‘Os pretos construíram a base pra que hoje eu esteja aqui’, diz estudante negra de medicina da UERJ

A população negra representa 54% do total do País, mas são apenas 17,4% da parcela mais rica do País, de acordo com dados do IBGE em 2014.

Por Ana Beatriz Rosa Do Brasil Post

Ainda de acordo com o Instituto, 45,5% dos estudantes de ensino superior são negros.

Apesar desse número ter crescido, raramente estes estudantes estão em um curso como o de Medicina, o mais elitizado do país. Nele, apenas 1,5% dos formandos dizem ser da cor preta. Se ainda acrescentarmos o recorte de gênero, as mulheres-negras-médicas são uma parcela ainda menor.

Mirna Moreira faz parte desse ínfimo grupo. Em um post da página Boca de Favela no Facebook, idealizada pela jornalista Mayara Ximenes, a estudante de Medicina da UERJ, em depoimento, disse que reconhece que hoje ocupa um lugar que é privilegiado se comparado a outros tantos jovens na mesma situação que a dela:pretos e pobres.

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“Quando você mora na favela, é mulher preta, e você quer chegar num determinado lugar, você precisa planejar, porque se não você perde muito tempo batendo cabeça, e a gente não tem nem tempo, nem dinheiro, para ficar na experimentação.

Lembro que quando me perguntavam o que eu queria cursar e eu falava medicina, tinha gente que virava e falava: ‘ah, mas você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica’. Uma vez numa aula no pré vestibular, um professor entrou em algum tema dSee More

“Quando você mora na favela, é mulher preta, e você quer chegar num determinado lugar, você precisa planejar, porque se não você perde muito tempo batendo cabeça, e a gente não tem nem tempo, nem dinheiro, para ficar na experimentação. Quando me perguntavam o que eu queria cursar e eu falava medicina, tinha gente que falava: ‘ah, mas você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica‘. Uma vez numa aula no pré vestibular, um professor falou: ‘olha pro lado e me diz quantos negros tem nessa sala’. Foi aquele momento que todos os olhares da sala se viraram pra mim.”

Mas ela não pretende ser apenas mais um número por trás de uma estatística. Hoje, ela sabe que é uma espécie de exemplo para outras pessoas que enfrentam as mesmas dificuldades que ela, mas que possuem um sonho e a vontade de mudar a realidade. Mais do que isso, ela sabe que a representatividade importa.

“O meu maior acerto foi ter assumido minha estética enquanto mulher negra antes de entrar no espaço da universidade. Eu entendi que é muito importante estar ali porque existe a questão da representatividade, que se estende para fora da academia também. Quando eu visto meu jaleco branco e subo o Morro dos Macacos representando a instituição UERJ, como fiz em uma ação sobre sexualidade na adolescência numa escola pública, e as meninas negras dessa escola pedem para tirar fotos comigo, elogiam meu cabelo crespo, e de alguma forma me veem como referência, eu só tenho mais certeza disso. […] Eu nunca tive uma representação próxima que eu pudesse me espelhar no campo profissional, essa mulher, negra, médica.”

Quando as políticas e regras sociais existentes não conseguem incluir jovens como Mirna em igualdade de oportunidades, o que se tem é o vácuo. E desse vácuo histórias de superação e empoderamento surgem como exemplos esperançosos. Mirna tem orgulho de onde está, mas, sobretudo, de onde veio.

“Por isso, principalmente nos espaços acadêmicos, eu faço questão de afirmar que sou do Complexo do Lins. Esse lugar faz parte da minha identidade. Sei da onde eu vim, quem me ajudou a chegar até aqui, e não foi nenhum médico de formação, foi minha mãe que trabalhou como diarista por muitos anos, meu pai que já trabalhou como pedreiro, e que sempre priorizaram meus estudos. Eu sei quem são os pretos que construíram a base pra que hoje eu esteja aqui hoje.”

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