No Nordeste e no Centro-Oeste, porcentagem chega a 50%. Baixa atratividade da carreira docente é a principal explicação para o problema.
Por Luiza Tenente, do G1
Nas escolas brasileiras, cerca de 40% dos professores que atuam no ensino médio não têm formação adequada nas disciplinas que lecionam. São docentes que fizeram a graduação em outra área, não possuem licenciatura ou sequer se formaram na universidade.
Segundo dados do Censo Escolar 2019, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), há uma grande disparidade entre as cinco regiões. O quadro mais crítico é no Centro-Oeste, onde apenas 50,7% dos professores de ensino médio e 50,2% de ensino fundamental II têm a formação apropriada.
No Nordeste, o índice também é baixo: 53,9% dos docentes na última etapa de ensino possuem diplomas de graduação e de licenciatura na disciplina que ensinam.
Mesmo nas regiões com melhores números, a situação não é satisfatória. No Sul, 70,6% dos professores de ensino médio têm bacharelado e licenciatura na área em que trabalham – ou seja, 29,4% ensinam, diariamente, um conteúdo em que não são especializados.
Mas qual o prejuízo de ter um professor de matemática ensinando física? Ou um bacharel em química que não fez a licenciatura? Segundo especialistas, a formação inadequada traz um impacto direto na qualidade das aulas.
“Mesmo que sejam áreas parecidas, aquele profissional não se dedicou a estudar o assunto. O tipo de conhecimento que vai trabalhar com os alunos será superficial”, explica Ângela Soligo, professora colaboradora da pós-graduação da Unicamp.
“Se você sabe pouco, ensina pouco, mesmo que tenha boa vontade. Os alunos são curiosos, querem saber mais, mas o docente não será capaz de aprofundar o conhecimento. Ele está colocado num campo que não lhe pertence”, completa.
Gabriela Moriconi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, relata que, para o professor, também é desconfortável entrar na sala de aula e não ter segurança sobre o conteúdo a ser ensinado. “Ele acaba tendo de se virar para buscar outras fontes, como materiais didáticos ou colegas da área. Mas, claro, não terá o mesmo repertório e a mesma capacidade de lecionar que um formado. Os alunos serão prejudicados”, afirma.
Sem licenciatura
Os dados do Inep detalham qual o grau de formação dos professores. No ensino fundamental II, por exemplo, 30,8% dos docentes possuem licenciatura – mas em outro campo. É o caso, por exemplo, de um professor de história que dá aula de filosofia.
No ensino médio do Nordeste, 8,9% não têm nem graduação, nem licenciatura na disciplina que ensinam aos alunos. Na mesma região, mas no ensino fundamental I, um quadro ainda mais grave: 26,9% dos professores não concluíram o curso superior. Do sexto ao nono ano, 15% não frequentaram a universidade.
Para que o processo de aprendizagem seja adequado, é necessário que o docente tenha feito tanto a graduação, quanto a licenciatura. Ambas são imprescindíveis, conforme explica Soligo. “A pessoa pode até dominar o conteúdo, mas sua formação deve abarcar as estratégias de ensino: conhecimentos de como lecionar, preparar um plano de aula, elaborar uma avaliação e um cronograma”, afirma a professora da Unicamp.
Causas do problema
Há dois motivos principais para o alto índice de professores com formação inadequada:
- número insuficiente de formandos em determinadas graduações;
- baixa atratividade da carreira docente.
Por causa dos baixos salários e das condições ruins de trabalho, menos estudantes se interessam pela licenciatura. E, para quem escolhe a carreira de professor, a remuneração insatisfatória obriga que o indivíduo dê aula em mais de uma escola.
“Ele precisa de uma renda complementar, então não vai recusar ensinar uma disciplina que não corresponda à sua formação”, explica Soligo. “Há professores com jornada tripla de trabalho. É cruel com ele e com o aluno.”
Segundo o indicador de esforço docente, medido pelo Inep, 43% dos professores de ensino médio no Brasil têm de 50 a 400 alunos, trabalham em dois turnos, em uma ou duas escolas e em duas etapas de ensino diferentes (ensino fundamental e ensino médio, por exemplo). Nos colégios municipais do Pará, por exemplo, 36,8% dos docentes de ensino médio têm mais de 400 alunos e trabalham de manhã, à tarde e à noite, em duas ou três instituições de ensino diferentes.
Com uma carga horária intensa, sobra menos tempo para o docente investir em formação continuada. Ou seja: ele terá mais dificuldade para se instrumentalizar e melhorar a qualidade de suas aulas. O número elevado de alunos por professor também precariza a educação, já que será mais difícil elaborar planos de ensino individualizados.
Além disso, há casos de formandos em cursos como o de química que não desejarão trabalhar em colégios. “Há os bacharéis e os licenciados em química. O bacharel vai ter um emprego em uma grande empresa, com salários altos. O licenciado atuará em escolas, com remuneração defasada. É claro que a pessoa tenderá a optar pelo que dá melhores condições de vida”, afirma Soligo.
“Faltando professor na disciplina, os colégios procurarão alguém com formação em área próxima. Mas já vi até docente de inglês dando aula de biologia”, complementa.
Possíveis soluções
Para melhorar a qualidade do ensino, é necessário tornar a carreira de professor mais atrativa. “As condições de trabalho são decisivas. O profissional precisa saber que conseguirá atuar apenas em uma escola e se dedicar a ela, com salário razoável. Não adianta nem investir em programas de formação continuada. São cursos que não vão ensinar os conhecimentos básicos da disciplina”, afirma Moriconi. “Não dá para contratar e, depois, querer arrumar.”
A valorização da educação é o caminho para atrair mais profissionais para a docência. “As escolas públicas são patrimônio da nação. Se você contratar um professor que só tem domínio superficial da área, estará encontrando uma solução artificial para o problema. É a formação dos jovens que está em jogo”, diz Soligo.