Raça e gênero no sistema de ensino: Os limites das políticas universalistas na Educação

As análises dos indicadores sociais desagregados por raça vêm evidenciando as desigualdades raciais presentes no Brasil e se constituindo num dos instrumentos mais contundentes de questionamento da decantada democracia racial brasileira, conferindo autoridade às denúncias dos movimentos negros contemporâneos sobre as diferenças de direitos e oportunidades existentes em nossa sociedade em prejuízo da população negra.

Autor: Ricardo Henriques

Fonte: Dominio Público

A síntese dos estudos sobre as desigualdades raciais pode ser resumida na frase que já se tornou um lugar-comum: “pobreza tem cor no Brasil, é negra.” Como agravante, há uma excepcional concentração da pobreza entre as crianças e jovens negros na faixa etária de 0 a 14 anos, como mostra esse estudo de Ricardo Henriques.

Dentre os fatores de reprodução das desigualdades raciais, a educação ocupa lugar privilegiado pelo peso decisivo que ela tem, como diz o autor, sobre “as chances de integração do indivíduo na sociedade e de sua capacidade de mobilidade ou ascensão social” em nossa sociedade.
Apesar dessa importância que a educação tem no Brasil, como fator de mobilidade social, ela tem sido utilizada, muitas vezes, como instrumento de ocultação das conseqüências sociais do racismo, na medida em que as diferenças educacionais, evidenciadas entre brancos e negros, são usadas para justificar as desigualdades raciais, negando-se, assim, a prevalência de práticas discriminatórias de cunho racial no acesso e permanência da população negra nos ciclos formais do sistema educacional.
O efeito tornado causa encobre os mecanismos ideológicos e as práticas sociais excludentes que determinam a performance diferenciada dos grupos raciais no tocante à educação, perspectiva que não escapa à observação de Ricardo Henriques.

Outros autores vêm evidenciando, também, que concorrem negativamente na performance dos alunos negros, a pobreza material e privação cultural das famílias negras, os estereótipos negativos ligados ao negro no imaginário social e presentes na escola, nos instrumentos didáticos, nas relações entre os alunos; o sentimento de abandono que as crianças negras carregam pela omissão dos professores diante das situações de humilhação racial de que elas são vítimas no cotidiano escolar, quando não são os próprios professores os agentes da discriminação, como bem demonstrado nos trabalhos de Eliane Cavalleiro. Por fim, sobretudo tem sido determinante nesse processo a incapacidade e/ou ausência de vontade política no sistema educacional para ofertar ensino público de qualidade às populações negras e pobres. Apesar dessas condições, que produzem o pior desempenho e as mais altas taxas de retenção e evasão escolar dos alunos negros, autores, como Fúlvia Rosemberg, ressaltam em seus estudos a grande persistência do alunato negro em permanecer ou retornar à escola.
Esse trabalho de Ricardo Henriques expõe outra dimensão perversa dessas contradições: a intercessão de raça e gênero na educação. Uma articulação de variáveis que tornam os meninos negros o segmento que apresenta maior defasagem educacional, e as meninas negras o segmento mais vulnerável em termos de inserção social no futuro.

Porque, embora os dados aqui apresentados sejam consistentes com a maioria dos estudos sobre mulher e educação, que demonstram que para todos os grupos raciais as mulheres apresentam índices de escolarização superiores aos dos homens, sabe-se, também, que essa vantagem educacional das mulheres não se desdobra em melhores salários e alocação em termos ocupacionais no mercado de trabalho compatíveis com o desempenho escolar.

Os estudos recentes sobre a mulher no mercado de trabalho revelam que as mulheres precisam de uma vantagem de cinco anos de escolaridade para alcançar a mesma probabilidade que os homens têm de obter um emprego no setor formal.

Para as mulheres negras alcançarem os mesmos padrões salariais das mulheres brancas com quatro a sete anos de estudos elas precisam de mais quatro anos de instrução, ou seja, de oito a onze anos de estudos. Essa é a igualdade de gênero e de raça instituída no mercado de trabalho e o retorno que as mulheres, sobretudo as negras, têm do seu esforço educacional.

As desigualdades educacionais, manifestas entre meninas brancas e negras, irão reproduzir e perpetuar as hierarquias sociais consagradas, que destinam às mulheres brancas as melhores ocupações no mercado de trabalho malgrado a persistência da discriminação de gênero, sobretudo em termos de rendimento.
Esse estudo, pela massa de informações quantitativas produzidas, consiste em subsídios importantes para o desenho, formulação e implementação de políticas públicas na área de educação que tenham a eqüidade de gênero e raça como um dos seus fundamentos e que contribuam para reverter, no futuro, o destino social que condena as meninas negras a engrossarem, quando adultas, o exército de mão-de-obra feminina confinado nas piores ocupações do mercado de trabalho. Políticas que enfrentem, em seu âmago, a necessidade de uma pedagogia anti-racista como uma das condições
para o rompimento dos mecanismos reprodutores das desigualdades educacionais que reverberam negativamente nas outras dimensões sociais da vida dos negros brasileiros.

 

Ricardo Henriques nos mostra as conseqüências produzidas pelas práticas contemporâneas de exclusão racial e pela herança de desigualdade produzida na história sobre o desempenho educacional dos alunos negros, segundo ele, “discriminações derivadas, em parte, no interior do sistema educacional, e outra derivada da herança da discriminação infligida às gerações dos pais dos estudantes.”

Outras pesquisas nos informam como as humilhações e rejeições no ambiente escolar impactam negativamente a capacidade cognitiva das crianças negras. Todos esses estudos demonstram a urgência de investimento na formação de professores para uma educação anti-racista. Neste sentido,
as experiências exemplares que já vêm sendo desenvolvidas, sobretudo pela sociedade civil, são passíveis de ser apropriadas pelos gestores públicos para a formulação de políticas públicas que incidam sobre a qualidade do ensino, em particular na dimensão da consolidação de padrões éticos de eqüidade de gênero e de raça. Dentre as violências experimentadas pelas crianças negras, está a negação do direito a uma imagem positiva que tem, particularmente sobre a auto-estima das meninas negras, o seu efeito mais danoso, sobretudo pela importância que a valorização estética tem sobre a condição feminina em nossa sociedade.

Os dados aqui apresentados podem ser ponto de partida e inspiração para que outros pesquisadores possam aprofundar a nossa compreensão sobre a articulação de gênero e racismo no desempenho das meninas e dos meninos negros, no tocante à educação, posto que chama também a atenção nesse estudo o fracasso escolar dos meninos negros, fenômeno recorrente também em outros países, que nos conduz a considerar como tema importante na agenda de pesquisas dessa área a problemática das masculinidades subalternizadas na educação.

 

Sueli Carneiro

 

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