27 de abril: dia da trabalhadora doméstica

Dia 27 de abril é o Dia da Empregada Doméstica. A data é uma homenagem à padroeira das domésticas, Santa Zita, que nasceu em 1218 na cidade de Lucca, Itália, trabalhou como empregada para uma família de nobres e foi canonizada em 1696.

Texto de Cecilia Santos com colaboração de Amanda Vieira.

Empregadas mensalistas, faxineiras diaristas, babás, cozinheiras são figuras presentes na maioria das casas urbanas de classes média a alta, uma força de trabalho majoritariamente feminina. É um trabalho desvalorizado, por não ser gerador de renda em si, e ainda assim considerado imprescindível por muita gente. Implica intimidade e com frequência produz laços afetivos, principalmente quando crianças ficam aos cuidados dessas profissionais.

Daí que a relação entre as pessoas envolvidas nesse trabalho, contratada e contratante, se torna ambígua, pois em vez de ser meramente profissional, acaba tendo também uma natureza pessoal. O que patrões e patroas pensam sobre elas, as empregadas, não é segredo, pois costuma ser assunto recorrente nas conversas sociais, quase sempre em tom de queixa: a empregada, essa ingrata, recebe a confiança dos patrões mas não retribui à altura, apesar de ser tratada quase como um “membro da família”.

 

Esse argumento da intimidade, nós sabemos, é uma estratégia boa para diluir qualquer objeção das trabalhadoras aos pequenos (ou grandes) abusos de poder de alguns patrões. Porque se a empregada é tratada com tanta benevolência ao ponto de ser acolhida como um “membro da família”, seria muita ingratidão reclamar de prestar serviços que não lhe cabem, ou fora dos horários convencionados.

Sempre que eu ouço alguém dizer que a empregada é praticamente da família, fico curiosa para saber se meu interlocutor ou interlocutora se interessa pela vida, a realidade, os desejos e frustrações daquela pessoa que lhe presta serviços domésticos.

Essas trabalhadoras praticamente não têm voz, não é verdade? Muitas delas cuidam de nossos filhos, muitas são mães também. E quem cuida dos filhos delas? O que elas fazem no (pouco) tempo livre de que dispõem? O que sentem, com que sonham?

Este post não pretende abordar aspectos legais do trabalho doméstico, que têm sido amplamente discutidos nos últimos tempos, como consequência da aprovação da PEC das Domésticas. Também tentaremos não apontar dedos (o que é difícil) — sabemos que há bons e maus patrões e patroas.

Entrevistamos algumas trabalhadoras domésticas que também são mães e saem para trabalhar deixando suas crianças em casa durante longos períodos. E são longos mesmo, como no caso de Josirene, 32 anos, que trabalha como diarista e gasta 2 horas de deslocamento entre a casa e o trabalho. Enquanto trabalha, seus filhos de 10 e 12 anos, ficam sozinhos.

Com a carência de vagas em creches e a praticamente inexistente oferta de escolas públicas em tempo integral, muitas crianças são cuidadas por um irmão mais velho ou uma vizinha. É o caso de Maria Tereza, 48 anos, empregada mensalista e mãe de 4 crianças com idade entre 6 e 15 anos, que ficam a cargo da filha mais velha. Outra mensalista, Lucimar, de 34 anos, com 3 filhos entre 3 e 10 anos, conta com uma vizinha para cuidar deles enquanto trabalha.

Elas escolheram o trabalho doméstico por necessidade. Maria Tereza seguiu os passos da mãe, também empregada doméstica, mas deseja ter bom salário para poder dar uma boa formação aos filhos e espera que a filha mais velha possa escolher outra profissão que não a sua. Educação de qualidade é também o que Josirene deseja para seus filhos: escola em tempo integral com vários cursos e atividades.

E o que fariam se não trabalhassem em casa de família? Maria Tereza gostaria de trabalhar numa empresa grande — ela sonha com um emprego com carteira assinada. Josirene completou o ensino médio recentemente e gostaria de fazer um curso de enfermagem, pois, segundo ela, “é uma profissão que acaba ajudando muita gente”. Já Lucimar reconhece que a falta de estudo é um impedimento para conseguir outro tipo de trabalho.

Pesquisas mostram que mulheres que trabalham fora ainda dedicam quase 3 vezes mais tempo ao lar e aos filhos do que os homens. E com as trabalhadoras domésticas não é diferente: depois de cuidar o dia todo da casa e dos filhos de outras pessoas e encarar o péssimo transporte público, vão cuidar da própria casa e dos filhos. Nem todas contam com os outros membros da família na divisão de tarefas, como na casa de Josirene, onde todo mundo se responsabiliza por uma parte do trabalho.

Mas existem pequenas redes de apoio, quase sempre formadas por mulheres, que se ajudam mutuamente: vizinhas, parentes, amigas. Lucimar conta que na igreja que frequenta, recebe muitas informações sobre como cuidar dos filhos.

Enfim. Felizmente, pequenas e grandes mudanças legais, econômicas e sociais que estão acontecendo devem favorecer as mulheres que vivem do trabalho doméstico remunerado, inclusive oferecendo a possibilidade de escolherem outras profissões. Mas além dos aspectos formais, mudanças de atitude no relacionamento de quem contrata esse serviço também são necessárias.

Como qualquer mãe de trabalha fora, a mãe trabalhadora doméstica tem filho que fica doente às vezes, tem reunião na escola do filho, tem cólica. Tem dias bons e maus. Merecem ser tratadas exatamente como esperamos que nossos empregadores de outros setores econômicos nos tratem: com respeito, consideração e profissionalismo.

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Cecilia Santos é tradutora, blogueira, feminista e mãe do Lucas. Publica boas receitas no Cozinha da Ceci.

Amanda Vieira é mãe da Sofia. Gosta de futebol, de cinema, de poesia, de política e de música, mas principalmente de deitar na rede e esquecer isso tudo. Seu blog pessoal é o Empatia.

O FemMaterna é um grupo de discussão sobre maternidade com uma proposta feminista. Se quiser participar, basta pedir solicitação na página do grupo. Participe também no facebook.

 

Fonte: Bloqueiras Feministas 

 

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