Terceirizando Vidas

Nas últimas semanas, os legisladores se debruçaram sobre uma questão histórica e velada: dar legitimidade ao hipócrita sistema excludente de trabalho que nasceu nas senzalas e seus desdobramentos inócuos nas leis abolicionistas no Brasil. Determinaram que algumas atividades podem ser terceirizadas. A terceira pessoa não sou eu e muito menos você, é ele. Ele é alguém indeterminado e possível de ser qualquer um, cabe a ele cumprir, à primeira pessoa gozar do fruto da sua ação, e a segunda pessoa arcar com a responsabilidade do terceiro, a pontualidade de sua remuneração e colocá-lo no seu lugar por coerção e medo.

Por Mauricio Pestana  Enviado para o Portal Geledes

A história da divisão do trabalho no Brasil é sustentada à sombra de 380 anos de escravização do escravizado ou semovente, termo dado aos animais de tração ou rebanho tocado pelo capitão do mato e classificado pelo traficante de escravo que no momento da venda indicava o melhor uso da mão-de- obra. Esse critério produziu expressões como: “trabalho de negro”, “dia de branco” entre outras.

Algumas mudanças tímidas aconteceram no século XX, como surgimento da Consolidação das Leis Trabalhistas e fixação de um salário que no mínimo daria aos libertos possibilidade de existir. Os negros, por não acesso, herdaram um lugar na pirâmide social que a ele cabia na discriminação rigorosa, e deram aos seus filhos a herança dos lugares. O trabalho de negro nesse sistema que vigora até hoje é a posição subalterna, de menor valor, o de menor salário e em geral de maior risco de vida. Vigias, seguranças, empregados domésticos e faxineiros, entre outros, passaram a ser trabalhos de pretos, e não por acaso foram os primeiros trabalhos a cair rede de terceirização que já vigora a algum tempo em nossa economia.

As relações humanas que permeiam os trabalhadores de primeira, segunda e terceira classe não poderiam ser diferentes dado a sua origem e natureza. Quem já passou pelo serviço público sabe exatamente o olhar, por vezes discriminatórias existente entre concursados, comissionados e terceirizados. No setor privado a distância de salários entre brancos e negros, homens e mulheres, é comprovado por institutos como o IBGE e agora se intensificarão com a generalização da terceirização atuando como mais uma ferramenta de disseminação de discriminação e desigualdade no já desigual mercado de trabalho brasileiro.

Novas práticas de relações trabalhistas pautadas principalmente nas relações humanas terão um papel fundamental no novo ambiente de trabalho que se apresenta. Departamentos de recursos humanos terão que se adaptar e entender que muito mais que administrar trabalhadores, estarão administrando diferenças de gênero, origem, raça e agora mais intensamente condições de trabalho.  E na tabela social do açougue Brasil, de novo, “a carne mais barata do mercado será a carne negra”

+ sobre o tema

IR 2024: a um mês do prazo final, mais da metade ainda não entregou a declaração

O prazo para entrega da declaração do Imposto de Renda...

Mulheres em cargos de liderança ganham 78% do salário dos homens na mesma função

As mulheres ainda são minoria nos cargos de liderança...

‘O 25 de abril começou em África’

No cinquentenário da Revolução dos Cravos, é importante destacar as...

para lembrar

Aprovação mais alta do PT projeta bancada recorde

Partido tem maior relação entre preferência do eleitor e...

País dos vendilhões

A ONU aponta que, aproximadamente, R$ 200 bilhões por...

Wellington Dias diz que 22 governadores concordam com pacto nacional de medidas restritivas para conter a Covid-19

O governador do Piauí, Wellington Dias, representante do Fórum...

Ministério da Saúde prevê que Brasil tenha 3 mil mortes por dia de Covid-19, diz Valor

Integrantes da cúpula do Ministério da Saúde avaliam que...

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação de desnutrição aguda, a ONU alerta que o mundo dificilmente atingirá a meta estabelecida no...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na terça-feira que Portugal foi responsável por crimes cometidos durante a escravidão transatlântica e a era...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...
-+=