Numa tarefa rotineira, João* se dirigiu para o prédio de uma “grande marca”** à qual sua empresa presta serviços, para entregar uma pequena caixa.
Por Caique Lima, do DCM
Ao chegar lá, foi revistado, interrogado e barrado por um segurança recém-contratado, que o mandou usar o elevador de serviços.
Ele foi ao local indicado, o que o levou à saída dos fundos, enquanto seu cliente aguardava na entrada principal, por onde sempre entrou.
“Ficou bem claro que isso só aconteceu por causa da minha cor. Eu já havia ido outras vezes com uma caixa muito semelhante e nunca aconteceu nada”.
Ofender a honra de alguém baseando-se em critérios de raça, cor ou etnia configura o crime de injúria racial. Ele está tipificado na Lei do Racismo, que também qualifica o crime de racismo: atingir uma coletividade de indivíduos por meio da discriminação de toda a integralidade de uma raça.
“Eu trabalho na Vila Olímpia, uma região que só pessoas com poder aquisitivo mais alto costumam frequentar. E, infelizmente, pessoas negras são minoria nessa condição. Então tem poucos negros por lá”, conta João.
De fato, a região possui um baixo número de pretos e pardos.
A Vila Olímpia é um bairro nobre localizado no Itaim Bibi, distrito cuja proporção de pretos e pardos é 8,26% da população e a taxa de violência racial é de 2,8 a cada dez mil habitantes, algo comum em São Paulo, segundo Rogerio Tineu, Doutor em Ciências Sociais pela PUC.
“Os brancos e ricos se autosegregam na cidade de SP. Eles criam dispositivos sociais que impedem que os ‘indesejáveis’ circulem em seus bairros”, diz
A média da proporção de pretos e pardos é 32,1% da população na cidade, enquanto a média da taxa de violência racial é 1,8 para cada dez mil habitantes.
O número de casos de violência racial costuma ser maior que a média municipal nas regiões da cidade onde a população de pretos e pardos é menor que a média do município, segundo dados do Mapa da Desigualdade.
Em 2019, dos 48 distritos com população de pretos e pardos menor que a média da cidade, mais da metade (25) possui mais de 1,8 ocorrências de violência de racismo e injúria racial para cada dez mil habitantes.
Das 10 regiões com maior número de casos, 7 tem menos de ⅓ de pretos e pardos: Barra Funda, Jardim Paulista, República, Bom Retiro, Butantã, Santo Amaro e Moóca.
As exceções – Brás, Pari e Sé – apresentam pouco mais que essa proporção: 33,45%, 34,66% e 38,35% respectivamente.
Já nas regiões onde a proporção de pretos e pardos ultrapassa os 32,1% da população, cerca de 90% (43 das 48) possui uma taxa de crimes raciais abaixo de 1,8 para cada 10.000 habitantes.
Apesar de haver subnotificação destes crimes (o que pode elevar ainda mais esses números), os registros de casos de racismo e injúria racial na capital saltaram de 1.260 em 2018 para 1.536 em 2019. Ou seja, houve um aumento 22% de um ano para o outro.
Tineu afirma que isso é comum: “os bairros mais ricos são homogêneos na cor branca e na classe. Qualquer elemento estranho chama a atenção e é expulso ou seguido de perto”.
*João preferiu não revelar sua identidade e pediu para que seu sobrenome fosse ocultado
**João preferiu não identificar a empresa na qual trabalha e para a qual presta serviços