Larissa Dias, de 23, do Rio de Janeiro, é figurinista e DJ e estava no metrô a caminho do trabalho e uma senhora, que a estava observando, tirou uma foto dela sem a sua permissão e compartilhou nas redes sociais com comentários racistas sobre seu cabelo, que é crespo: “Tudo isso disfarçado de ‘é a minha opinião”
Por PRISCILLA GEREMIAS, da Marie Claire
Era só mais uma sexta-feira qualquer, eu estava a caminho do meu trabalho como sempre faço todos os dias. Entrei no metrô em direção a Tijuca e reparei que havia uma senhora na minha frente me observando muito, mas ignorei. Sempre acontece, ainda mais quando solto o cabelo. Nesse mesmo dia, logo mais à noite me mandaram o print, essa senhora havia me fotografado sem a minha permissão e postou a minha foto no Instagram fazendo comentários racistas e bizarros sobre o meu cabelo, tudo isso disfarçado de “é a minha opinião”.
Eu não vi quando ela me fotografou, mas percebi a forma que ela me olhava, com tom de deboche. Quando eu resolvi denunciar o caso no Twitter nem imaginei que teria grande repercussão, mas acho necessário, temos que no mínimo fazer algum barulho diante disso. Usar as redes pra denunciar casos como esses tem encorajado mais gente a procurar por justiça. Nunca tinha passado por nada tão pesado como nesse caso do metrô, aquilo me feriu demais. Uma pessoa que nem me conhece se sentiu no direito de me fotografar e publicar a minha imagem me humilhando. Logo depois desse caso, que apareceu em alguns blogs , surgiram mais pessoas apoiando a tal senhora. Usando a mesma desculpa de que era apenas a opinião delas sobre o meu cabelo, e usando outras fotos minhas pra ilustrar o preconceito delas. Uma dessas pessoas era um homem que se dizia jornalista e armamentista. Infelizmente acho que ainda pode acontecer outros ataques, as pessoas não estão acostumadas a reconhecerem suas atitudes como racistas.
Essas pessoas não têm o direito de fazerem isso conosco. Ninguém ridiculariza o cabelo liso, então por que eu devo ser alvo desse tipo de coisa? Agora estou disposta a denunciar quantas vezes forem necessárias. Fiz o boletim de ocorrência na por injúria racial e uso indevido de imagem na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) dois dias depois de ocorrido e estou aguardando a investigação. No mesmo dia, quando estava voltando do trabalho para casa, encontrei a Valéria[Lúcia dos Santos, advogada negra que foi algemada durante audiência no 3º Juizado Especial Cível, no Rio, em setembro do ano passado] por acaso, na Central do Brasil. Coincidentemente eu estava com o boletim de ocorrência na bolsa, contei a ela sobre o ocorrido e ela se propôs a me ajudar e cuidar do meu caso.
Levei muito tempo até aceitar o meu próprio cabelo, 18 anos na verdade. Antes disso, não conhecia formas de cuidar dele e achava que realmente ele era um grande problema na minha vida. Alisava desde os 7 anos de idade, porque fui ensinada que o cabelo bonito era o liso, não o meu. Não culpo a minha mãe ou minha avó por me fazerem pensar assim, pois elas só reproduziam esse discurso que está enraizado. A nossa sociedade fez com que elas também pensassem dessa forma. Eu me odiava, não entendia o porquê os meninos nunca me escolhiam para ser o par nas festas da escola, o auto-ódio na verdade era pura pressão estética, as crianças debochavam e me faziam chorar, minha mãe só queria que aquilo tudo fosse menos doloroso pra mim, por isso recorríamos até as químicas.
Aos 18 eu me livrei do antigo cabelo, que já não me representa mais. Eu comecei a me perguntar o por que eu fazia aquilo comigo mesma, me sentia refém de algo que nunca seria meu, eu nunca iria conseguir mudar a estrutura do meu cabelo e por isso resolvi mudar a minha forma de olhar pra ele. Aprendi a amar minha nova estética também como forma de sobrevivência. Eu precisava gostar do que via no espelho por que eu vou ser esse cabelo pra sempre. Hoje reconstrui a minha auto estima e sei que o meu cabelo é incrível e único. De lá pra cá eu passei por algumas situações bizarras de racismo velado e escancarado mesmo. Já perdi vaga de emprego, tive as minhas fotos expostas por perfis fakes com comentários pavorosos. A primeira vez foi no Twitter, eu tinha falado sobre como me sinto bonita e do nada mais de 20 pessoas surgiram me atacando, dizendo que eu não poderia “me achar” daquele jeito. Eles estão acostumados a verem o negro se odiando, ter um pouco de autoestima quando não se é o padrão ainda choca demais. Eu não denunciei esse caso judicialmente, deixei pra lá pois não sabia o que fazer e nem a quem procurar. Mas prometi que não deixaria passar caso acontecesse de novo, e aconteceu.
Eu espero que essas pessoas paguem por suas atitudes, é muito fácil se esconder atrás de uma tela e disseminar ódio contra as pessoas, por isso acho necessário dificultarmos essas atitudes denunciando. Já existem algumas delegacias especializadas em crimes virtuais no Brasil, hoje não é difícil achar e punir quem comete esse tipo de crime.
Deus é bom o tempo todo, eu acabei de encontrar a Valéria aqui na Central, a advogada negra que foi arrastada numa audiência e que coincidentemente mora na minha cidade. Eu fui falar com ela o que tinha acontecido e ela se propôs a cuidar do meu caso. Não sei nem o que dizer! pic.twitter.com/4zzsZSGGBC
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eu estou de férias mas meus advogados nãopic.twitter.com/MeM8zRnBK7
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Ele fez mais de um post e ainda me marcou no instagram, tá com tempo de sobra pic.twitter.com/Gku93W2Eme
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Acabaram de me mandar isso, eu estava no metrô indo TRABALHAR. Nunca vi esse lixo humano na vida, sei lá sabe. Eu vou achar essa racistinha nem que seja a última coisa que eu faça. pic.twitter.com/Xy4m0EIWdP