Spike Lee critica ausência de negros no poder na Bahia

João Pedro Pitombo

Na área externa da sede da Prefeitura de Salvador, duas câmeras apontam suas lentes em direção à Baía de Todos-os-Santos. De pé, ladeado por uma equipe formada por 25 profissionais, o cineasta norte-americano Spike Lee olha em direção ao mar. Mas seu olhar vai além do belo cenário captado no segundo plano pelas câmeras.

Seu interesse está no vereador Sílvio Humberto (PSB), fundador do Instituto Steve Biko e um dos poucos representantes do movimento negro na Câmara Municipal de Salvador.

Sentado num dos bancos da varanda do paço municipal, Sílvio é surpreendido já na primeira pergunta: por que Salvador, cidade de população predominantemente negra, nunca teve um prefeito, governador ou senadores negros?

“Ele achou absurdo o fato da diversidade racial do Brasil não se refletir também nas estruturas de poder. Isso mostra um racismo estrutural na sociedade brasileira”, contou o vereador Sílvio Humberto, que cumpre o primeiro mandato na Câmara.

Captando imagens e entrevistas para o documentário Go, Brazil, Go, Spike Lee veio à Bahia para discutir a questão racial. O filme, que tem previsão de entrar no próximo ano, no festival de Cannes, na França, tem como foco central o atual cenário de avanços do país e protagonismo brasileiro no panorama internacional. Mas também pretende mergulhar a fundo nas contradições de um país que tem como principal marca a diversidade de raças.

Entrevistas – Desde a sexta-feira, 8, em Salvador, o cineasta já entrevistou e vai entrevistar artistas como Margareth Menezes, Carlinhos Brown e Ivete Sangalo, o presidente do Olodum, João Jorge, o governador Jaques Wagner e o prefeito ACM Neto (DEM), que conversou ontem com o cineasta por cerca de 40 minutos. Na conversa com o prefeito, mais discussão sobre a questão racial na capital baiana.

“O documentário vem em boa hora porque vai mostrar um problema que existe, mas vai mostrar também que existem providências que estão sendo adotadas pela prefeitura e pelo governo. Mostramos que esta é uma questão cada vez mais tratada com seriedade”, disse Neto ao sair da entrevista com o  responsável por filmes clássicos como  Faça a Coisa Certa  e Febre da Selva.

Carnaval – Como pano de fundo da captação de imagens do filme em Salvador, está o Carnaval baiano. Para o vereador Sílvio Humberto, um cenário perfeito para discutir a segregação da sociedade baiana, que reflete em seus circuitos carnavalescos uma divisão de classes que se espelha na divisão racial.

“O Carnaval é um reflexo do que temos na sociedade. Os brancos ficam em cima, nos seus camarotes ou protegidos pelos blocos e os negros ficam embaixo, segurando as cordas”, critica.

O prefeito ACM Neto, por sua vez, garantiu que a partir do próximo ano, Salvador terá um Carnaval mais plural, com espaços para os diversos setores da sociedade. “Vamos democratizar a participação de vários movimentos nas ruas, nos momentos mais importantes, nos momentos de maior glamour do Carnaval. A festa não pode ser apenas de certos grupos que economicamente têm resultados. O Carnaval tem que ser de todos os baianos”, afirmou.

Esta não é a primeira vez que Spike Lee vêm à Bahia. Em 1996, ele dirigiu a gravação do videoclipe da música They Don’t Care About Us, de Michael Jackson. Na ocasião foram feitas imagens do artista cantando junto com o Olodum, no Pelourinho. Para as gravações de Go, Brazil, Go, a equipe dirigida por Spike Lee deve visitar ainda os bairros do Pelourinho, Itapuã e Liberdade – todos eles marcados por forte influência da cultura negra.

 

Fonte: A Tarde

+ sobre o tema

Obama limita a entrega de material militar à polícia

Presidente aplica recomendações feitas por um comitê depois dos...

“Já mataram minha mãe e meu irmão. O próximo sou eu”

Na última quinta-feira (17), a líder quilombola e ialorixá...

Cem movimentos negros se articulam para resistir à retirada de direitos

Discurso histórico de Sueli Carneiro marca evento da Coalizão...

Polícia identifica homem e apreende bandeira nazista após vídeo circular nas redes sociais

A Polícia Civil de Santa Catarina apreendeu uma bandeira...

para lembrar

O racismo alemão tem um novo alvo: Özil

Depois do ataque racista a Jerome Boateng, muito bem...

Os nazis do século XXI

Enquanto os Jogos Paralímpicos se iniciam hoje em...

“Eu não era branca o suficiente para 5 projetos diferentes”, diz atriz de NCIS

Jennifer Esposito, mais conhecida por seu trabalho nas séries...

O capitalismo religioso e racista da filha do dono do baú

Primeiramente, fora Temer! Segundo, devo confessar que sou um...
spot_imgspot_img

Denúncia de tentativa de agressão por homem negro resulta em violência policial

Um vídeo que circula nas redes sociais nesta quinta-feira (25) flagrou o momento em que um policial militar espirra um jato de spray de...

Relatório da Anistia Internacional mostra violência policial no mundo

Violência policial, dificuldade da população em acessar direitos básicos, demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos...

Aos 45 anos, ‘Cadernos Negros’ ainda é leitura obrigatória em meio à luta literária

Acabo de ler "Cadernos Negros: Poemas Afro-Brasileiros", volume 45, edição do coletivo Quilombhoje Literatura, publicação organizada com afinco pelos escritores Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. O número 45...
-+=