Preconceito e ilegalidades marcam ações da PM em bailes Funk nas periferias

 

Reportagem do Brasil de Fato flagrou ação violenta da Polícia Militar em uma festa realizada na cidade de Cotia, na Grande São Paulo; perseguição ao chamado “pancadão” é rotina em comunidades carentes.

José Francisco Neto,

 

Popularmente conhecidos como pancadões, os bailes funk nas periferias de São Paulo têm sido cada vez mais perseguidos pela Polícia Militar. Na ausência de espaços de lazer nas comunidades carentes, jovens se reúnem aos finais de semana para se divertirem nesses eventos que, muitas vezes, chegam a ser frequentados por milhares de pessoas.

A reportagem do Brasil de Fato acompanhou um desses encontros, no dia 14 de março, na cidade de Cotia, que faz limite com a zona oeste da capital paulista, e flagrou a ação violenta da PM.

Na madrugada seguinte, por volta das 3h50, os policiais invadiram sem mandado judicial a residência de dona Maria, que cedeu sua casa para a comemoração do aniversário de um amigo de seu filho.

Preconceito e ilegalidades marcam ações da PM em bailes Funk nas periferias

 

O som já estava desligado quando a PM chegou. Mesmo assim, nada segurou a violência de um oficial que, além de bater em uma adolescente com cassetete, ainda fez agressões racistas. Dona Maria não vê justificativa para tamanha truculência.

                                            “Eu não sei como os outros policiais que são negros não se envergonham de andar com um homem daquele. Porque ele gritava que se você fosse preto, pobre e favelado, ele detestava, tinha nojo.”

Equipamento apreendido

A ocorrência teve participação de seis viaturas. Os policiais militares invadiram a propriedade com cassetetes e spray de pimenta nas mãos. Três pessoas foram levadas para a Delegacia, e os PMs ainda apreenderam toda a aparelhagem de som utilizada na festa, que pertence a um coletivo cultural da comunidade.

Wesllen de Souza, um dos membros do coletivo, relata que a apreensão da aparelhagem trará prejuízo para toda a comunidade. Isso porque, segundo ele, o dinheiro que vinha do aluguel do equipamento é todo revertido para a construção física do Espaço Cultural Mandacaru, nome do futuro centro comunitário do bairro, ainda em construção.

Preconceito e ilegalidades marcam ações da PM em bailes Funk nas periferias

 

“A construção do espaço está parada agora. Foi afetada. Estamos pedindo solidariedade dos movimentos, das organizações, para ver se conseguimos levantar um dinheiro para repor esse som, para que a gente não pare as atividades, porque não podemos deixar que eles calem a nossa voz.”

Segundo o delegado Élcio Luiz Bellini, o equipamento, que contém oito caixas, uma mesa, duas potências e um computador, será encaminhado para a perícia, não havendo previsão de devolução antes de três meses.

A reportagem acompanhou os detidos, que só foram liberados às 14 horas, e verificou que o delegado não ouviu o depoimento da proprietária da casa, somente dos PMs.

Na avaliação de Silvio Cabral, advogado que acompanha o caso, há uma “porção de ilegalidades” nessa atuação da polícia. Para ele, a PM agiu com preconceito pelo fato de a festa ter sido em um bairro periférico.

“Eu duvido se eles chegariam num condomínio de luxo, descendo o porrete em todo mundo, prendendo todo mundo e levando o som. Agora quando é na periferia chegam metendo o arreio. A lei tem que valer pra todos.” 

Outras quebradas

A forma violenta com que os policiais chegam nos bailes Funk nas periferias é a mesma. Não avisam previamente para abaixar o volume do som. Já chegam com cassetetes, bombas e spray de pimenta para jogar nas pessoas. É o que relata Jonas Mariachi, morador de Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo.

“Me bateram com cassetete, quebraram meu queixo. Até hoje eu não consigo me alimentar direito. Não teve nenhum aviso. Eles já chegaram jogando bomba no meio do pessoal. Bateram em um monte de gente”, relata.

Preconceito e ilegalidades marcam ações da PM em bailes Funk nas periferias

 

Mariachi, que tem 25 anos, participava de um “pancadão” na sua comunidade, quando, inesperadamente, foi agredido pelos policiais.

Ele ainda disse que não só onde ocorria o evento, mas a PM cerceou todo o bairro. “Espancaram, inclusive, uma menina que estava grávida. Não só invadiram onde estava tendo o pancadão, mas também cercaram e bateram em todo mundo que se espalhava pelo bairro todo.”

O funkeiro Jorge Augusto, mais conhecido como Mc Jorginho PDR, faz shows todo final de semana em pancadões nas periferias de São Paulo. Ele disse ao Brasil de Fato que já presenciou esse tipo de ação violenta da PM por várias vezes. A mais truculenta, segundo o MC, foi no Jardim Jaqueline, na zona oeste de São Paulo. 

“Eu estava atrás do palco pronto pra cantar. Aí subi no palco, esperei o Dj arrumar as coisas e, do nada, só vi uma bomba cortando o céu. Depois começou a vir tiro de bala de borracha e todo mundo correu. Várias meninas sendo pisoteadas, vários manos perdendo o tênis e os PMs só atirando pra cima. Bagulho foi louco”, relata.

Jorginho ainda diz que as pessoas se acostumaram a frequentar os pancadões nas ruas, mas ele não rejeita a ideia de ser feito em lugares fechados. “Ia ser da hora também se tivesse esses espaços. É perseguido porque é na favela, mano. Se fosse em outro lugar, duvido que os caras iam chegar desse jeito.”

Funk legalizado?

Na capital, no início do ano, o prefeito Fernando Haddad (PT) vetou o Projeto de Lei que proibia a realização de bailes funk em locais públicos. O projeto, apresentado pelos ex militares Conte Lopes (PTB) e Coronel Camilo (PSD), havia sido aprovado pela Câmara e dependia da sansão do prefeito.

Haddad, no entanto, justificou o veto dizendo que “o assunto já se encontra equacionado e disciplinado pela legislação municipal, tanto no que concerne à necessidade de prévia autorização para os eventos musicais temporários como, sobretudo, quanto a implementação de medidas fiscalizatórias.”

Porém, mesmo não tendo sido jogado na ilegalidade, os bailes Funk nas periferias continuam sendo alvos das polícias, que invadem as comunidades com força e abuso de poder.

 

 

 

 

Fonte: Brasil de Fato

 

 

 

 

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