Recentemente eu estava divagando por uma dessas redes sociais e recebi um meme que fazia a seguinte provocação “Se uma pessoa do século XVIII viajasse no tempo e chegasse na sua casa hoje, o que seria mais difícil de explicar para ela?”. Rapidamente comecei a fazer conexões, mas não cheguei a pensar em nada específico até que ao olhar as respostas alheias reconheci uma que seria igualmente difícil para mim, vamos a resposta “Seria difícil explicar que temos todo o conhecimento das sociedades em um dispositivo que cabe na palma das mãos e o utilizamos para discutir com as pessoas e assistir vídeo de gatinhos fofos”.
Embora eu não seja muito fã dos felinos, me reconheci na segunda parte da resposta, afinal, se alguém saiu ileso das brigas nos últimos dois caóticos anos políticos, por favor se apresente.
Enfim, o meme cumpriu sua função e foi bem divertido, mas não saiu da minha cabeça por alguns dias e por isso o transcrevo aqui. Por agora deixe ele em stand, voltaremos nele logo.
No final de 2019, na cidade de Florianópolis, um jovem negro Martin, foi a uma rede de supermercados onde foi acusado de roubo de carnes e formação de quadrilha por um segurança, foi agredido física e verbalmente.
Renan é vegetariano.
Em nota, o supermercado pediu desculpas.
No início deste ano, pela tela do meu celular, conheci a Dona Maria e o Senhor João, um casal de idosos negros que foram acusados de furtar um celular em um hospital na capital do Rio Grande do Sul.
Diante da situação causada pela acusação Dona Maria infartou e veio a óbito.
O celular foi encontrado.
O Hospital pediu desculpas.
Ainda nesse ano de 2020, uma companheira de profissão, Professora de Ensino Superior foi acusada de roubo por funcionários de um mercado na Cidade de Curitiba, foi perseguida, ameaçada e mesmo apresentando cupom fiscal de todos os produtos comprados a Situação não se desfez.
Nesse último caso sem pedido de desculpas.
Bom, trouxe aqui três casos de racismos que me vieram a cabeça por serem os que acompanhei com mais proximidade pelas redes sociais, mas casos como esses acontecem todos os dias e são responsáveis por reforçar a hierarquia branca na sociedade, reafirmando estigmas raciais sobre a população negra. Situações como essas levam ao assassinato de jovens negros “por engano” todos os dias.
Voltando ao meme. Pois bem, com tanto conhecimento e com tantas informações sendo pulsadas nas nossas telas 24h do nosso dia, não é curioso alguém dizer “Ah, eu não sabia, desculpa.” ? Quem é que não sabe que não pode atentar contra a vida e a subjetividade de alguém? Oi?
Essa bagunça generalizada das desculpas nas mídias sociais tem se transformado em fugas de responsabilidade de ações pessoais, essa nova onda está criando uma nova classe social nas sociedades: os/as isentões. São estes/as colonizadores/as disfarçados de homens, mulheres e/ou cidadãos de bem, é o tiozão/a tiazona que acha engraçado fazer comentários racistas nos churrascos da família, mas que quando é posto contra a parede publicamente, chora e pede desculpa. Isentão!
Desculpa a gente pede quando esbarra em alguém na rua ou quebra um copo na cozinha da casa da avó, de resto a gente assume o privilégio da branquitude e chama a responsabilidade.
O conto do Homem branco arrependido que sente muito pelos ocorridos e por isso pede desculpa tem colaborado para reforçar o racismo estrutural e uma reinvenção do colonialismo que não nos cabe mais. Racismo não é desculpável, é crime.
Assumamos o erro e trabalhemos o antirracismo porque a nota de desculpa não anula o racismo.
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