Sou um pai gay, então por que me preocupo com a sexualidade de meu filho?

assei os últimos 30 anos me esforçando para me amar como gay, então por que me preocupo se Milo só tem amigas meninas ou se ele é gay?

Por BJ Barone and Frankie Nelson, HuffPost 

Quando eu era garoto, tinha muito mais amigas que amigos, e ainda é assim hoje. Não sei por que razão, me sinto mais seguro e à vontade na companhia de mulheres que de homens.

Tive mulheres maravilhosas na minha vida, e minha melhor amiga, até hoje, é uma garota de quem fiquei amigo 35 anos atrás num acampamento de férias. Infelizmente, quando eu era muito pequeno, me ensinaram que um menino ter meninas como amigas era algo ruim. Me diziam frequentemente que apenas garotos gays ou “faygalas” brincam só com meninas. Minha mãe era ríspida comigo em relação a todas minhas amigas. Mas hoje sei que ela estava tentando me proteger de um mundo cruel. Isso não era tão evidente para mim naquela época.

Aquilo me causou muito sofrimento quando eu era garoto. Por que eu não podia simplesmente ser amigo de quem eu quisesse? E por que isso era algo negativo? Desde que me tenho por gente, eu pedia às minhas amigas que fizessem de conta que eram minhas namoradas, para que minha mãe e meus amigos não desconfiassem que eu era gay. Era difícil para mim, um garoto que já se debatia com tantas dúvidas quanto à sua sexualidade e nem sempre me sentia bem comigo mesmo.

BJ BARONE AND FRANKIE NELSON
Author with his “girlfriend” Lori (right)

Ser gay nos anos 1970 não era fácil, e as décadas anteriores a isso também não foram fáceis. Cresci na época em que o movimento dos direitos dos gays estava apenas começando, entre a revolta de Stonewall, em 1969, e a invasão das saunas gays de Toronto em 1981. Sem falar no avanço epidêmico da Aids entre homens homossexuais no final dos anos 1980. Aquela não foi uma época boa para ser gay, mas, pelo que me recordo, foi uma época de esperança.

Não havia direitos dos gays, casamento gay não existia e gays não podiam ter filhos. Naquela época muito poucos gays saíam do armário, pelo menos não pessoas que eu conhecia, e o chamado “estilo de vida gay” era considerado inaceitável.

Minha mãe fez tudo o que pôde para me “endireitar”, mas ter mais amigos homens não faz você virar hétero. Minha mãe fez o melhor que pôde com as informações de que dispunha. Ela era e ainda é um exemplo fantástico para mim e a pessoa que eu mais procuro quando preciso de conselhos. Eu sei que ela não queria me ferir, mas me proteger. Foi por isso que o que vou contar a seguir realmente me deixou confuso.

Quando começamos a planejar a festinha de 4 anos do meu filho Milo, perguntamos quem ele queria convidar. A primeira coisa que ele respondeu foi: “Só quero meninas!”.

A gente sabe que ele tem mais amigas que amigos na escolinha, mas mesmo assim fiquei um pouco espantado. E então as seguintes palavras saíram de minha boca: “Você não pode convidar só meninas para o seu aniversário!”. O que me levou a falar aquilo? Como foi que me transformei em minha mãe naquele momento? Passei anos me chateando com ela por não me deixar ser amigo de quem eu bem entendesse, e lá estava eu, dizendo a meu filho que ele tinha que convidar garotos para sua festa de aniversário.

BJ BARONE AND FRANKIE NELSON
Milo’s fourth birthday party with his “girlfriends”, Batman and Robin

Pressionei ele um pouquinho, querendo saber por que ele queria convidar só meninas, não meninos. Eu realmente queria saber: por que ele gostava mais de meninas que de meninos? Também queria saber se os garotos o estavam submetendo a bullying ou deixando-o de fora das brincadeiras. Eu precisava de uma explicação. Queria mais informação. Mas não recebi nada. Ele só tinha 3 anos, afinal. Ele me falou simplesmente que “as meninas eram suas melhores amigas”. E é apenas isso que deveria ser importante.

Essa conversa deveria ter ficado nisso, e foi o que aconteceu para Milo, mas não para mim. Talvez Milo estivesse simplesmente emulando seu Papai e seu Daddy – afinal, temos um monte de mulheres em nossas vidas. Mas eu precisava de mais respostas. Passei horas refletindo sobre por que o fato de Milo só fazer amizade com meninas me incomodava tanto, especialmente depois de eu ter passado tantos anos de mal comigo mesmo.

Sei que a vida dele será muito diferente da minha, mas às vezes não posso deixar de me preocupar.

Será que foi por que minha mãe incutiu as ideias dela tão fundo em minha cabeça que ela de alguma maneira me fez uma lavagem cerebral? Acho que não. Deve ter sido outra coisa. Será que eu estava preocupado, encarando isso como possível sinal de que Milo é gay? Pode ser, sim. Mas, para um homem gay, esse é um pensamento assustador. É mais assustador ainda verbalizar essa ideia. Será que eu quero que meu filho seja gay?

Não é fácil responder a essa pergunta. Passei os últimos 30 anos lutando pelos direitos dos gays e tentando me amar como gay. Também passei mais de dez anos lutando para me libertar de uma dependência química. Provavelmente ainda tenho alguma homofobia internalizada que vem à tona de vez em quando. Mas os tempos mudaram! Estou casado com um homem maravilhoso, tenho um filho que tivemos através de uma mãe de aluguel, sou aceito por minha família e meus amigos e tenho um site na internet que atesta o fato de que Família é Amor. Então por que me incomoda que Milo tenha apenas amigas meninas ou que há a possibilidade de ele ser gay?

Bem, ainda desejo a melhor vida possível para meu filho, como fazem todos os pais e mães. Não posso deixar de refletir sobre meu passado conturbado e pensar “por que eu haveria de desejar a mesma coisa para Milo?”. Sei que a vida dele será muito diferente da minha, mas às vezes não posso deixar de me preocupar. Enquanto todos os países do mundo não permitirem o casamento gay e não tiverem direitos iguais para todos, sempre terei medo.

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