A cada 34 horas, uma pessoa da comunidade LGBTQIAP+ é vítima de morte violenta no Brasil. É necessário enfatizar: a cada quase dois dias no país, alguém, por sua condição e existência, morre justamente por suas características. Um tio, uma vizinha, um parente, uma amiga do filho, a mulher que foi sua babá, o condutor do trem, o artista ou também aquela alma passante que comprava pão mais cedo, recebia salário e pagava impostos até ontem – todos tinham uma vida e agora não estão mais aqui. Um cidadão ou cidadã brasileiro/a, mas que não é você. Ainda bem?
Na região Sudeste, onde estou enquanto escrevo, vemos o ápice da crueldade contra a população que mais sofre com o descaso das políticas públicas, que, quando existem, frequentemente não se tornaram efetivas para salvar 100 vidas. Era pra ser o contrário, mas não rola, e o que se vê no cenário é um empilhar de caixões. Enterramos possibilidades, descartadas como se não valessem o esforço para que pudessem ter o direito de ser e também de viver. Desperdiçamos soluções.
Os números são do mais recente relatório do respeitado Grupo Gay da Bahia (GGB), ONG que atua há 44 anos para compilar esses dados, e nos esfrega na cara uma de nossas maiores feridas. “Persiste o padrão de travestis serem assassinadas a tiros na pista, terrenos baldios, estradas, motéis e pousadas, enquanto gays e lésbicas são mortos a facadas ou com ferramentas e utensílios domésticos, sobretudo dentro de seus apartamentos”, diz o relatório que deveria fazer o Brasil parar, mas nem cócegas faz.
Das vítimas, o mais jovem tinha apenas 13 anos e foi morto em Sinop (MT) após uma tentativa de estupro. É a idade que fará minha sobrinha-filha daqui um tempo, e o coração de tio-pai aperta. Como pensar que alguém de 13 anos foi vítima da barbárie simples e desmedida? Como se não bastasse a revolta, as especificações ganham ainda mais contorno por explicitarem uma trajetória de ainda mais preconceito: 127 casos se referiam a pessoas travestis e transgêneros, 118 eram gays – sendo que nove foram identificadas como lésbicas, e três, como bissexuais.
Minha cabeça rodopia e penso: como esperar que alguém LGBT+ chegue, por exemplo, aos 60 anos? Como firmar esse pacto pela vida, colocando-o em prática? Há saídas? É o que me abraça o documentário ”LGBT+60” – dividido em pílulas – dirigido pelo jornalista Yuri Fernandes, com produção de Giulia da Graça, através da Vinte Poucos, e lançado na última semana pelo portal Colabora.
Trata-se de um sopro. Em cinco novos episódios, a série, premiada com suas duas temporadas anteriores, chega à terceira, brindando a vivência de quem burlou o sistema e reexiste, numa afirmação de certezas, apesar dos pesares.
“São histórias que nem todas as pessoas estão acostumadas a ouvir, seja na mídia ou em debates. São idosos LGBT+, de diferentes contextos sociais, que contam sobre suas experiências, muitas vezes dolorosas, mas também sobre conquistas e sonhos”, conta Yuri.
Realizações de uma geração cheia de desejos, sobretudo o de permanecer viva.
Será que é tão difícil assim?