A ciência também é coisa de menina
Quantas mulheres pesquisadoras que atuam no mundo das ciências você conhece? E quantas delas são negras?
Embora o racismo e o machismo enraizados na sociedade brasileira as invisibilizem e tornem difícil elencar um número considerável desses nomes, as pesquisadoras são muitas e ocupam cada vez mais espaço na produção científica de diversas áreas do conhecimento.
Com o objetivo de ecoar o trabalho dessas profissionais, o grupo de extensão Meninas e Mulheres nas Ciências, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) produz uma série de materiais didáticos e lúdicos que nos permitem entrar em contato com trajetória e conquistas dessas mulheres.
Acessando o livro de passatempos online Cientistas Negras: Brasileiras, por exemplo, é possível conhecer a história de Sônia Guimarães, primeira mulher negra brasileira a ser doutora em Física e primeira professora negra do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), por meio de um caça-palavras.
É também procurando termos selecionados da biografia de cada pesquisadora que o público pode se aproximar de Enedina Alves Marques, primeira engenheira do Brasil, da obra antirracista e feminista de Lélia Gonzalez, assim como conhecer a produção de Sueli Carneiro, Katemari Rosa, Conceição Evaristo, Neuza Santos Souza, Rita de Cássia dos Anjos, Luiza Barros e outras.
Segundo Camila Silveira, docente do curso de Química da UFPR e coordenadora do grupo de pesquisa, marcadores sociais discriminatórios excluem, historicamente, grandes e importantes cientistas do gênero feminino.
Na maioria das vezes, elas estão ausentes dos materiais didáticos e suas contribuições não são conhecidas. Quando se trata de mulheres negras, a invisibilidade é ainda maior e o acesso ao mundo acadêmico mais restrito.
“Ainda temos um número muito pequeno de cientistas negras ocupando as Universidades, os espaços da ciência, os grandes espaços da comunidade científica. Decidimos fazer esse livro na perspectiva de uma reparação histórica porque quando vamos ler sobre as cientistas negras localizamos lacunas de referência. Queríamos fazer uma reverência às intelectuais negras, no sentido de prestar uma homenagem e reconhecer o trabalho dessas mulheres”, afirma Silveira.
O grupo também desenvolveu um Jogo da Memória online com ilustrações das cientistas negras, de autoria de Marcelo Jean Machado, para que seus rostos e produções se tornem cada vez mais conhecidos.
Outro objetivo da iniciativa é romper a barreira de papéis sociais machistas impostos para as garotas desde muito novas, que determinam quais seriam as “profissões para mulheres”, excluindo-as de diversos espaços.
Mas, assim como centenas de outras mulheres, a estudante Gabriela Ferreira está ai para mostrar que a área da ciência não é só para homens.
Aos 22 anos, cursa o 9º semestre do curso de Química da UFPR e participa do grupo de extensão desde que foi criado oficialmente em março do ano passado.
Ela destaca que os passatempos têm a potência de inspirar e fazer outras meninas enxergarem a carreira científica como uma possibilidade para suas vidas.
“Durante muito tempo essa possibilidade não existiu. As mulheres não tinham acesso à educação, não eram aceitas em universidades e ficavam excluídas da produção do conhecimento científico. Depois da luta feminista de mulheres incríveis, que foram precursoras e abriram caminhos para gente, hoje temos direito a entrar em qualquer universidade e fazer o curso que a gente quiser”, afirma Ferreira.
A jovem ressalta que a representatividade é essencial para que a sociedade desconstrua a ideia de que a ciência é masculina.
“A ciência também é coisa de menina, também é um espaço nosso. Podemos e precisamos ser protagonistas”, defende. “Existiram e existem muitas mulheres trabalhando muito nas ciências que muitas vezes permanecem no anonimato. Não ouvimos falar delas nas escolas, na universidade. Às vezes quando ouve é uma ou outra. Durante minha graduação eu só ouvi o nome da Marie Curie em uma única disciplina e estou quase me formando”, critica a estudante.
Formato acessível
Uma das coisas que mais chama atenção nas atividades desenvolvidas pelo Meninas e Mulheres nas Ciências é a forma em que o conteúdo é apresentado. Por ser interativo e didático, pode ser utilizado individual ou coletivamente, sem restrição de público.
“Escolhemos falar na perspectiva dos passatempos por acreditar que é uma linguagem mais convidativa”, explica Camila Silveira.
“As informações têm sido disseminadas por meio de caça-palavras, palavras cruzadas, desenhos para colorir, jogos de memória e quebra-cabeça. É uma linguagem que tem atraído um público bastante diverso. Temos notado que com essa abordagem lúdica temos chegado a pessoas de diferentes idades, perfis e escolaridade”, comemora a professora de química.
Covid-19
Além da publicação sobre as cientistas negras brasileiras, o projeto também produziu o livreto Mulheres cientistas: Coronavírus, com caça-palavras e outros passatempos que contam a história de pesquisadoras que, seja no passado ou atualmente, contribuíram no combate à pandemia.
O material traz um resgaste histórico de trabalhos que foram fundamentais para que a doença e a estrutura do vírus fosse conhecida e descrita, assim como a atuação de profissionais contemporêneas.
“Cientistas que estão trabalhando nesse momento com o sequenciamento genético, com a produção de medicamentos, vacina, pesquisas na área da modelagem matemática e comportamento social. Fomos mapeando essas cientistas que são centrais para que possamos entender a doença quanto os assuntos relacionados a ela”, diz a docente Camila Silveira.
Entre as profissionais homenageadas está a brasileira Ester Sabino, médica, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que juntamente com sua equipe, conseguiu sequenciar o genoma do novo coronavírus em dois dias. Em outros países, a média de tempo foi de 15 dias.
A biomédica Jaqueline Goés de Jesus, uma das jovens pesquisadoras que integra o grupo de Sabino, também é citada. Os resultados dos mapeamentos genéticos são cruciais para a entender como a doença se distribui, quais são os fatores responsáveis pela sua distribuição e quais os melhores meios de controle e prevenção.
Goés também integra a Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes.
A obra endossa ainda o trabalho de June Almeida, virologista que descobriu o primeiro coronavírus no ano de 1964 em Londres, entre outras profissionais que ajudar a construir esse legado.
Na página inicial do site do Mulheres e Meninas nas Ciências também é possível acessar conteúdos publicados semanalmente sobre as pesquisadoras e ganhadoras das diversas categorias do Nobel ao redor do mundo.