Opinião: o racismo no Brasil é inegável, e personagens como Roger e Lucas Santos são primordiais na luta pela igualdade

Treinador fez discurso contundente sobre preconceito racial enraizado no Brasil, e jogador do CSKA criticou a violência contra a população negra; posicionamento é essencial para que o debate aconteça no futebol

No Observatório

Roger Machado e Marcão com a camisa do Observatório da Discriminação Racial no Futebol — Foto: EC Bahia / Divulgação

Há quem pergunte por que parte da sociedade fala sobre racismo – ou questões envolvendo minorias políticas, de maneira geral – todos os dias. Mas o verdadeiro questionamento deveria ser: como ignorar esse mal que assola o Brasil desde os tempos de colônia e que marginaliza e mata a população negra até hoje? Não há mais espaço para o silêncio – inclusive dentro do futebol. E é por isso que personagens como Roger Machado, Marcão e Lucas Santos são tão importantes.

Marcão e Roger Machado comandaram Fluminense e Bahia, respectivamente, no confronto que colocou frente a frente os dois únicos treinadores negros da atual edição do Brasileirão – o Tricolor das Laranjeiras levou a melhor por 2 a 0. Vestidos com a camisa do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, entidade que monitora e divulga casos de racismo no esporte, os treinadores levantaram a bandeira contra o preconceito.

No livro “O que é lugar de fala?”, a filósofa Djamila Ribeiro explica que lugar de fala não significa que as pessoas brancas não possam falar sobre racismo – pelo contrário, é importante que falem -, mas que esta fala é feita a partir de um lugar social de indivíduo privilegiado.

Em uma sociedade onde o discurso legitimado vem do branco, é importante que a voz das minorias políticas seja ouvida. É crucial que a voz de quem sofre isso na pele, literalmente, seja escutada. Não há espaço para que o negro seja visto como o “outro”. Ele é sujeito de sua própria história. E Roger evidenciou, em um belo discurso, que não vai admitir ser silenciado.

“A gente precisa falar sobre isso. Precisamos sair da fase da negação. Nós negamos. ‘Ah, não fala sobre isso’. Porque não existe racismo no Brasil em cima do mito da democracia racial. Negar e silenciar é confirmar o racismo. Minha posição como negro na elite do futebol é para confirmar isso”.

Em uma coletiva que mais parecia uma aula sobre racismo estrutural, Roger Machado não se limitou a falar sobre futebol. O treinador apontou a responsabilidade do Estado pela ausência de políticas de promoção de igualdade racial.

– A responsabilidade é de todos nós, mas a culpa desse atraso, depois de 388 anos de escravidão, é do Estado, porque é através dele que as políticas públicas, que nos últimos 15 anos foram instruídas, que resgataram a autoestima dessas populações, que ao longo de muitos anos tiveram negadas essas assistências básicas, elas estão sendo retiradas nesse momento – declarou Roger.

Outra figura do futebol que se destacou por uma fala contundente no último sábado foi Lucas Santos. Ex-Vasco e hoje no CSKA, o jogador foi criado na favela Para-Pedro, na Zona Norte do Rio de Janeiro – a mesma onde o mototaxista Kelvin Gomes Cavalcante, de 17 anos, foi morto após ser baleado quando estava dentro de uma barbearia. A Polícia Militar informou que uma operação estava sendo realizada no momento em que Kelvin foi baleado.

Com uma consciência moldada pelas letras de rap, trilha sonora favorita do jogador, e por líderes negros como Martin Luther King, Lucas Santos se mostrou indignado ao ver mais um jovem de sua comunidade virar estatística e pela violência policial com os moradores no protesto pela morte de Kelvin.

A revolta do jogador é compreensível – e louvável. Como não se incomodar? Como fechar os olhos para o fato de que 75,5% das mortes no país são de negros*? Como ignorar uma conduta policial tão agressiva, justamente no estado onde a polícia mais mata no Brasil**?

O posicionamento de figuras como essas é extremamente importante para que o debate não desapareça do ambiente futebolístico. Manifestações racistas ainda são realidade nos estádios brasileiros, infelizmente. O racismo estrutural mostra sua marca no baixíssimo número de técnicos e dirigentes negros no cenário futebolístico nacional

Também é importante que nós, jornalistas, falemos disso. O racismo ainda é uma ferida aberta que faz jorrar o sangue da população negra, e cada um de nós tem obrigação de fazer esforços para estancar essa sangria.

*Dados do Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

**Dados do Monitor da Violência, parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 201420152016, e 2017 com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui.

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