Usando novas tecnologias angolano luta nos EUA pela cultura do Reino do Congo

Usando as novas tecnologias, Rocha Nefwani, nascido na antiga capital do Reino do Congo, Mbanza Congo, (Angola) mas hoje residente em Tucson (EUA), lançou uma autêntica cruzada global em defesa da língua, tradições e valores culturais dos seus ancestrais, que cumina, em Novembro, num congresso em Paris. Para ele, as colonizações belga, francesa e portuguesa alienaram de tal modo os africanos que, hoje, eles «reflectem mais a imagem dos europeus, do que os próprios europeus » embora o primeiro-ministro português nascido em África, não tenha um nome africano.

Lusomonitor – O que aconteceu para viver hoje tão longe da terra onde nasceu? Esse percurso, certamente não foi isento de sofrimento, não o marcou como ser humano ?

Rocha Nefwani – O facto de ter nascido em Angola e de viver agora em Tucson, não é para mim motivo de sofrimento. Esse trajecto tornou-me num homem equilibrado, por ter sido exposto a culturas diferentes.

Lusomonitor – Das suas páginas electrónicas, emana uma paixão e um sólido conhecimento da sociedade e cultura congos. Como é que a sua família lhe passou esses valores, vivendo no estrangeiro ?

Rocha Nefwani – Os meus pais falavam sempre com os filhos em quicongo e, por vezes , o meu pai corrigia-me, quando eu usava palavras em português. Preocupavam-se ambos em falar-nos da nossa cultura, da história familiar, clãs e com o facto de, apesar de crescermos na República Democrática do Congo como refugiados, sermos descendentes de duas famílias dignas, respeitáveis, com uma história e uma grande cultura.

Com esta base, eu nunca poderia esquecer as minhas raízes em Mbanza-Kongo.

Lusomonitor – Qual é o seu objectivo ao criar várias páginas na Internet ?

Rocha Nefwani – Por todo o lado por onde passava, ao longo da minha vida, perguntava-me sempre como podia subir a montanha – estou a citar o povo do Congo. Com o tempo, comecei a gostar da História dos congos em Brazaville, na República Democrática do Congo e em Angola.

Em jovem, tive oportunidade de ver em pessoa o Padre Fulbert Youlou [líder nacionalista que foi o primeiro presidente do Congo], quando eu estava de férias em Brazaville. Era um congo, Presidente.

Apesar da minha idade, vivi e apreciei as actividades da Abako [Aliança dos Bacongos, organização política e cultura], vi e ouvi o presidente Kasa-Vubu, um congo na presidência.

Embora jovem, vi e apreciei Holden Roberto, presidente da FNLA, também ele um congo.

E acima de todos eles, estava o meu pai, um congo corajoso, que quando o vieram prender, durante a revolução, pediu altivamente aos militares que esperassem que ele acabasse a sua refeição, antes de ser conduzido à prisão, onde ele passava quase todos os fins-de-semana.

Quanto à criação do grupo « Royaume do Kongo (Reino do Congo, (www.facebook.com/groups/Grouperoyaumedokongo

e www.royaumedokongo.com) », hoje com 15 mil aderentes, o nome foi escolhido na base da história social dos congos : ‘Kongo’ representa os congos do mundo em geral, isto é os descendentes do Reino do Congo Dia Ntotela. A primeira palavra, ‘royaume’, é francesa, a segunda, ‘do’ , portuguesa e a terceira, ´kongo´, quiconga. O grupo cobre o espectro geográfico de todo o lado em que vivem os congos espalhados pelo mundo e é também apolítico. Os seus membros têm várias religiões e espalham-se por 56 países.

Lusomonitor – Qual é a finalidade, que objectivos tem?

Rocha Nefwani – A finalidade do “Royaume Do Kongo” é unir os Congos pelo mundo, promover, constituir, conduzir, reforçar e apoiar as actividades necessárias para a unidade e a solidificação de tradições e valores culturais dos congos pelo mundo.

Os objectivos são: unir os descendentes dos congos espalhados pelo mundo, manter o contacto com os Congos que vivem na cidade histórica de Mbanza Congo, incentivar o respeito mútuo e a harmonia entre os congos, criar uma ligação de relações humanas entre os seus descendentes pelo mundo, fomentar o conhecimento e a prática da língua quiconga, incentivar os valores culturais dos congos, promover foros sobre assuntos sociais, económicos, financeiros e culturais para dar plenos poderes ao povo bacongo, salientar o reconhecimento da identidade bacongo e dos seus fundamentos culturais, encorajar inter-acções culturais para criar um ambiente favorável para relações culturais e sérias.

Como se pode ver, há várias componentes nestas páginas : a do Facebook foi criada para dar aos descentes dos congos espalhados pelo mundo uma rede onde se encontrarem e falarem da sua cultura, História e outros assuntos em geral, exceptuando a política e a religião.

Criámos também uma outra página, chamada « Centro Cultural E de desenvolvimento des Kongo » (www.CentroCultural(E)DesenvolvimentodoKongo) Com ela, todos os congos, que não falam quicongo podem aprender esta língua – e muitas outras coisas.

Há ainda a página « Le Seminario Do Royaume Do Kong » – (www.facebook.com/groups/seminariodoroyaumedokongo) Contráriamente a outras páginas que se interessam mais em angariar dinheiro dos seus seguidores, este grupo pensa sobretudo em tornar os seus membros economicamente independentes.

Ensinamos-lhe, por exemplo, como ganharem dinheiro no mercado FOREX, 4rX, ou então a fazer comércio.

No nosso blog, publicamos todos os artigos escritos pelos nossos membros, sobre qualquer assunto, excepto pornografia.

Inserimos também ilustrações dos nossos antigos reis, chefes espirituais e políticos, não só para lhe prestar homenagem mas também para mostrar aos nossos membros que já fomos um povo respeitável, ao mais alto nível, embora hoje estejamos numa posição inferior nos países onde vivemos.

Por último, há a revista que publicamos « La Rue » (www.laruemeurt.com)

Lusomonitor – Quando fala em «dar plenos poderes ao povo bacongo» o que quer dizer ?

Rocha Nefwani – Ninguém gosta de ficar em último lugar. Queremos ver os congos ‘subirem a montanha’. Vamos fazê-lo em conformidade com as leis dos países onde residimos mas revivendo a nossa cultura, ensinando a nossa História, retomando a nossa identidade com os nossos nomes ancestrais e respeitando as nossas normas e valores que fizeram de nós um povo forte e respeitado.

Um homem que não seja alienado e saiba quem é, é forte e poderoso. Em contrapartida, um homem alienado, escravo em si mesmo com nomes estrangeiros, esquecido da sua cultura e da sua História, é um homem sem fundamento, que não tem qualquer valor e que não pode ser respeitado porque já não existe. Tornou-se num produto do seu dono que o inventou.

O grupo «Royaume Do Kongo» vai mudar essa imagem e eliminar essa alienação, libertando o nosso povo e dando-lhe uma nova estrutura e apreciação da nossa cultura, História, espiritualidade e readaptação dos nomes dos nossos antepassados.

Há razões para mudarmos os nossos nomes. À chegada à Àfrica Central, os governos belga, francês e português decidiram imediatamente mudar os nomes dos nossos antepassados, introduzindo a sua religião, usurpando-nos a nossa cultura e normas, e, a pouco e pouco, mudaram a nossa História.

Os três países fizeram de nós alienados a cem por cento, ao ponto de nós reflectirmos hoje a sua imagem de europeus, mais do que os próprios europeus.

Quando os escravos negros chegavam à América, a primeira coisa que os europeus faziam era dar-lhe novos nomes, apagar a sua História, proibi-los de utilizarem as línguas africanas. Humilhavam a dignidade do homem africano violando as suas mulheres, humilhavam-nos em frente das mulheres e dos filhos. O produto final é que hoje muitos dos nossos irmãos negros se identificam mais com os brancos do que com os negros africanos e com o nosso continente.

Mostre-me um branco que tenha nascido em África e que se chame Nkitankute ou que tenha qualquer outro nome africano. Mostre-me um branco que prefrira a alimentação africana à europeia. Mostre-me na América do Norte uma maioria de brancos que prefira as mulheres negras às brancas. Mostre-me uma maioria de brancos que prefira usar o vestuário africano (daskikis), em vez dos seus fatos europeus. Conhece algum branco que cante canções africanas quando toma o seu banho matinal ? Ou algum europeu que na intimidade do seu leito fale línguas africanas ?

A resposta é sempre não mas, pelo contrário, todas estas questões são aplicáveis aos negros. É essa alienação que o grupo Royaume du Kongo quer mudar nos congos. A contaminação com uma alienação perpétua, ao longo de tanto tempo, nunca fará os congos livres, seja onde for que habitem.

Sabe que o primeiro-ministro português nasceu em Angola e também viveu lá bastante tempo ?

Recentemente, fez lá uma viagem oficial e foi recebido por altos dignatários angolanos. Não seria bom se ele fosse lá com um nome africano ? Por exemplo, Ndoki a Nguaku.

Mas ele foi lá com o seu nome português, Pedro Passos Coelho – e as pessoas que o receberam, que vivem em Angola, e que são angolanas receberam-no todas com nomes portugueses.

Utilizando o reverso psicológico, o grupo Royaume Do Kongo vai fazer renascer os congos. Este é o poder de que falamos, ver os congos não-alienados e unidos.

Lusomonitor – Antecipa uma balcanização ou restituição do antigo Reino do Congo ?

Rocha Nefwani – Como o nosso mandato e estatutos estipulam, somos apolíticos. Logo não tenho o poder, nem o nosso grupo no momento em que falamos o pode ter, para se aventurar a fazer embarcar o povo congo em direcção à balcanização, sem um referendo apoiado pelo menos por 30 por cento dos congos – 30 por cento porque estatiscamente com um foro adequadamente seleccionado com 30 por cento de garantia representaria o desejo deste foro. Aqui o foro representa o povo congo.

Pessoalmenjte, não sei se seguir nessa direcção será viável, tendo em conta que o mundo se dirige para uma globalização. Acabamos de ver nascer a União Europeia, os países da Ásia ponderam fazer o mesmo. O Canadá e os Estados Unidos da América estão em vias de estudar essa possibilidade. Esse pode ser um sonho de outros mas não é o meu em particular, nem do nosso grupo.

Lusomonitor – Porque não regressou a Angola ?

Rocha Nefwani – Depende do que quer dizer com regressar a Angola. Claro que regressei a Angola. Em 1974, toda a minha família voltou a Mbanza Congo. Em Janeiro de 1975, ganhei uma bolsa de estudos para estudar nos EUA. A guerra já assolava o país, quando saí pela fronteira de Songololo, em direcção a Kinshasa para apanhar o avião que me trouxe para os EUA.

Lusomonitor – Como vê Angola presentemente ? Não há lugar para si ?

Rocha Nefwani – Continuo a amar Angola que é o meu país. Espero que possamos todos juntos entendermo- nos e viver em paz. O país é grande, rico e há lugar para todos nós. Rezo para que todos os que gostam de fazer política, bem como o actual governo, se entendam e façam de Angola uma potência da África Central.

Seguramente que haverá sempre lugar para mim em Angola. É o meu país. Mas devido a outros contratempos e obrigações, agora o tempo não é ainda propício a que considere a alternativa de voltar ao país.

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