Representatividade importa: educação antirracista e literatura infantil

Nasci em 1980. Cresci vendo “Xou da Xuxa” e desenhos protagonizados por personagens brancos. Eu também era uma criança que gostava de ler. Nos meus livrinhos, havia príncipes e princesas. Todos loiros de olhos azuis. Alguns eram diferentes, tinham os olhos verdes, como a apresentadora Angélica. Quando eu desenhava, as personagens eram brancas. As minhas bonecas também eram majoritariamente brancas. Com exceção das bonecas de pano que minha mãe fazia para mim. Essas tinham cabelos escuros e cacheados.

Por não ter tido muitos livros protagonizados por personagens negros na minha infância, sou uma adulta que consome literatura infantil. Eu compro todos os lançamentos interessantes, livros escritos por autoras e autores negros como Bell Hooks, Toni Morrison, Maya Angelou, Lázaro Ramos, dentre outros.

Dos meus livros infantis favoritos, indico dois lançamentos.

O primeiro é Sulwe, escrito pela premiada atriz queniana Lupita Nyong’o, ilustrado por Vaschti Harrison e publicado no Brasil pela editora Rocco, no ano de 2019. Inspirado na experiência da própria autora, “Sulwe tem a pele da cor da meia-noite”. É a pessoa com a pele mais escura da família. É a criança com a pele mais escura da escola. Sulwe não se sentia acolhida. Se sentia diferente. Se sentia feia. Sulwe sofria. E desejou ter a pela dourada, como a irmã. Com escrita sensível, o livro traz a jornada interior de Sulwe no processo de construção do amor próprio e da valorização da própria beleza: exterior e interior.

O segundo livro é o Pequeno Príncipe Preto, escrito por Rodrigo França, com ilustrações de Juliana Barbosa Pereira e publicado pela editora Nova Fronteira em 2020. A obra é um desdobramento da peça de mesmo nome, na qual o autor se inspirou nas histórias da própria família e nos ensinamentos de Filosofia Yoruba. O livro também fala da importância do amor próprio, a partir da história de um menino preto que morava num planeta minúsculo, habitado apenas por ele e por uma bela árvore Baobá.

Uma educação antirracista é dever de todas as pessoas: professoras, familiares, escritoras, cineastas… É preciso reconhecer que, num país como o Brasil, em que a maior parte da população é negra, contar nos dedos a existência de personagens negros nas novelas, no cinema, no teatro e na literatura é uma aberração.

Precisamos acompanhar a caminhada de Nelson Mandela, para o qual “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião”. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e, se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar (Mandela, 1995).

Representatividade importa. É chegado o tempo de romper com o silêncio. Um país que silencia e nega a existência da maior parte da sua população, ainda tem muito o que aprender e mudar.

Referências:
França, Rodrigo. O Pequeno Príncipe Preto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020
Mandela, Nelson. Longo caminho para a liberdade. Editorial Planeta, 1995.
Nyong’ o, Lupita. Sulwe. Rio de Janeiro: Rocco Pequenos Leitores, 2019.
Silva, Alexandra Lima da. Representatividade importa: educação antirracista e literatura infantil.

FIQUE EM CASA

+ sobre o tema

São Paulo Diverso 2

No momento em que tanto se clama pelo retorno...

CNJ pesquisa racismo no sistema judicial

  O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)...

A definição da Consciência Negra – Por: Steve Biko

Redigido provavelmente em dezembro de 1971, este escrito destinava-se...

Para coordenadora da Cppir/MS, combate ao racismo começa em casa

Ela também ressaltou a importância de combater a desigualdade...

para lembrar

O Ministério Público Federal encaminhou denúncia de racismo contra Clovis Saraiva professor da UFMA

O Ministério Público Federal encaminhou à Justiça, na última...

Zara no Ceará: vendedores de outras lojas de varejo confirmam uso de código para ‘clientes suspeitos’

"Comparecer ao setor infantil", "Vendedor X, corredor 8", "Atenção,...

A África do Sul de 1960 e o Brasil de 2018: processo genocida em curso

A educadora Layla Maryzandra, do Inesc, escreve sobre a...

Eduardo de Oliveira e Oliveira sobre a USP: “nós temos direito a essa instituição”

Em tempos de mar revolto, dois acontecimentos recentes em...
spot_imgspot_img

Criminosos quebram imagem de Exu e deixam bíblia em invasão a terreiro de Umbanda no RJ

Na madrugada da última terça-feira (28), o terreiro de umbanda Casa de Caridade Caboclo Pena Dourada foi alvo de invasão no bairro do Maracanã, zona norte...

‘Rejeição de autodeclarados negros no CNU é ataque à política de cotas’, afirma assessor brasileiro que atua junto à ONU

Assessor internacional da organização Geledés junto à Organização das Nações Unidas (ONU), o advogado Gabriel Dantas considera "um ataque à política de cotas" a situação dos...

A ousadia negra de ser livre

Na terça feira (28/01), o Ministério do Trabalho e do Emprego divulgou dados sobre suas ações no combate ao trabalho análogo à escravidão. Em 2024,...
-+=