Senado ignora lei e pergunta se o aborto dever ser autorizado em caso de estupro

O Senado publicou no próprio site uma enquete sobre a violência contra as mulheres e estupro em que pergunta se o aborto deveria ser autorizado em caso de estupro, sem citar que este é um direito legal em vigor.

Por Marcella Fernandes, do HUFFPOST BRASIL

“Para você, a mulher deve ou não deve ter o direito legal de interromper a gravidez, quando esta for resultante de estupro?”, diz a última pergunta do questionário. Entre os entrevistados, 96% responderam que deve, 3% que não e 1% não souberam opinar.

De acordo com o Artigo 128 do Código Penal, não se pune aborto no caso de gravidez resultante de estupro. Algumas propostas em tramitação no Congresso têm como objetivo retroceder nesse direito.

De autoria do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha(PMDB-RJ), o PL 5069/13 obriga vítimas de aborto a apresentar boletim de ocorrência e exame de corpo de delito para depois receber atendimento na rede pública de saúde.

A enquete, divulgada nas redes sociais do Senado, não contextualiza o tema, ponto criticado por grupos feministas.

A assessoria de imprensa do Senado reconheceu a garantia às vítimas de estupro, mas afirmou ao HuffPost Brasil que “há algumas propostas em exame no Congresso Nacional que pretendem revisar esse direito. Assim, por ser um assunto que tem grande impacto na sociedade, o Instituto DataSenado considerou importante consultar a opinião da população acerca do tema”.

Também em nota, o Senado afirmou que “a menção sobre a existência do direito legal ao aborto acrescentaria informação”, mas que a formulação da enquete não compromete o resultado. A Casa disse ainda que o movimento feminista “tem merecido sempre o respeito e a atenção do DataSenado”.

Resultados da enquete

Entre os entrevistados, 61% acreditam que a violência contra a mulher aumentou, 27% dizem que ficou igual, 4% que diminuiu e 7% não responderam.

Questionados se conheciam uma mulher vítima de violência sexual nos últimos 12 meses, 62% disseram que sim. Desse total, 27% disseram que o caso foi denunciado em uma delegacia, 12% em um hospital, 20% procuraram ajuda da família, 7% ligaram para o Disque 180, 7% procuraram uma entidade ligada à proteção da mulher, 3% buscaram um assistente social e 1% procuraram a igreja. Não fizeram nada 33%, 8% tomaram outra medida e 13% não responderam.

Sobre o conhecimento acerca de penas para estupro, 29% disseram saber muito, 66% pouco, 5% nada e 1% não respondeu. Dos que disseram conhecer a lei, 85% consideram a punição atual insuficiente, 7% consideram suficiente e 8% não responderam.

Quanto à medida mais eficaz para combate do estupro, 42% disseram ser melhorar a educação nas escolas. Para 19%, é garantir o cumprimento das leis. Já 17% querem realizar campanhas de conscientização, 9% aumentar penas e 8% investir em segurança pública. Outras medidas foram citadas por 4%.

A enquete questiona também se a pessoa que “publicar ou divulgar, por qualquer meio, conteúdo que possua cena de estupro, deve ou não deve ser presa?”. Disseram que sim 92%, que não 3% e 5% não responderam. A pergunta não cita a atual legislação, que pune com quatro a oito anos de prisão a divulgação de imagens pornográficas envolvendo menores.

Também é questionado se a pena em caso de estupro cometido por mais de uma pessoa deve ser aumentada. Para 93% sim e para 3% não. Não quiseram responder 4%.

Os dois últimos pontos vieram à tona após o caso de estupro coletivo da jovem de 16 anos no Rio de Janeiro. Sete homens foram indiciados após a conclusão do inquérito, mas mais de 30 eram suspeitos de participar do crime.

Elaboração

A enquete está no ar desde 16 de junho e estará ativa até 17 de julho. De acordo com dados do Senado, 118.319 internautas responderam ao questionário até as 11h21 desta quarta-feira (29).

A iniciativa da consulta é do Senado Federal, numa parceria entre os seguintes órgãos da Casa: Instituto DataSenado, Observatório da Mulher contra a Violência e Procuradoria da Mulher, sendo aqueles dois primeiros os responsáveis pela elaboração das perguntas.

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