Precisamos retomar nossas raízes feministas

No Dia Internacional da Mulher, a colunista Stephanie Ribeiro lembra que o 8 março é uma data política: “Nossa existência enquanto mulheres ainda é de sobrevivência, logo, estamos aqui falando e fazendo política. Enquanto o direito sobre nosso corpo nos for negado pelo Estado, nós continuaremos falando e fazendo política. Ser feminista é um ato político coletivo”

POR Stefhane Ribeiro

Nem tudo que está ligado às raízes pode ser entendido como conservador. No que diz respeito a luta de mulheres, relembrar como esses caminhos foram pavimentados faz parte da nossa luta para que ela seja sempre coerente e uma vanguarda. Por isso, sempre discordei da ideia que via em alguns grupos virtuais de feminismo:

Tal teoria não me serve.

Como podemos saber se a gente não leu? E realmente é justo entender que a produção de feministas não nos vale? Evidentemente não. Inclusive, mesmo que o contato com o que já foi feito, seja para gerar discordâncias e críticas, esse contato é necessário, pois a produção de mulheres não pode ser menosprezada. Além disso a democracia pressupõe ideias divergentes, teorias feministas diferentes nos alimentam para criar nossa própria linha de pensamento. Teorias escritas por mulheres importam, e não podemos, nem devemos negar mulheres que por séculos têm pensado seu lugar e papel político, mesmo antes da palavra feminista ser um fato. Claro, isso não significa dizer que todas precisamos ser estudiosas acadêmicas sobre feminismo, tampouco esquecer da importância das nossas vivências. Mas é fato que, num mundo de políticas neoliberais, é preciso se ater às nossas raízes para não  deixarmos desvirtuar o verdadeiro sentido dessa luta.

Por isso, quando pensei nessa data do dia 8 de março, me lembrei do livro Revolução das Mulheres – Emancipação Feminina na Rússia Soviética, lançado pela Boitempo a mais ou menos um ano, e que vem sendo meu livro de criado-mudo desde então. Estamos, sem dúvidas, como a sua narrativa deixa evidente, a caminhar ainda para essa nova consciência política e social do lugar da mulher:

Seria mais adequado dizer que a consciência não despertou, mas ainda está despertando. Pois não é fácil encontrar um caminho até a formação de um novo caráter feminino por intrincados labirintos, preconceitos, tradições e reminiscências do passado, que talvez tenham sido úteis em algum momento, excepcionalmente, para aquela cultura masculina na qual vivia a humanidade (Ariadna Vladímirovna Tirkóva – Williams)

O livro traz textos de mulheres russas, vivendo o mesmo período histórico do início do século XX, mas que tinha focos e opiniões divergentes sobre as mesmas questões. Mesmo que todas acreditassem que, num mesmo modelo político, suas análises em formas de textos curtos são múltiplas. O debate político dessas mulheres foi um alento, e também me gerou preocupação, por sentir que estamos tão próximas mesmo que tão distante delas.

Ainda pedimos creches, ainda queremos ter acesso ao aborto, ainda debatemos trabalho doméstico e prostituição como fazeres totalmente ligados às obrigações e não escolha de mulheres, ainda discutimos nosso apagamento político dentro de partidos. Ainda, existe muito para caminhar, por isso, nosso foco tem que ser claro, mesmo com nossas diferenças, para que nossas pautas não sejam absorvidas por empresas e marcas que trocam as flores e chocolates por publicidades e produtos “empoderados”, enquanto continuam oprimindo suas trabalhadoras, com salários menores, com o fim da carreira pós-maternidade, com a permissão de assédios e com regras racistas sobre “boa aparência”.

Estamos em guerra contra um tronco patriarcal, que só será destruído caso nossa atuação seja coletiva e não desviada por quem não quer de fato se comprometer com mulheres. A retirada do viés coletivo, com o entendimento que feminismo é tipo uma blusinha que você compra e veste, e quando cansa de usar, pode trocar, tira totalmente o sentido dessa luta. Afinal, ser feminista está longe de ser sexy, de ser cool, de ser descolado. Dane-se como nos parecemos e o que usamos, queremos ser vistas como sujeitos. Evidentemente, isso ainda não acontece se ainda temos medo de andar nas ruas com uma roupa curta e alguém nos tocar. Afinal, somos vistas como objetos públicos, e não com sujeitos plenos em nossa subjetividade.

Ser feminista é estar em guerra contra o que oprime todas nós, por isso, pare de dizer que você é uma “feminista imperfeita”. Quando você faz uma escolha sobre si, que você acha que não se enquadra do que é “ser feminista de verdade”. Se estamos nos desenhando enquanto indivíduos precisamos ter muito claro que isso significa fazer escolhas, contudo, se estamos nos reivindicando feministas, o fazer coletivo e a análise sobre nosso contexto fazem parte das nossas decisões.

Feminismo não é de longe uma luta individual, tampouco que resolvemos neste ano. Afinal, ser feminista é também sobre RESPONSABILIDADES a longo prazo para com todas as mulheres. Por o fardo ser tão grande, e por já estarmos cansadas, muitas vezes tentamos nos poupar e poupar as outras que nos cercam. Tirando dessas algumas responsabilidades mínimas sobre o que significa ser feminista, tanto que muitas mulheres no primeiro momento que podem falar se preocupam em ficar justificando “ei, sou feminista e sou legal, sequer odeio homens, só quero igualdade”. Elas parecem se esquecer que essa suposta igualdade que almejam sequer é a mesma igualdade que eu almejo. Na atual conjuntura, eu, mulher e negra, quero estar em pé de igualdade com uma mulher branca, mas evidentemente eu percebo que mulheres brancas estão almejando a igualdade em relação a homens brancos.

Quando falamos então dessa igualdade estamos falando de quem?

Essa pergunta foge da boca de mulheres que, no estilo Emma Watson, dizem coisas bonitas, esquecendo de seus lugares sociais e dos recortes necessários para que não apaguem as inúmeras camadas da luta de gênero. Sinto também nessa frase, e em algumas outras, que é constante a preocupação com o que os homens vão pensar sobre nós, ou até mesmo em mostrar para eles o quão “fantástico” é eles apoiarem nossa luta. Será que nos preocupamos como as “outras” estão nos enxergando da mesma forma que nos preocupamos com os homens?

Vejo que essas amarras parecem bobas, mas são fruto da nossa socialização, que nos faz sempre se preocupar mais com o que os homens acham, do que ampliar nossas barreiras para que outras nos apoiem. Se diz tanto sobre a tal sororidade, e ainda não vemos as outras mulheres em pé da tal igualdade que queremos, achando que está tudo resolvido com as mulheres, e que agora precisamos lembrar o quão lindo é um cara “feminista”.

Não estou dizendo que homens não têm responsabilidade nessa luta. Claro que têm! Se estão na sociedade como nós, é um problema deles o que nos atinge. Mas eu ando cansada de como sempre as mulheres marcadas por sua cor, sexualidade, classe, são os Outros do próprio feminismo, quando perdemos nossa responsabilidade coletiva.

Por isso queria lembrar que 8 março é data política. Nossa existência enquanto mulheres ainda é de sobrevivência, logo, estamos aqui falando e fazendo política. Enquanto o direito sobre nosso corpo nos for negado pelo Estado, nós continuaremos falando e fazendo política. Ser feminista é um ato político coletivo. Seja feminista não porque você acha que ter um cabelo feminista, uma roupa feminista, um perfume que  te faz mostrar “força”. Seja feminista porque ser feminista é traçar sua humanidade por meio de uma luta coletiva, e sua humanidade não está no que você vai adquirir com dinheiro, mas em trocar conhecimento e luta com outras mulheres. Afinal, a pauta feminista pode estar em “alta”, mas ser mulher não está.

“Quando mulheres andam juntas… quando mulheres trabalham juntas… Mulheres são fenomenais juntas! – Nicholle Kobi (Foto: Nicholle Kobi/Reprodução Instagram)

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