Solidão da mulher negra

Por muito tempo algo tem me assombrado, devo dizer que me sinto extremamente desconfortável ao falar disso. Ser negra é sinônimo de ser invisível, irei explicar tudo desde os primórdios, mas devo relatar que angustia e tristeza que hoje assombram meu coração são de extrema relevância e periculosidade.

Ainda no ensino fundamental era chamada de ‘’macaca preta’’, o apelido cruel era realmente desgastante, meu colega de classe mesmo pequeno já sabia destruir sentimentos, eu dava risada para fingir que aquilo não me afetava porem ficaria marcado para o resto de minha vida. Crianças sempre são cruéis, isso ficou claro quando dancei quadrilha pela primeira vez, nunca tive um par, isso era realmente desapontador as vezes me perguntava mesmo com aquela idade se o problema estava em mim, realmente irei destacar minhas características, tinha 7 anos, meu cabelo era crespo e volumoso, sempre estava acima do peso que a sociedade impõe, todos os fatores desfavoráveis estariam ao meu lado para sempre.

Tive algumas outras paixões na escola mas nada que fosse correspondido, com o tempo comecei a me interessar por meninos da igreja, bonitos e bem apessoados, sempre com ternos bonitos e com seus instrumentos, mas nem se quer olhavam para mim, por muito tempo pensei que talvez se me destacasse em cargos dentro da congregação poderia mudar o olhar que os rapazes tinham sobre mim, mas não obtive sucesso, continue sendo aquela amiga bacana e que não passaria disso. Ainda por cima ganhei o apelido de ‘’amiga chocolate’’, todas as piadinhas racistas eram disfarçadas de ‘’você sabe que sou seu amigo, não é mesmo? não falamos por mal’’, percebia naquele momento que amigo não fazia piada racista ou sem graça só para diminuir os outros, podemos rir no momento mas por dentro sangramos com tais piadas desgostosas.

Pensei que o destaque poderia me ajudar a ter finalmente um namorado, mas mesmo ali desempenhado funções importantes eu continuava invisível, a prova de balas contra qualquer tipo de envolvimento amoroso. Logo vi que meu peso não poderia me ajudar, comecei uma dieta intensa me livrando logo de 20 quilos, talvez finalmente pudesse fazer parte de algo importante, mas não foi bem assim, os homens olhavam para mim, isso é fato, eu realmente fui notada porem de uma forma extremamente negativa, todos que chegavam até mim simplesmente queriam sexo, geralmente caras mais velhos e nem os mais novos escapavam, era algo grotesco para mim que até então era virgem, os convites eram inúmeros, enquanto os garotos da igreja que tanto queria impressionar me ignoravam, podiam até mesmo me dar uma só chance porem era só uma ficada, ‘’ gente da igreja fica?’’ geralmente não mas pra mulheres negras se cria uma exceção.

O perfil ideal para uma mulher crente se casar se fazia o mesmo, cabelos longos e lisos, olhos claros ou pretos, magra, e branca, coisa que eu não poderia ter nem nos sonhos, por mais que eu realmente pudesse mudar, nunca poderia me desfazer da minha cor, sempre estaria presa neste dilema. Procurei homens que não estavam na igreja, esses como sempre queriam sexo barato, eu resistia bravamente,  tentando não sucumbir ao rotulo de mulher preta fogosa, eles pelo contrario tentavam de tudo sem qualquer sucesso. Perder tanto peso me fez até mesmo conseguir um pouco de atenção, mas sempre algo momentâneo, nada serio ‘’não quero relacionamento por agora, me perdoe’’, ou ‘’ sou eu, não você’’, coisas idiotas desse tipo, o sexo qual eles procuravam me deixava saturada, não aguentava mais ter que ser forte, muitos ficavam comigo e logo sumiam, não respondiam se quer uma mensagem, era como se eu nunca tivesse ao menos nascido, ou até mesmo acontecido, devidamente deletada da memoria deles. Eu já não procurava diversão, estava cansada de ser largada de canto na balada, ou tentar trocar olhares com alguém e ser friamente não correspondida, pensava que era meu peso mas minha amiga branca gorda tinha namorado, até mesmo uma amiga que havia perdido peso muito rápido havia arrumado finalmente um namorado, bastou emagrecer para chamar a atenção, não me intitulo como invejosa porem observo os fatos.

Eu gostaria de ser amada pelo que sou, sem ter que tirar minha calcinha pra ter algum crédito, ou até mesmo andar no shopping de mãos dadas sem correr o risco do cara soltar minha mão durante o passeio e não pega-las mais. Sou uma preta doente, ultimamente tenho passado por  momentos desafiadores, irei fazer 21 anos e nunca namorei, nem mesmo algo passageiro, sempre caras aleatórios que me dão corda e depois me dão um chute na bunda sem quaisquer motivos, algo descartável como o lixo, ainda sou obrigada a ouvir que solidão da mulher negra não existe, logo eu que sofro sem precedentes. Minha mãe sempre diz que o cara certo ainda não chegou, mas até quando irei esperar por alguém que me aceite como sou e que não suma depois da primeira ficada ou que me dispense depois de um tempo, reconheço que o problema não está em mim e sim no racismo, minhas chances de ter um amor são anuladas pelo simples fato de ser preta, isso me dilacera de dentro para fora.

Hoje devo dizer que cansei de procurar, com as meninas brancas sempre a tudo tão romântico e bacana, com as negras eles sempre querem vestir suas sinceridades descaradas, já não quero mais me relacionar, não quero sair nem conhecer gente nova, sinto que tudo tem sempre o mesmo fim dramático, só gostaria de ser amada e creio que não seja pedir muito.

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** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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