acessado o ensino médio (InfoPen, 2017).

  • 9.8 – assegurar a oferta de educação de jovens e adultos, nas etapas de ensino fundamental e médio, às pessoas privadas de liberdade em todos os estabelecimentos penais, assegurando-se formação específica dos professores e das professoras e implementação de diretrizes nacionais em regime de colaboração.

 

As metas 10 – Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional; e 11 – Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público – reafirmam em suas estratégias a necessária articulação entre políticas e programas destinados às populações vulneráveis e à diversidade de suas condições para o acesso aos bens, serviços e oportunidades que serão disponibilizadas, em particular para as especificidades das comunidades quilombolas (10.3, 11.9); a meta 11.13 visa aumentar a participação racial na educação profissional – reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais no acesso e permanência na educação profissional técnica de nível médio, inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei.

 

12 – Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público.

Ao enfrentar a desigualdade na educação superior, inclusive por meio da expansão da rede, apresenta estratégias que se chocam com as medidas econômicas em vigor que diminuem as obrigações do Estado para a garantia do direito à educação e que violam os princípios do PNE. Destacamos estratégias para a equidade racial na educação superior:

  • 12.5 – ampliar as políticas de inclusão e de assistência estudantil dirigidas aos (às) estudantes de instituições públicas, bolsistas de instituições privadas de educação superior e beneficiários do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, de que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, na educação superior, de modo a reduzir as desigualdades étnico-raciais e ampliar as taxas de acesso e permanência na educação superior de estudantes egressos da escola pública, afrodescendentes e indígenas e de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, de forma a apoiar seu sucesso acadêmico;
  • 12.9 – ampliar a participação proporcional de grupos historicamente desfavorecidos na educação superior, inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei;
  • 12.13 – expandir atendimento específico a populações do campo e comunidades indígenas e quilombolas, em relação a acesso, permanência, conclusão e formação de profissionais para atuação nessas populações.

 

13 – Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) doutores.

Destacamos uma estratégia que ressalta a inserção da educação das relações étnico-raciais, da diversidade e das necessidades das pessoas com deficiências na formação de graduandos(as), sendo recursos que promovem a educação:

  • 13.4 – promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas, por meio da aplicação de instrumento próprio de avaliação aprovado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES, integrando-os às demandas e necessidades das redes de educação básica, de modo a permitir aos graduandos a aquisição das qualificações necessárias a conduzir o processo pedagógico de seus futuros alunos (as), combinando formação geral e específica com a prática didática, além da educação para as relações étnico-raciais, a diversidade e as necessidades das pessoas com deficiência.

14 – Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.

Aqui destacamos as estratégias voltadas para o enfrentamento das desigualdades de raça e gênero, sendo a 14.8 voltada para a redução do hiato de gênero em cursos e carreiras:

  • 14.5 – implementar ações para reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais e para favorecer o acesso das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas a programas de mestrado e doutorado,
  • 14.8 – estimular a participação das mulheres nos cursos de pós-graduação stricto sensu, em particular aqueles ligados às áreas de Engenharia, Matemática, Física, Química, Informática e outros no campo das ciências.

 

15 – Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Integrante do bloco de metas de valorização das(dos) profissionais da educação, que são estruturantes para a realização do PNE e alcance de uma educação de qualidade, destacamos a estratégia:  

  • 15.5 – implementar programas específicos para formação de profissionais da educação para as escolas do campo e de comunidades indígenas e quilombolas e para a educação especial;

 

17 – Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.

A meta 17 dialoga com uma das problemáticas de gênero na educação básica brasileira, pois mulheres representam cerca de 80% do total dos profissionais desta etapa, mas com salários menores e muitas realizam as atividades em condições precárias. (CARREIRA, 2016). Estudo produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação avalia que a meta está muito distante de cumprimento, destacando que no ano de 2013, a renda média das(os) professora(es)  das redes públicas precisava aumentar mais de 30% para ser equiparada à dos demais profissionais. Destacamos como relevante e o desafio que representa implementar a estratégia 17.4

  • 17.4 – ampliar a assistência financeira específica da União aos entes federados para implementação de políticas de valorização dos(as) profissionais do magistério, em particular o piso salarial nacional profissional.

 

18 – Assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os(as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos(as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.

Destacamos a estratégia 18.6:

  • considerar as especificidades socioculturais das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas no provimento de cargos efetivos para essas escolas.

 

19 – Assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.

 

É necessário destacar a meta 19 em razão do veto à gênero no PNE e das intimidações à professores(as) que abordam gênero e raça nas salas de aulas, além de processos de militarização de escolas em curso em diversos municípios. O momento exige que recuperemos a gestão democrática como princípio integrante do PNE, e suas estratégias possibilitam que os quatro fundamentos do direito humano à educação sejam respeitados: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade.

 

20 -Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.

 

A meta 20 e suas estratégias são decisivas para a concretização do PNE, para a efetivação de uma política educacional que garanta o direito de todas e todos. Contudo sua realização está sendo inviabilizada por uma concepção de política econômica descomprometida com a equidade e a justiça social. Conforme destacado por Andressa Pellanda (2019)

 

Desde 2015 a gente vem vendo cortes na educação. O primeiro foi ainda no governo Dilma, depois houve a aprovação da emenda do teto de gastos que asfixia políticas educacionais e sociais. Agora estamos vendo um grande desmonte, estávamos em um cenário ruim, mas tínhamos a perspectiva de manter um teto, agora com novos cortes vamos ver um processo de retrocesso e de sucateamento. 

 

Estamos frente a um cenário que interrompe violentamente processos incipientes realizados nas últimas décadas para a reversão das iniquidades de raça e gênero, mas que não conseguiram estancar padrões de reprodução das desigualdades em função da cor/raça, renda, deficiência, regionalidade, pertencimento religioso, identidade de gênero, orientação sexual, local de moradia (campo/urbano), que se interseccional com as questões das políticas universais da educação, como curriculares, avaliação, financiamento, formação de profissionais de educação, material didático, gestão democrática, infraestrutura, entre outros.

As metas e estratégias do PNE demonstram compromissos com uma política educacional que, ao reconhecer as desigualdades e iniquidades, apresenta possibilidades para a redução das disparidades. Portanto, estamos diante da necessidade de engajamentos amplos para a conquista deste fim.

Considerações Finais

A centralidade do debate educacional nas aprendizagens e nas políticas de avaliação impossibilita a reflexão sobre as desigualdades de gênero e raça na educação, questões invisíveis e consideradas irrelevantes no ensino fundamental, mas que estruturam os desafios da educação brasileira e constituem obstáculos para o desenvolvimento das habilidades, em particular de leitura, escrita e matemática de grande parte dos e das estudantes.

As percepções acerca da relevância desses marcadores podem ser averiguadas no próprio processo de construção do PNE, que resultou do esforço participativo e colaborativo de diferentes segmentos com longa trajetória de atuação pedagógica e política, e também de análise sistêmica de dados e conjunturas em função da redução das desigualdades educacionais, como é o caso do Movimento de Mulheres Negras e do Movimento Negro.

Contemplar as questões de gênero e raça nas ações pedagógicas é atuar para a melhoria dos dados de desempenho, da capacidade de compreensão do ambiente social e político, das tecnologias, das artes e dos valores em que se fundamentam a nossa sociedade; na formação de atitudes e valores; no fortalecimento dos laços de solidariedade, tolerância, solidariedade e respeito que construirão novas relações sociais no espaço escolar.

Igualdade e democracia são questões estratégias para a reversão das desigualdades sociais e na educação em particular, pois atualmente convivemos com a disputa de diferentes projetos de sociedade e de educação, da valorização da ação competitiva predatória em detrimento da construção colaborativa, em que os temas gênero e raça são colocados em oposição às práticas educativas, com reflexos negativos para quem ensina e/ou para quem aprende.

 

Referências:

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Semana de Ação Mundial –  https://www.semanadeacaomundial.org/


Suelaine Carneiro Socióloga, feminista, mestre em Educação, integrante de Geledés Instituto da Mulher Negra.

Tânia Portella: Jornalista, pesquisadora, mestre e doutoranda em educação.

 

 

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