Um casulo, diversas borboletas e muitos conteúdos nacionais

Enviado por / FonteECOA, por Camila de Moraes

Interessante pensar que carregamos o potencial de transformação, que em determinados momentos necessitamos entrar para o nosso casulo, em nosso refúgio interior, para tecermos assim a renovação e alçarmos voos mais altos, para sermos mais belos, plenos e realizados, tal qual a transição de lagarta a borboleta.

Em busca deste autoconhecimento e de crescimento profissional foi que, em um determinado momento da minha trajetória, decidi criar a Borboletas Filmes, uma produtora e distribuidora de filmes independentes com o intuito de difundir conteúdo nacional.

Traçando um paralelo com a minha história e de outros profissionais negros atuantes na área do audiovisual brasileiro, foi possível constatar as dificuldades enfrentadas por esse grupo tanto para produzir suas obras como para distribuí-las.

Portanto, se faz pertinente o debate com um recorte interseccional (raça, gênero e classe) como elemento indissociável para a compreensão das desigualdades dentro do setor e para, assim, descobrir meios para solucionar tais desigualdades.

Cartaz do documentário “O Caso do Homem Errado”
Imagem: Reprodução

Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), de 2016, revelam o abismo encontrado entre, por exemplo, produções dirigidas e produzidas por homens brancos (75,4%) e mulheres negras (0%), ao se tratar de filmes que chegaram ao circuito comercial.

Ao produzirmos, de forma independente, o documentário de longa-metragem “O Caso do Homem Errado”, que aborda o extermínio da juventude negra no Brasil, percebemos o quanto os obstáculos dificultam o nosso caminhar.

Após oito anos na saga para produzir o filme, somente em 2018 conseguimos entrar em circuito comercial. Daí, descobrimos que já se passavam 34 anos desde que outro longa-metragem com direção de uma mulher negra fora exibido no cinema.

A primeira mulher negra a colocar um longa-metragem no circuito comercial, aqui Brasil, foi Adélia Sampaio com o longa-metragem de ficção “Amor Maldito”. Em mais de 100 anos de história do cinema brasileiro somente dois longas com direção de mulheres negras chegaram comercialmente nas salas de cinemas. Esses dados dizem muito sobre as estruturas brasileiras e as relações étnicos raciais dentro do setor.

Para distribuirmos este documentário foi preciso criar os nossos próprios contextos. Foi imperativo ter uma maleabilidade para encontrar caminhos, para recriar perspetivas, para absorver ideias e digerir novas formas.

Enquanto uma empresa distribuidora entra em cartaz com um filme em circuito comercial em diversos estados ao mesmo tempo, nós levamos um ano para conseguirmos circular por 21 salas de cinemas dentro do Brasil. Fomos de estado em estado, fazendo pré-estreia, fazendo debates e ficando ao menos duas semanas em cartaz em cada localidade. Nesse processo, houve um aprendizado enorme, discussões potentes e cruzamos muitas pessoas na luta por uma sociedade mais justa.

Passados três anos e meio de uma distribuição independente, também conseguimos licenciar o documentário para um canal de TV brasileiro, o Canal Brasil, e para plataformas de streaming como GloboPlay, SPCine Play. Por iTunes e Google Play chegamos a 18 países da América Latina.

Talvez por não termos as ótimas condições, isto nos faz sair do casulo com força e vontade de provocar uma transformação. Toni Morrison, a primeira mulher negra a ganhar o Prêmio Nobel de literatura escreveu: “exatamente nos momentos difíceis que a gente tem que se provar”. E mais do que nunca, em pleno ano pandêmico deste 2021, a gente precisa produzir, respirar e distribuir arte e cultura.

A Borboleta Filmes ainda não ganhou o seu registro no mercado, mas encontrou diversas outras borboletas tão lindas que colorem, iluminam e auxiliam em cada voo, em cada possibilidades de encontrar o novo, de reconstruir as estruturas já existentes para que em cada avançar de minuto elas possam ser mais inclusivas e diversas.

Temos a ciência de que nós brasileiros somos seres criativos e vamos sempre dar um jeito de produzir arte. O importante é termos um espelho para nos reconhecer e nos enxergarmos como país. Percebemos que as produções nacionais cada vez mais estão ganhando forças e que as plataformas digitais são uma vertente de distribuição muito potente, que tem valorizado muito as produções nacionais. Acredito que seja uma das formas de nos fortalecer daqui em diante. Esse ambiente pode representar o futuro da cultura no país e é uma forte ferramenta para lutar contra o retrocesso que a área vive.

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