É difícil fazer com que os “bem intencionados” entendam o racismo

HÁ NO INÍCIO do livro “The Erotic Life of Racism”, de Sharon Patricia Holland, uma história que sempre me vem à cabeça quando ouço a expressão “gente de bem” e suas variáveis, como cidadão, homens, mulheres ou pessoas de bem. Holland conta que, alguns dias depois da morte do rapper Tupac Shakur, em 1996, ela parou o carro no estacionamento de um mercado, em Palo Alto, Califórnia. Estava acompanhada da filha de uma amiga, Danielle, uma adolescente de quinze anos, ouvindo algumas canções do rapper que tocavam no rádio, quando uma senhora se aproximou de sua janela e pediu que ela tirasse o carro dali para que pudesse descarregar as compras que tinha acabado de fazer.

Por Ana Maria Gonçalves, do Theintercept

Não havia, de acordo com Holland, nenhuma hesitação na voz da mulher, apenas a certeza de que seu pedido seria atendido. Olhando o posicionamento dos carros, Holland percebeu que a senhora poderia muito bem descarregar as compras pelo outro lado, onde não havia qualquer impedimento, apenas uma vaga vazia. Respondeu então que esperaria dentro do carro, sem abrir as portas para não atrapalhá-la, mesmo porque a conversa entre ela e Danielle estava interessante, com a garota falando do impacto da morte do rapper sobre os amigos da escola.

Quando a senhora terminou de guardar as compras, as duas desceram e, ao passarem por ela, ouviram, com o mais indignado dos tons, o comentário “E pensar que marchei por vocês!”. A senhora se referia às marchas que aconteceram durante a luta pelos direitos civis, e Holland, bastante estupefata a princípio, resolveu que deveria fazer algo, para que se calar em situações como aquela nunca se apresentasse como opção para a garota ao seu lado. “Você não marchou por mim; marchou por você mesma”, respondeu, “e se não entende isso não há nada que eu possa fazer.”

 

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