O mérito de proibir a escravização e libertar as 700 mil pessoas ainda oficialmente cativas no Brasil de 1888 é da Lei Áurea. Mas é impossível ignorar que, no pós-abolição, o Estado não cumpriu seu papel para promover a inclusão dos negros na nossa sociedade.
A ausência de mudanças institucionais, prática nada republicana, gerou efeitos que hoje são aferidos em números vexatórios e em situações que deveriam ser inaceitáveis em qualquer lugar que se pretenda minimamente civilizado. Contudo, nessas terras foram naturalizadas e introjetadas ao cotidiano: miséria e pobreza são sinônimos de negritude.
Entre os 10% mais pobres da população brasileira, 78,5% são pretos e pardos, segundo o IBGE. Os mais altos índices de analfabetismo estão entre os negros. Além disso, a questão racial se conecta à de gênero e amplia a discriminação das mulheres negras.
As penitenciárias do país também têm cor, posto que 67,4% da população carcerária é preta ou parda, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O que alimenta e estimula um viés preconceituoso e racista que rotula pessoas negras como “elementos suspeitos”, “perigosos”, “indesejáveis”.
O tipo de coisa que faz com que pretos e pardos sejam agredidos, insultados, perseguidos por seguranças de estabelecimentos comerciais ou abordados pela polícia sem motivo aparente. A ponto de um jovem ser parado na rua pela PM três vezes no mesmo dia enquanto desempenha atividades corriqueiras como sair para comprar ração, ir à academia e comer um hambúrguer com amigos. Ou do deputado estadual paranaense Renato Freitas ser retirado de dentro de um avião para uma revista aleatória.
Passados 135 anos da abolição, a herança da escravização se manifesta em casos diários de violação e desrespeito à liberdade. Preconceito e racismo (ora dissimulado, ora explícito) minam nossa autoestima. Ainda assim, continuamos lutando, sonhando e apostando num futuro melhor.