Somos as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar

“Somos as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar”. Essa frase, recorrente no feminismo, nos gritos e nas marchas de rua, diz muito sobre quem somos e, por isso, é tão bonita. Ser bruxa sempre foi associado a coisas ruins. A bruxa é a vilã de todas as histórias, é quem causa o mal em diversos contos de fada, é quem acaba com o amor. A bruxa é aquela que tem que morrer. E foi exatamente isso que aconteceu na Idade Média.

Ilustração: Dora Leroy  Por: 

Explico. Na chamada Inquisição, a Igreja Católica perseguiu todos e todas que fugissem minimamente de suas estritas regras, para assim, no final das contas, se manter com poder e dominação. Neste grupo, estavam as bruxas, mulheres do mal, tomadas pelo demônio, seres execráveis e totalmente perigosos. Assim se dizia na época. A solução? Tortura! Forca! Fogueira! Isolamento total! Basicamente a negação total dos direitos humanos (noção que não existia na época), supostamente em nome de Deus.

E o que faziam essas mulheres de tão terrível? Nada. Eram simplesmente mulheres que não faziam questão de se enquadrar na ideia de mulher proposta pela Igreja e pela sociedade como um todo. Eram mulheres que não acreditavam no Deus dos católicos, mulheres que desenvolviam e reproduziam suas próprias sabedorias, mulheres que lésbicas… mulheres que, de uma maneira ou de outra, “pecavam”. Todas essas mulheres, sob a alcunha de bruxas, eram assassinadas sem dó nem piedade por uma população fervorosa, guiada por uma instituição completamente desumana.

De minha parte, acredito que matar mulheres por dançarem nuas sob o luar, independentemente do contexto histórico, não passa de feminicídio e de uma evidente misoginia.

Mas eu entendo porque esse tipo de coisa aconteceu na história da humanidade. Na verdade, entendo porque acontece até hoje – não sejamos hipócritas, mulheres morrem todos os dias por culpa do machismo. O mundo tem medo de mulheres que tentam fugir das regras. Caracterizar uma mulher como bruxa não passa de uma tentativa de diminuir as forças dessa mulher. Para que ela não se junte a outras mulheres. Para que ela tenha medo e não perceba que, coletivamente, tem força suficiente para mudar o mundo e torná-lo mais livre.

A imagem da bruxa, depois, se tornou recorrente em meios pedagógicos (bem mais doutrinários e moralizantes do que pedagógicos) para ensinar as meninas como elas não podiam ser. “Meninas, se vocês forem diferentes, vão acabar estigmatizadas como todas as bruxas da Inquisição. Vão acabar queimadas em praça pública que nem elas.” Deu no que deu. Gerações e gerações de mulheres invisibilizadas e amedrontadas, renegando as mais velhas que foram contra a maré.

Seja as bruxas da Europa, as indígenas da América ou as negras da África e das religiões afro-brasileiras (quem nunca ouviu a frase infeliz “chuta que é macumba”?) todas elas tiveram seus conhecimentos e forças renegados pelos homens brancos e poderosos, organizados na política, na religião, em tudo.

Hoje, depois de saber tudo isso, penso que devemos continuar. Ser feminista hoje em dia ainda significa confrontar os dogmas patriarcais da sociedade. E, sendo feministas, devemos ter orgulho da luta de todas as mulheres, da força de todas elas, e afirmar: somos, sim, as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar. E seguiremos em frente.

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As Bruxas que somos hoje!

 

Fonte: Revista Capitolina

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