Primeiro diretor negro de teatro público em Berlim, brasileiro propõe perspectiva de “pós-migração”

O mineiro Wagner Carvalho mudou-se para Berlim nos anos 90, com a intenção de aprender mais sobre o dramaturgo Bertold Brecht. Após superar os tropeços no alemão, a falta de dinheiro e até a atmosfera neonazista, ele é, hoje, diretor do teatro Ballhaus Naunynstrasse.

Por Cristiane Ramalho, correspondente da RFI em Berlim

O mineiro Wagner Carvalho, diretor da instituição teatral pública na Alemanha, a Ballhaus Naunynstrasse. Foto: Cristiane Ramalho

Wagner Carvalho chegou a Berlim pouco depois da queda do Muro, em 1992. Na época, ser estrangeiro – sobretudo negro – podia ser perigoso. As perseguições xenófobas eram uma realidade recorrente. Como, aliás, voltaram a ser na Alemanha, com o crescimento da extrema direita impulsionado pela crise dos refugiados.

“A gente pegou essa fase de ebulição de uma sociedade que ainda estava se entendendo, onde os ataques neonazistas eram comuns”, lembra o brasileiro. Mesmo assim, ele circulava por toda parte, deixando os amigos alemães preocupados. Wagner Carvalho chegou a presenciar, apreensivo, três jovens fazendo uma saudação nazista quando estava dentro de um trem. “Felizmente não aconteceu nada”, diz o mineiro, lembrando que era difícil identificar de onde viria o perigo.

Havia também a luta contra os estereótipos. Por ser negro, e brasileiro, achavam logo que era capoeirista e gostava de samba e feijoada. “Tinha sempre que explicar muito. Dizer que eu vim por causa do Brecht, que não como carne, nem bebo”, diverte-se. “Algumas pessoas simplesmente não conseguiam encaixar essas informações”.

“Maravilhado com a Alemanha”

O flerte do diretor com a Alemanha começou ainda no final dos anos 80, quando ganhou uma bolsa de estudos do Instituto Goethe. A bolsa era para aprender a língua e estava vinculada a uma curta estadia no país, para aperfeiçoamento.

“Eles têm uma política de apoiar pessoas que se destacam no meio artístico. Eu era ainda muito jovem, mas fui considerado multiplicador”, explica. Sem isso, teria sido impossível estudar. “Não tinha condição financeira nem de pagar o curso de alemão, que era caríssimo”, diz Wagner.

De volta ao Brasil, em meio a uma tristeza profunda, tomou a decisão de mudar-se para Berlim para estudar teatro. “Voltei maravilhado com a Alemanha”.

Wagner conta que é o primeiro diretor negro a assumir uma instituição teatral pública no país: a Ballhaus Naunynstrasse. O teatro abriu espaço, há exatamente dez anos, para produções culturais de pós-migração. “O termo é uma estratégia política de mudança de foco”, explica.

Com ele, o teatro passou a priorizar temáticas negras. “Mas a proposta também é queer, feminista, de arte-educação e documental”, diz o diretor. “A sociedade é diversa e o palco tem que refletir essa realidade. A origem não importa”, acredita.

Fachada do Teatro com o diretor Wagner Carvalho – Foto: Cristiane Ramalho
Também ator e bailarino, Wagner criou o festival bianual de dança contemporânea ‘Move Berlim’, para apresentar no país a diversidade da produção brasileira. _©Christoff-Bleidt

“Comunista e subversivo

Wagner começou a fazer teatro aos 12 anos, algo visto com desconfiança na pequena cidade de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, onde cresceu.

Para investir no sonho, contou com uma preciosa ajuda materna. “Havia muito conservadorismo, era ainda o final da ditadura militar no Brasil. Nós fomos confrontados. A vizinhança dizia para minha mãe que eu devia estar andando com ‘putas, comunistas e subversivos’. Minha mãe respondia: ‘Confio no meu filho’.”

Aos 17, já fazia produções profissionais e começava a atuar na política cultural. Para garantir o direito dos trabalhadores das artes cênicas, circulava entre políticos que fomentavam a atividade.

Raízes na Alemanha

Ator e bailarino, Wagner criou o festival bianual de dança contemporânea ‘Move Berlim’, para apresentar ao país a diversidade da produção brasileira.

Mas o evento, que começou em 2003, está suspenso desde 2011. Uma próxima edição não está prevista: “As condições políticas e culturais não nos dão mais essa oportunidade. Na época, o Brasil assumia as passagens, pra que a Alemanha desse a contrapartida. O grosso do investimento vinha daqui. Hoje, tenho certeza que seria impossível fazê-lo”, lamenta.

Aos 52 anos, separado e com uma filha adolescente que vive na Dinamarca, Wagner circula muito pelo mundo. Mas sua base continua a ser a capital alemã, hoje mais aberta e multicultural.

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