Quando tenho a oportunidade de viajar pelo país sou tomada por um mix de orgulho, deslumbramento, felicidade e indignação. Orgulho de fazer parte deste povo tão diverso, criativo e generoso —apesar de tudo. Deslumbramento pelas incontáveis belezas naturais e pela riqueza cultural de todas as regiões. Felicidade pelo privilégio de poder conhecer um pouco da minha pátria. A indignação é com o quanto a nação desconhece a si mesma, desperdiça potencialidades, nega oportunidades, fomenta a miséria, maltrata seu povo.
Às margens do “Velho Chico”, como é carinhosamente chamado o São Francisco, um dos mais importantes rios do Brasil, me vi tomada por esses sentimentos ao conversar com dois jovens negros. Além da pele preta e da idade, 20 anos, ambos têm em comum o abandono dos estudos antes do ingresso no ensino médio para trabalhar na prestação de serviços e a carência de perspectiva de futuro.
Um deles singra pelo rio carregando turistas por entre os Cânions do Xingó, em Canindé do São Francisco (SE). Há três anos é canoeiro. Começou na atividade depois de tentar a vida em SP. “Não queria repetir a sina dos homens da minha família”, conta. Até aqui, não deu certo. Por falta de orientação, acabou trocando a educação pelos remos.
O outro trabalha como garçom no Mirante Secular da cidade histórica de Piranhas (AL). Sabe dar informações precisas sobre as rotas turísticas. Na teoria, conhece bem as cercanias da localidade visitada por dom Pedro 2º, em 1859. Mas nunca pisou na Trilha de Lampião e tampouco esteve nos cânions. “Um dia eu vou”, diz.
Às margens do maior rio totalmente brasileiro, ambos dão vida a estatísticas sobre desigualdades socioeconômicas relacionadas à questão racial vigentes não há anos, nem décadas, mas há séculos. Fez lembrar a música “Querelas do Brasil”, de Aldir Blanc e Mauricio Tapajós: “(…)O Brasil nunca foi ao Brazil(…)/O Brazil não merece o Brasil(…)/Do Brasil, s.o.s ao Brasil.