Neste entorpecedor frio polar que assola a Europa, o ano que se inicia parece não trazer nada de novo no que se refere a uma já conhecida mas nem por isso menos inquietante ‘sensibilidade’ à presença de imigrantes ilegais neste espaço. Em 2010, a crise económica continua não obstante os sinais de retoma que nem por isso se repercutem numa melhoria das condições reais de vida das pessoas, a começar pelas que não conseguem reaver as suas posições no mercado laboral.
Ao mesmo tempo, desde o 11 de Setembro que a sinonímia forjada entre ‘imigrante ilegal’ e ‘terrorismo’ não parou de se fortalecer nos discursos políticos e na conivência mais ou menos deliberada dos encadeamentos e conteúdos noticiosos. Neste contexto, o imigrante ilegal é, claro, presa fácil de predadores como a depressão e a desconfiança colectivas.
O Livro Verde da Comissão Europeia intitulado ‘Uma nova solidariedade entre gerações face às mutações demográficas’ sublinhava em 2005 que ‘a Europa conhece hoje alterações demográficas sem precedentes pela sua escala e gravidade. Em 2003, o crescimento natural da população foi apenas de 0.04% ao ano; nos novos estados-membros, à excepção de Chipre e de Malta, registou-se mesmo um declínio demográfico.
Em vários países, a imigração tornou-se crucial para assegurar um crescimento da população. Por todo o lado, a taxa de fecundidade é inferior ao limiar de renovação de gerações (cerca de 2,1 crianças por mulher)’. O Conselho Europeu, por sua vez, alertava em 2004 para o inevitável declínio demográfico da Europa, que nem a imigração em larga escala poderá inverter. Dados do Eurostat revelam que com excepção da França, actualmente Alemanha, Espanha e Grã-Bretanha dependem da imigração para manter a sua estabilidade demográfica.
É impossível negar a extrema dependência europeia face à imigração, sendo esta a responsável por um declínio demográfico ainda mais acelerado. A Europa sabe que não pode dispensar a imigração e declara que o seu problema é afinal apenas com a imigração ilegal, estimada em 5,5 milhões de indivíduos pelo Comité da Migração, Refugiados e População da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Mas a verdade é que – como já aqui tivemos a ocasião de o dizer – a imigração ilegal só tem a expressão que tem, porque as vias da legalidade tem sido deliberadamente dificultadas pelas políticas imigratórias dos estados europeus.
A imigração ilegal implica investimento policial e tecnológico, mas a imigração legal é muito mais dispendiosa porque exige saber integrar o imigra nte como cidadão e educar as sociedades numa cultura de interculturalidade no longo prazo. É pois mais fácil apostar numa política de gestão selectiva da imigração, ao mesmo tempo que se remete para o universo da ilegalidade todos os restantes fluxos não atractivos, seja do ponto de vista económico, seja do ponto de vista dos desafios culturais que representam. Mas o combate à imigração ilegal nunca é apresentado como o combate contra quem é económica, cultura e/ou socialmente indesejável.
Pelo contrário, apresenta-se como o combate à criminalidade e até mesmo ao terrorismo que se alberga nas entranhas da ilegalidade.
Veja-se o caso recente e muito claro, ocorrido em Itália no início deste ano. Em Rosarno, na Calábria, grupos racistas provocam e agridem agricultores africanos que trabalham e vivem em condições já de si difíceis. De seguida, surgem as declarações incendiárias e espúrias de Roberto Maroni, um populista da Liga do Norte com assento no Governo de Berlusconi. Afirma Maroni que ‘A situação em Rosarno, como noutros sítios, é difícil porque estes anos de imigração ilegal – que alimenta actividades criminosas – foi tolerado e nunca se fez nada eficaz sobre isso’. Cá está! Como é que a gente não tinha vista que a culpa afinal… era dos ilegais?
Ou seja, Maroni não só equaciona na mesma frase imigrantes com ilegalidade e com criminalidade, como legitima tacitamente quer a acção dos gangues racistas, quer a acção dos patrões que exploram mão-de-obra ilegal. Mais, dá o seu aval igualmente a futuros ataques contra grupos etnicamente vulneráveis.
A culpa é sempre do Outro. E quem diz do Africano em Rosarno, diz do Indiano em Roma (ainda no ano passado foi queimado vivo um imigrante indiano nas ruas da capital italiana), ou diz do Turco na Alemanha, do Albanês na Grécia, do Cabo-verdiano espancado em Moscovo, do Romeno ultrajado na Hungria ou atacado na Irlanda do Norte.
Fonte: Correio do Minho
Um recente relatório da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais assinala que os inquiridos que sofrem maior número de situações explícitas de discriminação e ataques são os romenos, logo seguidos dos africanos negros (41%), africanos do Magreb (36%), Turcos e outras comunidades da Europa Central (23%). Tudo isto numa Europa dita civilizada, esteio cultural da linguagem moderna dos Direitos Humanos. Assim vamos, assim vai a Europa.
E assim irá com certeza o ano de 2010, pois nada na actual conjuntura internacional, europeia e doméstica da maioria dos estados-membros me faz supor que ocorra uma inversão destas tendências. Temo aliás o seu acentuar…