Considerações sobre o estupro coletivo no Rio de Janeiro

Eu li vários textos sobre o estupro coletivo no RJ e boa parte deles focam no apoio à vítima, na denúncia dos estupradores e na importância do feminismo. Eu gostaria de dar um foco na comunidade.

Enviado por Sthéfani Luane via Guest Post para o Portal Geledés 

fd640308-0a45-4544-bd0e-fb7cef2d4586

Se a comunidade acredita que a menina merece ser punida por traição, se ela ficou com vários homens ao longo da vida dela e é mal-vista lá, então o foco não deveria ser somente em punir os estupradores, mas também na educação da comunidade.

Digo isto porque, se a menina é pobre, ela não vai conseguir morar em outro lugar. Ela vai continuar na comunidade. E, assim como a maioria das mulheres, ela, provavelmente, vai sentir culpa pelo abuso. E se boa parte da comunidade culpá-la, vai ser mais difícil ainda dela se recuperar.

O problema das pessoas que escrevem sobre o caso é esquecer que nem toda mulher é considerada digna de respeito, nem toda mulher se considera digna de respeito, nem todas as pessoas veem o caso como estupro e restringir o caso somente à vítima e ao agressor é ter um olhar superficial sobre o tema. Por isso, eu considero de extrema importância saber como as pessoas que vivem lá veem o caso.

Ao mesmo tempo, eu sei que a confiança de fazer um vídeo estuprando uma menina e compartilhar na PRÓPRIA rede social não surge do dia para noite. Outras pessoas que vivem ali participam da rede social desses 30 homens. Outras pessoas que vivem ali conhecem esses 30 homens. E eu me pergunto: É a primeira vez que eles estupram? Por que eles têm confiança de postar um vídeo de estupro na própria rede social e não possuem medo da comunidade denunciar? Quantos na comunidade não sabiam quem eles eram?

E eu não estou dizendo que a culpa é da comunidade. Eu estou dizendo que é possível que tenha omissão por parte de várias pessoas que convivem com os 30 homens. Existe a possibilidade também do estupro coletivo ser recorrente e naturalizado lá e a exposição na internet ser o único motivo para comoção – o que precisa ser estudado. E se você não levar isso em consideração, as chances de acontecer novamente no mesmo lugar é relativamente alta. E, pelo caso ter tido repercussão, na próxima vez eles serão mais inteligentes de não publicar na própria rede social.

O importante é compreender que não adianta se comover e não pensar em meios de solucionar o problema.

Eu vi que, em São Paulo, vai ter um evento denominado “Por todas elas”. A minha pergunta é: Por que a comunidade não organizou um protesto também? O que isso significa? Por que a pressão por denúncia/punição veio de fora da comunidade? E não apenas isso. Quantas feministas estão dispostas a fazer um evento dentro da comunidade contra o estupro coletivo? Quantas compreendem as relações de poder envolvidas ali dentro?

Eu, sinceramente, espero que alguém esteja procurando respostas. Existe um motivo para dizermos que o machismo é estrutural e não vai ser apenas caminhar com cartazes que vai mudar a dinâmica da cultura do estupro. Considero o evento como algo simbólico, mas precisamos de projetos que busquem o diálogo com a comunidade.

+ sobre o tema

Mulher vítima de violência será atendida pela Central Ligue 180

A Câmara dos Deputados aprovou nessa segunda-feira (3), em...

Gisele, eu tenho um cérebro!

Algum tempo atrás eu escrevi um artigo intitulado "E...

“Mulher que posa para fotos íntimas não cuida da moral”

Justiça de Minas Gerais reduz pena de ex-namorado por...

Relatório aponta desigualdades de gênero no acesso à educação

No marco da Campanha Educação Não Sexista e Anti...

para lembrar

Coisa de mulherzinha

Uma sensação crescente de indignação sobre o significado de ser mulher num país como o nosso tomou conta de mim ao longo de março. No chamado "mês...

Robinho chega à penitenciária de Tremembé (SP) para cumprir pena de 9 anos de prisão por estupro

Robson de Souza, o Robinho, foi transferido para a Penitenciária 2 de Tremembé, no interior de São Paulo, na madrugada desta sexta-feira (22). O ex-jogador foi...

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...
-+=