Precisamos falar sobre o meu, o seu, o nosso preconceito

Somos o país que mais mata transexuais no mundo.

Os jovens negros do Brasil são vítima de genocídio do Estado.

O Brasil é desigual, racista, misógino, homo e transfóbico.

Por Bárbara R. Mota, do HuffPost Brasil 

Está na hora de falarmos mais sobre isso, e precisamos começar reconhecendo que é possível ser mulher e misógina. Ser negro e racista. Ser gay e homofóbico.

O nosso preconceito é tão institucionalizado que há mulheres contra o feminismo. Há homossexuais que dizem que não precisamos da Parada do Orgulho Gay. Há negros que dizem que não precisamos lutar contra o racismo, e o Pelé é o exemplo maior desse desserviço.

E eu digo isso como uma mulher gay parda, lutando diarimente contra minha misoginia, minha homofobia e meu racismo. Sabendo que cada dia que eu não me posiciono, é mais um dia que mulheres, pessoas LGBTQ e negros sofrem agressões inimagináveis pra mim, parte da elite financeira do país.

Mas não isso não foi tão claro pra mim desde sempre.

Eu me assumi gay por volta dos 19 anos. A reação da minha família não foi das melhores, mas também não foi das piores. E a minha reação, idem. Passei a viver mais livremente, namorar e assumir namoros para pessoas próximas e com a cabeça mais aberta, mas tinha uma postura bastante reservada no meu ambiente de trabalho e, em geral, com pessoas que eu considerava mais conservadoras.

“Ninguém tem nada a ver com a minha vida pessoal” ou “por que gerar um desconforto?”, eu dizia, como justificativa para não falar sobre o assunto. Além, é claro, de um instinto de proteção – não querer me tornar alvo de preconceito se eu pudesse evitar. Essa era, inclusive, a maior preocupação da minha mãe, uma mulher que sofreu muito preconceito na vida por ser filha de um homem casado com uma mulher que não era sua esposa.

Eu não queria ter que levantar bandeiras ou ter que sair do armário em cada interação social, achando que isso era agir com naturalidade. E alguns eventos me obrigaram a rever essa posição.

O primeiro foi ver uma pessoa que eu admiro, o vice-presidente de uma grande empresa global – um homem gay, negro e de origem pobre – falar aberta e naturalmente que era gay em uma palestra para um auditório lotado. Mesmo em 2010, aquilo me pareceu um ato de coragem. E escutei de uma colega de trabalho que ele podia falar, porque já tinha subido na vida. Para mim, segundo ela, não valeria a pena me expor e perder oportunidades.

O segundo foi uma outra pessoa que eu admiro, ao me fazer uma oferta de trabalho, listar entre as minhas qualidades a minha “discrição”, no que me pareceu uma clara referência ao fato de eu não falar abertamente sobre a minha orientação sexual. O ano era 2013. Eu não aceitei a oferta e fui pra casa me sentindo suja. Percebendo que o preconceito, afinal, era meu.

O terceiro foi gradual. Não há um ano específico para o impacto de ler notícias sobre pessoas sendo agredidas ou mortas pelo simples fato de não seguirem a heteronormatividade, por depositarem seu afeto em alguém do mesmo sexo, por se vestirem de uma maneira diferente. Cada notícia doía em mim e me mostrava que eu precisava me posicionar, diariamente.
Porque eu faço parte de uma elite e, graças a militância de gerações anteriores, nessa situação privilegiada eu não sofreria as agressões que pessoas em contextos menos favorecidos ou mais conservadores sofrem, diariamente. Passa a ser minha responsabilidade fazer algo a respeito disso.

É claro que não é preciso fazer parte de um setor marginalizado para lutar por um mundo mais justo. Seria de se esperar que qualquer ser humano quisesse que um tratamento humano fosse o modus operandi da sua sociedade. O discurso ainda vigente de “bandido bom é bandido morto”, no entanto, nos mostra o contrário.

E enquanto membros desses grupos, principalmente aqueles em situações financeiras mais privilegiadas, não se posicionarem, vai ser muito difícil fazer alguma diferença.

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