Em razão das muitas notícias que despontaram nos últimos dias atreladas ao Racismo, a exemplo do ocorrido na casa noturna Villa Mix e no Ministério Público de Santa Catarina, faz-se uma breve abordagem sobre a temática, principalmente na sua forma institucional.
Por Uberti Pellizzaro, do JusBrasil
O Racismo Institucional, nesta nomenclatura, é por vezes desconhecido e outras confundido com a injúria racial ou com o preconceito racial ‘genérico’, até mesmo por operadores do direito, que no desconhecimento da matéria, se utilizam dos termos como se o mesmo conceito tivessem.
Afastando de certa forma o viés jurídico formal, nesta oportunidade faz-se uma abordagem de maior facilidade de compreensão.
Deste Modo, o Racismo Institucional é basicamente o tratamento diferenciado entre raças no interior de organizações, empresas, grupos, associações e instituições congêneres. Em resumo, e de forma coloquial, considerando a problemática singular entre negros e brancos, é você tratar o negro de uma forma e o branco de outra. É você optar por um em prejuízo do outro, ou mesmo preferir, ou até, de forma indireta, ofertar tratamentos diferenciados, de modo a privilegiar um em detrimento do outro, sem qualquer respaldo legal.
É exatamente o que se alega ter acontecido na casa noturna ‘Villa Mix’, uma vez que supostamente os responsáveis pelo estabelecimento coibiam o acesso de negros, inclusive com imposições diretas e incisivas, sem mesmo utilizarem-se de sutilezas.
Para que não se conclua sem mesmo apresentar a conceituação formal, cita-se definição extraída do Programa de Combate ao Racismo Institucional incorporado no país no ano de 2005:
“o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. (Projeto de uma parceria que contou com: a SEPPIR, o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), e o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), como agente financiador, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e teve como foco principal a saúde (CRI, pg 22, 2006).
Ao contrário do que por vezes se utiliza, ou até mesmo a própria imprensa arremeta aos seus leitores/ouvintes, a ofensa em razão da raça não tipifica o crime de racismo – caso apenas a ofensa seja o objeto da ação, mas sim o crime de injúria racial, previsto no Código Penal, em seu Art. 140, § 3º, com pena mais branda do que grande parte das tipificações atreladas ao crime de racismo.
Já o crime de racismo está previsto na Lei n. 7.716/1989, sendo inafiançável e imprescritível, com penas de reclusão e de maior rigor, a depender de cada caso – conta com disposições taxativas e pontuais para cada forma e caso concreto de racismo.
A título de exemplo, caso restasse comprovado o crime praticado pela Villa Mix, a pena a ser imposta, de reclusão, partiria de 01 ano podendo chegar a 03 anos, nos termos do Art. 5º, da Lei n. 7.716/89.
Partindo para o final deste breve artigo, vale sempre relembrar alguns números que comprovam de forma inconteste o Racismo Institucional presente na vida dos brasileiros:
· “Segundo a PNAD de 2008, 40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas na mesma situação.
· Ainda segundo a PNAD 2008, das mulheres acima de 25 anos de idade, 18,1% das mulheres negras e 13,2% das brancas jamais havia realizado o exame de papanicolau.
· A taxa de mortalidade materna entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1% superior à das mulheres brancas.
· De acordo com a PNAD 2009, a taxa de distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca.
· No ensino médio, a taxa de distorção era de 36,6% para a população negra e de 24% para a população branca.
· “Considerando o país como um todo, o número de homicídios brancos caiu de 18.867 em 2002, para 14.047 em 2010, o que representa uma queda de 25,5% nesses oito anos. Já os homicídios negros tiveram um forte incremento: passam de 26.952 para 34.983: aumento de 29,8%” (Weisenfisz, 2012: 14)”[1].
E mais, “a pesquisa O Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, realizada pelo Instituto Ethos e IBGE em 2010, revela que nos quadros funcionais e de chefias intermediárias os negros ocupam, respectivamente, 31,1% e 25,6% dos cargos. Na gerência são13,2% e na diretoria, 5,3%. A situação da mulher negra é pior: ela fica com 9,3% dos cargos da base e de 0,5% do topo. Em números absolutos significa que, no universo que as empresas informaram, de 119 diretoras e 1.162 diretores de ambos os sexos, negros e não negros, apenas seis são mulheres negras”.
Relembra-se, outrossim, que mesmo o Brasil contando com números extremamente prejudiciais aos negros, sua população majoritária é justamente composta por negros (brancos são minoria), o que mais ainda evidencia que o racismo ultrapassa os atos imperativos de preconceituosos, para que seja incrustado na raiz das instituições nacionais.
Os números retratados não são resultado de coincidência ou ‘sorte’, mas do racismo silencioso e discreto, aquele que não desponta na mídia, que não gera notícia nem polêmica, mas que no fim interfere diretamente na vida e nas escolhas da população negra. Daí porque, apesar de todos terem o livre arbítrio, este será inevitavelmente mais dificultoso aos negros.
Por isso que o Racismo Institucional, se ao mesmo tempo é a prova inconteste do preconceito difundido, também o seu enfrentamento é o caminho de acesso a igualdade entre as raças; não a igualmente meramente formal, mas aquela material, com negros e brancos dividindo os mesmos espaços sem absolutamente qualquer distinção.
Vinícius Uberti Pellizzaro – [email protected].
(Advogado inscrito na OAB/SC sob o nº 36.859. Sócio da banca “Leandro Bernardino Rachadel – Sociedade de Advogados”. Presidente da Comissão da OAB Jovem, Subseção de Palhoça. Membro da Comissão de Direito Empresarial e Tributário da Subseção de Palhoça/SC. Membro da Comissão Estadual de Mediação e Arbitragem da OAB/SC. Representante titular da OAB, Subseção de Palhoça, na COMED Palhoça. Bacharel em Direito pela Universidade do Contestado – UnC Concórdia. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Pós-Graduando em Mediação, Conciliação e Arbitragem pela Escola Superior Verbo Jurídico.).
[1] http://racismoinstitucional.geledes.org.br/alguns-indicadores-do-racismo-institucional/