Série sobre Marielle: professor Silvio Almeida dá aula de racismo estrutural para Antonia Pellegrino

“Ao tomar consciência da dimensão estrutural do racismo, a responsabilidade dos indivíduos e das instituições aumenta e não diminui”, aponta o autor do livro Racismo Estrutural

Na Revista Fórum

Silvio de Almeida / Divulgação

O professor Silvio Almeida, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Luiz Gama, fez uma sequência de tuítes na noite deste domingo (8) apontando que a polêmica declaração da roteirista Antonia Pellegrino, autora de série sobre Marielle Franco, perpetua racismo estrutural.

Pellegrino causou polêmica por escolher o diretor José Padilha para trabalhar na série e pela justificativa que apresentou: de que não escolheu um negro porque não existe um Spike Lee brasileiro devido ao racismo estrutural.

Almeida, autor do livro Racismo Estrutural (Editora Polen) da coleção Feminismos Plurais de Djamila Ribeiro, rebateu a justificativa da roteirista. “Ao tomar consciência da dimensão estrutural do racismo, a responsabilidade dos indivíduos e das instituições aumenta e não diminui. Agora, cada um vai ter que pensar qual o seu papel na reprodução de uma sociedade racista”, disse em um dos tuítes.

Leia abaixo a sequência de postagens:

Atenção: racismo estrutural é um conceito cuja aplicação resulta em responsabilidade e não pode ser usado como desculpa para ser irresponsável. Segue o fio sobre racismo, Spike Lee e comparações esdrúxulas.

Pensar o racismo como estrutural é tirá-lo do campo da culpa (e da desculpa) e tratá-lo na dimensão da responsabilidade política. É uma forma de “desnaturalizar” o racismo, compreendendo-o como parte da história e dos conflitos políticos.

Ao tomar consciência da dimensão estrutural do racismo, a responsabilidade dos indivíduos e das instituições aumenta e não diminui. Agora, cada um vai ter que pensar qual o seu papel na reprodução de uma sociedade racista.

Perguntas para brancos e não-brancos: “em uma sociedade constituída pelo signo da raça, qual o meu lugar? De que modo eu naturalizo essa sociedade?” E a mais importante: “como posso agir para desnaturalizar o racismo?”.

Uma vez em contato com a ideia de que o racismo é estrutural, não há saída: é preciso assumir uma postura ética e políticamente responsável quanto ao lugar que ocupamos em um mundo racializado.

A força do conceito de “racismo estrutural” está também em revelar as artimanhas e sutilezas do racismo. Para ser “normal” o racismo tem que apagar a história e as relações de poder que o conformam.

Falar de Spike Lee como se sua trajetória não estivesse conectada a uma longa tradição do cinema negro americano, e este à luta antirracista e ao Movimento pelos Direitos Civis, é uma artimanha que reforça o processo de ocultação da história e da política por trás do racismo.

A estratégia de referir-se a “negros únicos” é também um modo de naturalização do racismo na medida em que passa a impressão de que, em regra, brancos estão “mais bem preparados” e os “negros talentosos” são exceção.

Este é um dos modos pelo qual se normaliza a crueldade do racismo. Exige-se que negros estejam imediatamente prontos, ao passo que brancos, em regra, têm a oportunidade de errar e aprender com os próprios erros, como qualquer SER CONSIDERADO HUMANO.

A tragédia do racismo, especialmente nos chamados países “periféricos”, faz com que a mentalidade colonizada dos brancos destes locais se considerem tão excepcionais a ponto de se sentirem no direito de exigir dos negros o que eles, brancos, não podem entregar.

Se AINDA não há entre nós negros um Spike Lee, Jordan Peele ou Ava DuVernay, acreditem: entre vocês não há um Coppolla, Robert Towne, Stanley Kubrick, Orson Wells ou Agnès Varda. É o racismo que os coloca nesta fantasia que só o antirracismo (e o anticolonialismo) pode tirar.

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